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Mostrando postagens com marcador terceiro setor. Mostrar todas as postagens
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19 novembro 2025

Sobre a situação financeira da Fundação IFRS


Encontrei essa notícia, de outubro desse ano, no site da Fundação IFRS:  

IASB — devido à inflação e ao fato de algumas jurisdições terem reduzido ou encerrado suas contribuições nos últimos anos, o poder de gasto das jurisdições para apoiar o trabalho do IASB se contraiu em termos reais. A prioridade de curto prazo é trabalhar com as jurisdições para ajustar suas contribuições de acordo com a inflação e aumentar o número de jurisdições que contribuem. Atualmente, pouco mais de um quarto das jurisdições que exigem o uso das Normas de Contabilidade IFRS contribuem para o financiamento do IASB.

ISSB — os acordos de financiamento inicial que têm sustentado com sucesso a criação e os primeiros anos de trabalho do ISSB chegam ao fim em 2026. A prioridade de curto prazo é renovar ou estender esses acordos como uma etapa de transição rumo a um modelo de financiamento de longo prazo.

O objetivo de médio prazo para ambos os boards é implementar um modelo de financiamento de “parcela justa”, baseado em um aporte mais amplo por parte das jurisdições, no qual aqueles que se beneficiam da adoção ou do uso das normas contribuam para seu desenvolvimento e manutenção.

Nos últimos anos, a Fundação aumentou substancialmente o número de funcionários, os locais onde possui algum tipo de instalação física (Japão, China, Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra são alguns dos países de que me lembrei) e ampliou os trabalhos realizados. O Accounting Today fala em um déficit de 5 milhões, mas, dependendo de como serão conduzidas as negociações para financiamento do ISSB, o valor pode ser bem maior.

O Brasil, que já teve um papel importante no financiamento, incluindo a participação expressiva do Conselho Federal de Contabilidade, tem feito doações ridículas. A venda de conteúdo é contraditória com o objetivo de expandir a adoção das normas: precificar o acesso ao site inibe a presença de usuários de países pobres, que não podem pagar.

Nos últimos anos, a dependência do dinheiro das grandes empresas de auditoria diminuiu, o que é positivo. Mas parece que os gestores da Fundação realmente exageram nos planos grandiosos do ISSB. Uma estratégia de contenção de gastos, fechando escritórios nos diversos países e reduzindo pessoal, pode ser uma sinalização importante para os doadores. 

 

07 novembro 2025

Museus, furtos, roubos e contabilidade

Roubo de obra de arte em museu é sempre uma notícia. O contraponto entre a audácia dos ladrões e a falha da segurança parece coisa de cinema. Um site listou sete roubos de obra de arte que seriam memoráveis.

Ao ler o texto, é possível perceber uma conexão com a contabilidade, seja na questão do reconhecimento, seja no processo de mensuração. O caso mais famoso foi o roubo da Mona Lisa, em 1911. O roubo foi feito por um italiano, Vincenzo Peruggia, que trabalhava como operário encarregado de construir vitrines de vidro para o Louvre. Peruggia entrou discretamente no museu, esperou o momento apropriado e retirou o quadro da parede. Depois de esconder o quadro, ele retirou a moldura e deixou o museu tranquilamente.

O detalhe curioso da história é que o roubo só foi percebido horas depois, pois na época o quadro era pouco conhecido. Mas a imprensa, para vender seus jornais, decidiu dar destaque ao caso, afirmando que a Mona Lisa era um quadro fundamental na história da arte. E de tanto afirmar isso, a obra de Leonardo da Vinci tornou-se um retrato mundialmente conhecido. O interessante aqui é como um evento, a princípio negativo, contribuiu para a valorização da peça do museu. Ninguém poderia prever isso.

Um segundo roubo de destaque da lista ocorreu em 2004, quando dois homens invadiram o Museu Munch, em Oslo, e levaram o quadro mais conhecido do pintor norueguês, O Grito. Além do prejuízo de não contar com o quadro para mostrar aos visitantes, o Museu teve que passar por uma reforma na sua segurança, que durou quase um ano. Os ladrões foram capturados. Nesse caso, o roubo revelou uma redução drástica de receita e um aumento nas despesas. Isso foi compensado com o aumento do público na reabertura do museu.

Mas nem sempre um caso como esse tem um final feliz. Em 1990, dois homens entraram no Museu Isabella Stewart Gardner, em Boston, e conseguiram realizar um grande roubo de obras avaliadas em meio bilhão de dólares. Só a obra O Concerto, de Johannes Vermeer, está avaliada em 250 milhões de dólares. A questão contábil desse caso deveria aparecer no relatório dos auditores: anos antes, o FBI tinha alertado para o problema de segurança do museu e somente alguns dos itens recomendados foram implantados. Até hoje, o museu mantém uma promessa de recompensa de 10 milhões de dólares (um passivo, mas que poderia ser contabilizado?) por informações.


Em 2019, novamente dois homens desativaram os alarmes de segurança do Museu Grünes Gewölbe de Dresden, Alemanha. Levaram joias estimadas em 120 milhões de dólares. As autoridades conseguiram identificar os responsáveis e recuperaram grande parte das joias roubadas. Se as joias tivessem sido baixadas para resultado em 2019, a recuperação, anos depois, merece a reversão do lançamento. Se não foram baixadas — mas registradas com um valor menor, usando uma contraconta do ativo —, também seria necessário um lançamento.


Mas por quanto tempo um museu deveria manter uma obra de arte que foi roubada nos registros contábeis como um ativo? Uma boa questão, que o caso do Museu de Belas Artes de Montreal pode servir de exemplo. O museu canadense foi roubado em 1972 e foram levadas 50 obras de arte. Naquele mesmo ano, os ladrões fizeram contato, devolvendo algumas obras menores para iniciar uma negociação pelo resgate. Mas com o fracasso das negociações, as obras restantes não foram recuperadas até hoje.

O roubo, em 2012, do Museu Kunsthal, em Roterdã, revela o quanto a despesa em segurança é importante para esse tipo de entidade. Parece inacreditável, mas o Museu não possuía vigilância noturna. Ao não ter essa despesa, o resultado do museu ficou melhor para seus doadores. Mas o preço foi perder parte do acervo — somente uma das pinturas foi recuperada, em 2018.

O Museu Van Gogh, também na Holanda, sofreu um roubo em 2002. Em cinco minutos, os ladrões levaram duas pinturas (uma delas, abaixo). A polícia conseguiu desvendar o crime por conta de um boné deixado no local. Apesar de descoberto os autores, as obras não foram encontradas de imediato. Mas, em 2016, uma operação policial na Itália encontrou as pinturas. Esse último caso traz um aspecto importante desses roubos: apesar do valor estimado das obras ser elevado, as mesmas são muitas vezes negociadas por um valor muito reduzido por dois motivos: primeiro, perde-se a liquidez, já que a obra só tem o mercado paralelo para ser vendida; segundo, o risco da operação, uma vez que a polícia procura pelas obras e pelos meliantes.


 

02 novembro 2025

Quantidade ou Qualidade - 4


Em uma entrevista no Estado de S. Paulo, um dos fundadores da Wikipedia, Jimmy Wales, afirmou

Para muitas pessoas, o nível de confiança em Elon Musk é extramamente baixo, porque ele diz coisas absurdas o tempo todo. Quando ele nos ataca, as pessoas doam mais dinheiro. Essa não é minha maneira favorita de arrecadar fundos ...

É interessante que uma organização sem fins lucrativos tenha aumento de arrecadação justamente após um ataque político. Algo similar ocorreu com a Universidade de Harvard, que após os ataques de Trump, viu crescer as doações recebidas. 

No passado fiz doações para Wikipedia. Fiquei ausente quando vi, nas demonstrações financeiras, que a Wikipedia não estava tão mal de recursos. Mas recentemente voltei a doar. Eu confesso que fiquei com vontade de fazer uma doação aqui.  

Imagem aqui 

10 julho 2025

Doações Filantrópicas: O Caso da Wayfare Foundation e a Transição para DAFs

Aqui está um texto sobre o encerramento da Wayfare Foundation, detalhando os fatores que levaram essa entidade do terceiro setor a encerrar suas atividades. De forma resumida, o fechamento foi motivado por ameaças ao fundador, o bilionário Steve Sarowitz, em meio à confusão envolvendo Baldoni e Lively.

A fundação utilizava recursos da fortuna de Sarowitz para apoiar financeiramente diversas organizações não governamentais. Com o encerramento da entidade, surge a preocupação de que essa fonte de financiamento seque. No entanto, o bilionário continuará realizando doações, agora por meio de um fundo aconselhado por doadores (donor-advised fund, ou DAF).


Uma das vantagens dos DAFs é que eles não precisam divulgar relatórios financeiros públicos. Além disso, são mais ágeis e menos burocráticos, o que permite que uma parcela maior dos recursos chegue ao destino final. Como não publicam suas demonstrações contábeis, as doações tornam-se mais discretas — algo vantajoso em determinadas circunstâncias. Os DAFs também aceitam doações de ativos incomuns ou ilíquidos, como obras de arte, e oferecem deduções fiscais mais elevadas. No entanto, o doador não tem controle direto sobre o destino dos recursos — pode apenas recomendá-lo. Além disso, os recursos só podem ser direcionados a entidades certificadas pelo fisco, o que exclui, por exemplo, doações a pessoas físicas ou bolsas de estudo.

Até o encerramento da fundação, Sarowitz havia doado 160 milhões de dólares, sendo que mais de 60 milhões foram repassados a mais de 200 ONGs entre 2021 e 2024. Como seu objetivo é doar toda a fortuna em vida — atualmente estimada em 2,3 bilhões de dólares —, ainda há um volume significativo de recursos a serem distribuídos. Uma característica marcante da Wayfare era a doação sem restrições. Em 2023, o valor médio das doações foi de 127 mil dólares.


18 abril 2025

Restrição nos fundos de uma entidade do terceiro setor: Harvard


A fúria de Trump contra Harvard encontrou uma instituição de ensino que possui um fundo patrimonial gigantesco. Isso tem sido usado por alguns como uma garantia que Harvard teria como resistir à pressão do presidente. Mas há uma questão que não está sendo considerada, que o texto a seguir explorou bem: muitos fundos de entidade do terceiro setor possuem restrição no seu uso. Assim, o impressionante tamanho do fundo de Harvard talvez não seja uma garantia de que a instituição possa resistir ao fúria. Eis o trecho

Nas últimas semanas, Harvard tem avaliado a possibilidade de recorrer ao seu fundo patrimonial, de US$ 53 bilhões — o maior do ensino superior —, para resistir à retaliação do governo federal.

No entanto, a maior parte desse fundo é “restrita”, ou seja, destinada a fins específicos definidos pelos doadores. As universidades evitam usar até mesmo as partes “livres” de seus fundos — cerca de de US$ 10 bilhões, no caso de Harvard —, tratando esses valores mais como contas de aposentadoria das quais dependem para cobrir despesas operacionais anuais do que como reservas de emergência. 

Trump ameaçou que alterar o status de Harvard como uma entidade do terceiro setor, o que implicaria em carga tributária para a instituição, mas também para os doadores. Ele pode fazer isso? Sim, mas talvez a justiça force a voltar atrás. Mas o estrago já estará feito. 

09 março 2025

Faz sentido ter normas contábeis separadas para o terceiro setor?

Eis um exemplo que reforça a resposta "não":

Sam Altman, presidente da OpenAI, e Musk fundaram a OpenAI em 2015, como uma organização beneficente. No entanto, o CEO da Tesla saiu do projeto por desentendimentos com Altman sobre a direção que a empresa estava tomando. Altman então se tornou presidente-executivo da empresa de IA e criou uma unidade com fins lucrativos dentro da OpenAI para garantir o financiamento de investidores como a Microsoft.

Altman agora está trabalhando em um plano para reestruturar o negócio principal em uma empresa com fins lucrativos que não será mais controlada por seu conselho sem fins lucrativos. No entanto, a organização sem fins lucrativos continuará a existir e terá uma participação minoritária na empresa com fins lucrativos.
 

Fonte: aqui

23 fevereiro 2025

Razões para brigar pelo poder de uma fundação do terceiro setor

Uma leitura interessante é o texto sobre uma disputa estranha entre um bilionário e sua ex-mulher. Basicamente, trata-se do bilionário Herbert “Herbie” Wertheim (foto) e de sua ex-mulher Nicole, que o acusa de desviar milhões dos ativos da fundação filantrópica familiar. Após um episódio de infidelidade que resultou no pedido de divórcio de Nicole em julho de 2023 (concedido em outubro), a briga judicial passou a girar em torno do controle dos bens da fundação, avaliada em cerca de US$ 4,5 bilhões.

Há acusações de fraude e fofocas típicas de colunas sociais. O interessante é que parte da disputa se concentra em uma fundação filantrópica. Qual seria o motivo disso, já que uma fundação como essa existe para fazer o bem? Um trecho traz uma resposta curiosa:

Por que travar uma batalha assim sobre dinheiro destinado à caridade? “A filantropia dá poder a quem a controla”, diz Al Cantor, um consultor independente de filantropia que não está envolvido no caso. Grandes doadores veem seus desejos atendidos ao doar grandes somas. Ceder o controle de até mesmo alguns ativos beneficentes significa abrir mão de um pouco desse poder.

Em outro trecho, aparece também um segundo motivo, que seriam os impostos:

Mas então ele [Herbie] revela um pouco mais sobre suas motivações, que parecem contradizer suas intenções de doar sua fortuna: “As pessoas doam para fundações para compensar passivos e impostos."


Foto: aqui

27 janeiro 2025

Análise Histórica da Santa Casa de Porto Alegre

Eis o resumo de uma pesquisa muito interessante: 

Aspectos históricos relacionados à Ciência Contábil figuram como uma temática relevante para a compreensão da estrutura contábil de organizações na contemporaneidade. Desse modo, a pesquisa realizada teve como objetivo analisar os registros de receitas e despesas realizados pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre/RS durante o período do Império brasileiro (1822-1889) e identificar elementos das escolas contábeis nos referidos registros. Para tanto, empregou-se uma pesquisa qualitativa, descritiva e documental operacionalizada por meio de análises dos Relatórios da Provedoria que constam no arquivo do Centro Histórico-Cultural da Santa Casa (CHC). Os dados foram analisados a partir dos Balanços de Receitas e Despesas. Os resultados obtidos demonstraram que a receita “Aluguéis de Prédios” chegou a representar mais de 20% da fonte de receitas totais, sendo que visando maximizar a rentabilidade, foram comercializados bens imóveis para adquirir Apólices da dívida pública – cujo rendimento de juros era de 6% ao ano. Destacam-se ainda as receitas de “Legados”, “Contribuição Marítima”, “Jóias”, “Loterias” e Subvenção Provincial. No que tange às Despesas Administrativas, Exposto e Capela juntas absorvem 55% de todas as receitas. Desse modo, a pesquisa contribui no âmbito da Contabilidade Histórica para evidenciar como a Ciência Contábil era utilizada para controle e gestão do patrimônio, buscando a efetividade das atividades da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre/RS. Logo, torna-se possível compreender aspectos relacionados à estrutura funcional da organização que contribuíram para que esta mantivesse suas atividades ao longo do tempo. (Francisca Viviane dos Santos, SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PORTO ALEGRE: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A PARTIR DOS REGISTROS CONTÁBEIS DO PERÍODO IMPERIAL (1822-1889))

Um gráfico interessante é a evolução da receita:

Veja que o objetivo é traçar uma evolução de uma entidade do terceiro setor, no século XIX, e associar com uma das escolas do pensamento contábil:

O resumo não indica qual escola a contabilidade da Santa Casa estava associada, mas no corpo da dissertação temos:

No que tange aos registros contábeis da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, identifica-se maior influência da Escola Controlista. 

03 outubro 2024

Terceiro setor e custo-efetividade da doação

Um texto do Our World in Data discute a eficácia de custo em doações para caridade, mostrando que a diferença entre as instituições mais e menos eficazes pode ser enorme, chegando a uma variação de até 100 vezes. Utilizando dados e exemplos, o texto destaca a importância de escolher uma instituição de caridade onde cada unidade monetária de doação faz mais diferença. Fiquei contente por mencionarem o GiveWell, uma entidade que avalia para otimizar os resultados das doações.

Um detalhe apenas: nem sempre uma doação "salva" uma vida, mas pode melhorar significativamente a qualidade de vida. Além disso, vale lembrar o texto de Scott Alexander sobre gastar dinheiro no capitalismo.

01 outubro 2024

OpenAI pode deixar de ser uma entidade sem fins lucrativos


Uma entidade, ao ser constituída, pode escolher o tipo de atuação que terá. Isso inclui as formas jurídicas, mas também se será uma entidade com ou sem fins lucrativos. A empresa OpenAI, que trouxe o ChatGPT, foi constituída como uma entidade sem fins lucrativos. Isso pode parecer estranho, mas foi a decisão dos seus fundadores.

Depois de lançar um produto de enorme sucesso, a OpenAI está planejando uma grande transformação: deixar de ser uma instituição sem fins lucrativos e tornar-se uma empresa com fins lucrativos. Sendo talvez a startup mais importante do mundo hoje, dominando um mercado enorme de IA, a mudança pode facilitar o processo de captação de recursos pela empresa.

Manter uma empresa de IA exige um grande volume de investimentos. Existe uma previsão de financiamento estimada em 150 bilhões de dólares, mas para isso deve ocorrer a mudança, conforme destacou a newsletter da Semafor. Na estrutura de empresa tradicional, o atual CEO, Sam Altman, teria uma participação entre 5% e 7%, e os acionistas, incluindo a Microsoft, também seriam recompensados.

05 junho 2024

Avançando nas normas do Terceiro Setor

Conforme já comentamos aqui, a Chartered Institute of Public Finance and Accountancy (CIPFA) está desenvolvendo um Guia para entidades sem fins lucrativos. Agora a entidade soltou um documento bastante amplo, com mais de 200 páginas, abrangendo muitos aspectos da contabilidade voltada para o terceiro setor. Mas percebi duas notas logo no início do documento que deixa mais claro que a norma não está sendo preparada ou endossada pelo IPSASB e pelo IASB. Nos documentos anteriores parecia existir uma insinuação de que a norma estava sendo apoiada pelas entidades. Era como se estas entidades estivessem delegado para o CIPFA a emissão de norma para o terceiro setor. Bom, agora isso ficou mais claro. A CIPFA usa as normas das entidades, especialmente de pequenas empresas, para construir seu texto. Reconhece esse uso logo no início do documento.

Em razão de usar as normas de pequenas e médias empresa, o documento informa o seguinte: 

O projeto IFR4NPO buscou opiniões, através de um Documento de Consulta emitido em janeiro de 2021, sobre a proposta de que o IFRS para PMEs seja utilizado como base para um único conjunto de orientações autorizativas para ONGs.

Considerando o feedback da consulta, estão sendo propostas adaptações ao IFRS para PMEs para criar a Orientação Internacional de Contabilidade para Organizações Sem Fins Lucrativos (INPAG), como uma orientação específica para relatórios financeiros de ONGs.

O primeiro Rascunho de Exposição foi focado no quadro geral para relatórios financeiros de ONGs e foi emitido em novembro de 2022. O segundo Rascunho de Exposição foi focado em questões contábeis chave e, em particular, na contabilidade de subsídios e doações, e foi emitido em setembro de 2023. O Secretariado do INPAG está atualmente considerando o feedback fornecido pelos respondentes.

Este novo documento tem um foco mais específico: 


No ED3, o foco está na apresentação das informações financeiras. Ele inclui novas seções sobre contabilidade de fundos, classificação de despesas e custos de captação de recursos. Também inclui uma nova seção sobre informações suplementares que estão vinculadas a um documento complementar – o Guia de Práticas INPAG 1 – Declarações suplementares (Guia de Práticas), que também é emitido para comentários como parte do ED3. Este Guia de Práticas fornece propostas para declarações suplementares que apoiam os requisitos de relatórios de stakeholders individuais, incluindo doadores. Há também uma atualização importante no ED3 relacionada à definição de patrimônio, bem como propostas para a adoção inicial do INPAG. Assim como o ED2, o ED3 inclui várias Seções que são atualizadas para mudanças de terminologia ou alinhamento, mas não são atualizadas por outras razões.

Particularmente acho que a Fundação IFRS faria um bom serviço endossando o documento que está sendo preparado. Afinal, a terceirização do serviço de emissão de norma pode ser uma proposta interessante para uma entidade que, mesmo com o aumento da sua estrutura, não tem condições de abarca todas as demandas dos interessados por normas. E a contabilidade de entidades sem fins lucrativos é importante demais para esperar a boa vontade dos burocratas da Fundação decidir por trabalhar no assunto. 

09 fevereiro 2024

Capitalismo e Caridade

Scott Alexander, no astralcodexten.com, apresenta algumas reflexões interessantes sobre capitalismo e caridade. É um texto comparativo entre os dois para tentar chegar a resposta de qual é o melhor. Parece algo estranho a comparação, mas não tanto quando lemos o texto. Vou tentar resumir os argumentos dele a seguir.


Inicialmente parece inegável que os países que ficaram ricos, assim o fizeram a partir do capitalismo. Isto inclui, por exemplo, os Estados Unidos, a Alemanha e, mais recentemente, a Coreia e Japão. Aqueles que tentaram outro caminho aparentemente fracassaram, como é o caso notório da extinta União Soviética. Se existem pessoas boas no mundo e estas querem ajudar os outros, talvez seja interessante deixar de lado a caridade, pura e simples, e passar a “doar para o capitalismo”. 

Algumas opções que podem incluir a doação para capitalismo: gastar o dinheiro com algo desejável e com empresas eficientes ou doe para instituições que busquem promover o capitalismo de alguma forma. 


A partir desta ideia, Alexander comparar gastar dinheiro com Instacart – uma espécie de Uber de compras, versus uma instituição de caridade que promove água potável para população carente. Esta instituição de caridade é uma escolha do GiveWell, o que significa, em outras palavras, que é algo sério. Se você tivesse um milhão para gastar para fazer o bem, qual seria a melhor opção? O senso comum escolheria a entidade do terceiro setor. Mas Alexander mostra que “doar” para o capitalismo pode criar empregos, promove uma empresa que tem uma continuidade clara, há efeitos de segunda ordem (o salário do empregado da Instacart gera outros benefícios indiretos), há um retorno do investimento, entre outros aspectos. 

Portanto, diante dessas considerações, a abordagem proposta por Scott Alexander nos leva a repensar a tradicional dicotomia entre caridade e capitalismo. A sugestão de investir no capitalismo como uma forma de impacto social, ao criar empregos, gerar benefícios indiretos e promover a continuidade de empresas eficientes, oferece uma perspectiva intrigante.


Entretanto, a carência de entidades do terceiro setor que promovam o capitalismo de maneira séria apresenta um desafio significativo. Nesse contexto, surge a indagação sobre a possibilidade de entidades como o sistema CFC desempenharem esse papel crucial. Seria o momento de repensar o papel das organizações não governamentais e filantrópicas, buscando formas inovadoras de promover sua contribuição para a vida das pessoas. 

Foto: aqui, aqui e aqui

08 novembro 2023

Norma internacional para o terceiro setor

Já comentamos aqui, mas o texto abaixo reforça a discussão:

Atenção, organizações sem fins lucrativos: um novo padrão para relatórios internacionais está chegando

31 de outubro de 2023

Um projeto inovador para desenvolver as primeiras diretrizes internacionais de contabilidade para organizações sem fins lucrativos está em andamento. Vivienne Russell conversou com os diretores do projeto, Sam Musoke e Karen Sanderson.

Em todo o mundo, diz Sam Musoke, Diretor do Projeto IFR4NPO, há profissionais financeiros que trabalham em organizações sem fins lucrativos que se sentem isolados. Eles participam de eventos de contabilidade e ninguém está discutindo as especificidades de trabalhar em uma organização sem fins lucrativos. Eles participam de eventos para organizações sem fins lucrativos e todos estão falando sobre a entrega operacional e não sobre as finanças.

Mas isso está começando a mudar, graças a um projeto que Sam co-direciona e que deu voz à comunidade financeira de organizações sem fins lucrativos.

"Muitas vezes encontramos pessoas que dizem 'Meus colegas, meus profissionais de finanças sem fins lucrativos!' e eles estão se encontrando", ela conta ao AAT Comment de sua casa em Uganda.

Definindo o padrão

O Projeto de Relatórios Financeiros Internacionais para Organizações Sem Fins Lucrativos, ou IFR4NPO, é um projeto que oficialmente começou a trabalhar no final de 2019. Sua missão é simples, mas inovadora. Desenvolver as primeiras diretrizes de relatórios financeiros globalmente aplicáveis para organizações sem fins lucrativos, como instituições de caridade e organizações não governamentais (ONGs). Isso permitirá que organizações sem fins lucrativos em todo o mundo produzam demonstrações financeiras de melhor qualidade e mais úteis, ajudando-as a melhorar sua credibilidade e acesso a financiamento.

O progresso tem sido constante, e os diretores do projeto imaginam que as diretrizes finais, chamadas de Diretrizes Internacionais de Contabilidade para Organizações Sem Fins Lucrativos (INPAG), estarão prontas até o meio de 2025.

O projeto está sendo conduzido em conjunto pela CIPFA, a organização profissional de contabilidade do setor público baseada no Reino Unido, e pela Humentum, que oferece programas de defesa e treinamento para aumentar a resiliência operacional e melhorar a responsabilidade e conformidade das organizações que realizam trabalhos humanitários e de desenvolvimento global.

O projeto IFR4NPO aproveita a experiência e redes diferentes, mas complementares, das duas organizações.

"O que torna esse molho especial da CIPFA e da Humentum tão poderoso é que [a Humentum] tem uma rede muito bem conectada com organizações sem fins lucrativos, tanto entidades locais em um grande número de países quanto ONGs internacionais a nível de sede e financiadores, e a CIPFA traz as organizações profissionais de contabilidade, os contadores, os definidores de padrões, a comunidade de auditoria", explica Sam. "Sente-se que estamos trabalhando como uma equipe de duas faces. Estamos realmente unidos no propósito."

Juntas, as duas organizações têm um poder significativo de convocação e estão descobrindo que, unindo forças, estão criando um espaço que antes não existia.

Abordando o fardo da inconsistência

O ímpeto para o projeto IFR4NPO veio do próprio setor sem fins lucrativos. Uma pesquisa realizada pela CCAB descobriu que 659 respondentes sem fins lucrativos de 179 países (72%) disseram que um padrão contábil internacional seria útil. Embora alguns países tenham desenvolvido seu próprio padrão para preencher a lacuna, a falta de consistência apenas piora o problema e coloca consideráveis ônus sobre aqueles encarregados de preparar as contas.

"Cada doador tem sua própria variante do que acredita ser uma boa demonstração financeira", diz Karen Sanderson, Diretora Técnica do INPAG, que lidera o projeto pelo lado da CIPFA e trabalha no Reino Unido.

"Portanto, há um grande fardo sobre as organizações sem fins lucrativos, onde elas têm vários doadores produzindo diferentes formas de relatórios. E uma de nossas grandes esperanças com este projeto é aproximar um pouco mais a comunidade de doadores em termos das informações de relatórios financeiros de que precisam."

O projeto realizou uma grande quantidade de engajamento, divulgação e consulta com grupos de partes interessadas em todo o mundo. Já foi realizada uma consulta sobre um primeiro Rascunho de Exposição, que é um texto proposto para as diretrizes e está aberto a comentários e pode ser alterado de acordo com o feedback recebido.

Uma consulta sobre um segundo Rascunho de Exposição, que abrange alguns dos desafios contábeis exclusivos das organizações sem fins lucrativos, foi lançada em setembro e será realizada até março do próximo ano. Outra consulta sobre um terceiro e último Rascunho de Exposição sobre apresentação de contas está planejada antes que as diretrizes finais sejam publicadas em 2025.

Trabalhando em relatórios exclusivos

As diretrizes que estão sendo desenvolvidas são baseadas no padrão contábil IFRS para PMEs (Pequenas e Médias Empresas), com algumas referências aos padrões de relatórios financeiros do setor público, quando relevantes e úteis. O projeto trouxe à tona alguns desafios contábeis complexos. Organizações sem fins lucrativos, que dependem em grande parte de doações e subsídios para sua receita, não são como empresas onde a receita é recebida em troca da venda de um bem ou serviço, com ambas as partes recebendo algo da transação.

Nas organizações sem fins lucrativos, as transações-chave podem ser unilaterais. O doador fornece dinheiro com a compreensão de que ele será usado em benefício de outra pessoa. "Isso muda toda a contabilidade e abre todo tipo de questões que não são abordadas em outros padrões contábeis", diz Sam.

Uma complicação adicional vem do fato de que muitos subsídios vêm com limitações sobre como podem ser usados. "Novamente, isso não acontece nas empresas", observa Sam.

"Se eu comprar uma garrafa de água de você, não vou dizer como usar esse dinheiro. É seu dinheiro para usar como quiser. A ideia de restrições impostas pelo doador é muito única para o setor e tem um grande impacto na contabilidade e responsabilidade. Porque não só preciso dizer o que tenho e no que gastei, mas também tenho que mostrar que gastei no que se entende que seria gasto. Agora isso é outro nível de complexidade em termos de responsabilidade."

Foram desenvolvidas uma variedade de soluções e abordagens diferentes para resolver esse dilema de responsabilidade. As diretrizes propostas que estão sendo desenvolvidas buscam harmonizar essas abordagens e desenvolver uma linguagem comum que todas as partes possam entender e que construa credibilidade e confiança.

Abraçando a mudança

As respostas ao trabalho do projeto têm sido encorajadoramente diversas, dizem Sam e Karen, com contribuições de todas as regiões e continentes globais, bem como uma ampla gama de grupos de partes interessadas, todos informados por um alto grau de paixão e engajamento.

De um começo discreto, o projeto agora construiu uma reputação e respeito no setor sem fins lucrativos, e tanto Sam quanto Karen concordam que houve uma mudança real na percepção.

"Somos uma pedra que rola", diz Karen. "Começamos do zero e crescemos muito."

Ela reflete que os diretores do projeto tendem a olhar para a montanha à frente deles, "mas na verdade, quando olhamos para trás, podemos ver o quanto já percorremos".

06 julho 2023

Desafios Financeiros e Gerenciais no Terceiro Setor: O Caso da Color of Change

A maior entidade do terceiro setor de justiça social dos Estados Unidos, com mais de sete milhões de membros, parece estar enfrentando dificuldades comuns às organizações sem fins lucrativos. Desde 2006, a Color of Change atua no combate ao preconceito, especialmente o racial. Após as manifestações de 2020 relacionadas ao assassinato de George Floyd pela polícia, a organização expandiu sua atuação, incluindo parcerias com o Airbnb, por exemplo, e seu presidente, Rashad Robinson (foto), tornou-se uma celebridade na mídia, com aparições na Oprah e na Forbes.


Isso também resultou em um aumento nas doações, com um valor de 30 milhões de dólares somente no primeiro semestre de 2020, superando as receitas anuais anteriores. Mais dinheiro deveria significar uma melhoria nos controles e na transparência contábil, mas isso não parece funcionar no terceiro setor, onde maiores receitas frequentemente são acompanhadas por descontrole financeiro.

Períodos de bonança levaram a um aumento nos salários dos executivos da Color of Change, realização de eventos maiores, projetos questionáveis e falta de supervisão. Com a redução da receita, esses gastos excessivos resultaram em déficits. Uma característica interessante das entidades do terceiro setor é que geralmente o volume de doações aumenta durante as crises para as quais a organização foi criada. Após o impacto da morte de Floyd, as receitas diminuíram. Embora houvesse uma expectativa de orçamentos anuais no valor total de 43 milhões nos últimos dois anos, o valor efetivo foi de 26 milhões.

A situação se complicou a ponto de, em uma reunião da diretoria, ser sugerida a falência da organização. Assim, a Color of Change começou a reduzir seu orçamento, o que incluiu demissões de funcionários.

Uma relação importante em uma entidade do terceiro setor é a relação entre despesas administrativas e receita, que consiste principalmente em doações para a organização. Com a queda na receita, essa relação aumentou para 1,52. Em outras palavras, a cada unidade monetária doada para a entidade, havia 1,52 unidades monetárias de gastos. Isso tem sido uma constante nos últimos meses.

A solução foi utilizar o caixa acumulado de 4 milhões para pagar as contas. No entanto, o valor não foi suficiente e resultou em atrasos nos pagamentos. Sem receber pagamento, os fornecedores começaram a interromper os serviços.

Um dos pontos observados é que a organização aparentemente não tinha uma auditoria independente. O termo "aparentemente" é sintomático aqui, pois a contabilidade da organização era e ainda é opaca. Esse parece ser um problema comum das entidades do terceiro setor, que só se preocupam com a contabilidade quando a crise surge.

Técnicas de análise de custo-benefício não eram consideradas. Em uma situação, a organização gastou 25 mil dólares em um podcast que tinha apenas 300 ouvintes mensais. Não é preciso ser um especialista em finanças para perceber que uma análise custo-benefício reprovaria esse gasto.

Outro exemplo de gasto inadequado foi o pagamento de aluguel para o filho da presidente da diretoria da organização em Manhattan, além de despesas com sua segurança e automóveis de luxo. E o salário anual do presidente da organização, até recentemente, era próximo de 500 mil dólares, muito embora essa informação não foi, e ainda não é divulgada, sendo baseada em suposições.

Fonte: Business Insider

04 dezembro 2022

Estrutura Conceitual do Terceiro Setor

O Relatório Financeiro Internacional para Organizações Sem Fins Lucrativos (IFR4NPO) é uma iniciativa para desenvolver a primeira orientação de relatórios financeiros aplicável internacionalmente para organizações sem fins lucrativos, lançou o 'Diretório Internacional de Contabilidade sem Fins Lucrativos, Projeto de Exposição 1'.


A nova orientação, International Non-Profit Accounting Guidance (INPAG), busca melhorar a clareza e consistência dos relatórios financeiros da Non-Profit Organization (NPO), resultando em maior credibilidade e confiança no setor globalmente.

O rascunho da exposição é a primeira de três partes, cada uma seguida por um período de consulta de quatro meses. O ED1 aborda quatro tópicos principais que são importantes para o enquadramento e o contexto do INPAG :

1. Uma descrição das organizações sem fins lucrativos 

2. Uma estrutura para o INPAG 

3. Apresentação das demonstrações financeiras 

4. Relatórios narrativos

O INPAG terá 36 seções. ED1 contém o prefácio, seções 1 a 10 e seção 35. As seções restantes serão cobertas no ED2 e ED3 em 2023.

(Fonte: Iasplus

O documento completo, com 188 páginas, pode ser acessado aqui

25 outubro 2022

Terceiro setor: quanto menor despesa administrativa, melhor?

A análise de desempenho, especialmente quando lida com regras práticas simplistas, pode não ser adequada. Regras do tipo "quanto maior, melhor" são, em essência, horrorosas e devem ser usadas com muito, muito cuidado. 

Um exemplo foi constatado na utilização da despesa geral e administrativa em entidades do terceiro setor como índice de eficiência. Acredita-se que quanto menor o volume deste item, melhor será a entidade. Isto aparece, por exemplo, no livro Teoria da Contabilidade, de Niyama e Silva, no capítulo relacionado com as entidades do terceiro setor. Esta tem sido a regra usada por muitos doadores: verificar o nível deste tipo de despesa em relação, por exemplo, ao volume de receita. É um sinal do esforço que a entidade faz para captar receita, que será útil no objetivo da entidade. 

Quando uma entidade do terceiro setor monta uma rede de telemarketing, que passa o dia ligando para as pessoas, solicitando doações, o gasto com despesa geral e administrativa será muito grande. Ou seja, a entidade dedica mais esforço em captar recursos do que atender aos seus objetivos. Esta é a ideia que leva o uso deste parâmetro como critério para verificar a eficiência. 

Dois pesquisadores  (via aqui) analisaram os dados de mais de 22 mil entidades do terceiro setor nos Estados Unidos, entre os anos de 2008 a 2018. A maioria destas entidades eram museus e teatros e com isto eles puderam verificar se as despesas administrativas tinham alguma relação com o número de pessoas que compareciam aos eventos e exposições. Neste tipo de entidade, o objetivo é divulgar a arte e o número de pessoas que assiste a uma peça ou entra no museu é um sinal de que sua finalidade está sendo realizada. 

Os pesquisadores descobriram algo interessante: a relação entre o volume de despesa administrativa, em percentual da receita, não é do tipo "quanto menor, melhor". Na verdade, a relação está traduzida no seguinte gráfico:

O que isto significa? As entidades que possuem pouca despesa administrativa atraem um público bem reduzido para seus eventos. Mas na medida que cresce a despesa, o público também aumenta. Ou seja, gastar pouco em termos de despesa pode não ajudar a atrair as pessoas para os eventos. Mas a partir de um determinado patamar, o aumento dos gastos prejudica o desempenho. Ou seja, passa a prevalecer o "quanto maior, pior". Este ponto, descoberto na pesquisa empírica, é de 35%. 

Em outras palavras, quando a relação da despesa administrativa em relação as receitas é abaixo de um terço, aproximadamente, "quanto maior, melhor". Mas a regra inverte a partir deste ponto, ou "quanto maior, pior". 

Em muitos casos, os gestores das entidades são pressionados a cortar as despesas para atender os critérios dos doadores. Mas este corte pode ser inadequado, já que a entidade negligencia fatores relevantes, como a divulgação, a infraestrutura, os salários do pessoal. Ter um volume reduzido de despesas gerais, pagando baixos salários, trocando funcionários pagos por voluntários, não investindo em equipamentos pode ser bom para alguns doadores, mas afasta o público dos eventos. 

Os autores da pesquisa recomendam, no entanto, que o percentual de 35% não seja uma regra fixa. O valor irá depender das características de cada entidade. O importante é não considerar somente a regra do "quanto menor, melhor", que prevalece hoje no terceiro setor. 

21 setembro 2022

Normas Internacionais de Contabilidade para o Terceiro Setor

Uma iniciativa do CIPFA, uma entidade contábil britânica, está sendo desenvolvida o primeiro conjunto de normas contábeis internacionais para o terceiro setor. Isto é bastante importante, já que o terceiro setor é uma espécie de patinho feio das normas internacionais. Enquanto a Fundação IFRS cuida das normas do segundo setor - entidades com fins lucrativos, o IFAC faz a adaptação para o setor público. Mas o terceiro setor ficou à margem deste processo. 


A iniciativa irá criar um Relatório Financeiro Internacional para as Entidades sem Fins Lucrativos e recebeu a sigla de IFR4NPO. É um projeto de cinco anos, tendo a liderança da Humentum e o CIPFA. Segundo o site, o IFR4NPO tem por objetivo trazer clareza e consistência para as entidades sem fins lucrativos através das informações contábeis. Estas devem ser consistentes e de alta qualidade. 

Como não existem padrões internacionais para este setor, um documento de consulta foi realizado anteriormente. O relatório final foi apresentado no início deste ano. Segundo informações do site do IFR4NPO já existem 157 jurisdições interessadas. Ontem foi anunciado o nome oficial do Guia que está sendo desenvolvido: INPAG. 

É um desenvolvimento interessante para o terceiro setor. 

14 abril 2022

Contribuições em entidades sem fins lucrativos


 O Fasb propôs, em setembro de 2020, uma mudança no relato das contribuições - que incluem as doações, presentes, serviços voluntários e outros termos - das entidades sem fins lucrativos. O documento, intitulado Presentation and Disclosures by Not-for-Profit Entities for Contributed Nonfinancial Assets sugere segregar as contribuições em caixa e outros ativos financeiros, das contribuições em ativo não financeiro, como terrenos, edifícios, equipamentos, utilitários, materiais, suprimentos, ativos intangíveis, serviços e promessas incondicionais desses ativos. 

Acima um exemplo desta evidenciação

24 fevereiro 2022

Psicologia da Doação

As entidades do terceiro setor aprenderam, ao longo do tempo, a usar de pequenos truques para extrair dinheiro dos potenciais doadores. Isto funciona para doações em um templo, no sinal de trânsito e, também, na internet. Em lugar de números, belas fotografias de pessoas com animais, de for uma entidade de defesa da vida animal, ou com crianças, se o público for esta faixa etária. Para uma entidade de defesa do ambiente, imagens de árvore são mais atraentes do que o desempenho frio dos números.

Uma estratégia interessante é solicitar uma doação em dinheiro. Algumas apelam para valores como $19 por mês. Mas qual a razão de pedir $19 e não $20? Uma resposta interessante é que ao pedir $19, as pessoas terão mais dificuldades de calcular o valor ao final de um ano. Se o pedido for de $20, parece mais simples multiplicar por 12 para ter a despesa anual.

Outro fato de pode ajudar na definição do valor é que o montante deve ser grande o suficiente para cobrir os custos de arrecadação e permitir que o doador imagine que fará diferença com aquele valor, sem pesar demais no bolso.

Adicionalmente é comum a solicitação em outra moeda - em dólar, por exemplo. Dez dólares não parece muito e pode ser que isto aumente a possibilidade de doação. Parece melhor que pedir R$50 (câmbio na data da postagem era um pouco acima de R$5 = US$1). Ou pedir o correspondente a 12 cafezinhos.

Veja mais aqui

20 janeiro 2022

Religião, imóveis e mercado

A The Economist apresentou no artigo "Deus, cobiça e mercado imobiliário" (o termo cobiça não combina com o conteúdo) um bom panorama da atualidade das igrejas. Não somente a pandemia, mas também as mudanças de hábito nos últimos anos, fez com que reduzisse o número de pessoas que vão à uma igreja. Isto traz consequências para receita (arrecadação de dízimo menor) e despesa. O lado da despesa merece mais destaque pelas consequências. 

Sobre a pandemia:

Muitas instituições religiosas fecharam as portas da noite para o dia, transferindo seus serviços para o Zoom. Agora, à medida que suas instalações reabrem, elas não estão certas se os fiéis retornarão. Se menos congregados aparecerem, duas tendências poderão se intensificar. Muitas organizações religiosas se livrarão de imóveis mal aproveitados. E mais igrejas se fundirão.


Há números no texto sobre o fechamento dos templos. A questão é contábil e financeira: como qualquer instituição, os custos devem ser cobertos pelas receitas. Existindo limitação na arrecadação, o problema deve ser resolvido do lado das despesas:

Uma manobra essencial para qualquer igreja, esteja ela em dificuldades ou prosperando, é equilibrar suas contas, e isso significa lidar com seu portfólio de imóveis. A religião organizada está lutando contra os mesmos problemas que proprietários de lojas de shopping centers abandonados e de escritórios vazios, à medida que os negócios migram para o ambiente online. Eles devem ficar parados assistindo enquanto o público diminui? Se não, de que maneira deveriam repensar seus imóveis?

Por séculos, as religiões acumularam riquezas terrenas na forma de imóveis. O Vaticano possui milhares de edifícios, alguns nas mais requintadas regiões de Londres e Paris. A Igreja da Cientologia é dona de endereços em Hollywood que, estima-se, valem US$ 400 milhões, de um castelo na África do Sul e de uma mansão do século 18 em Sussex. O Wat Phra Dhammakaya, templo da seita budista mais abastada da Tailândia, ostenta centros de meditação em todo o mundo. O tamanho da fortuna da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, mais conhecida como a igreja Mórmon, é um mistério; afirma-se que a instituição possui investimentos de US$ 100 bilhões, incluindo fazendas de gado, um parque temático no Havaí e um shopping center em Utah. Templos, sinagogas e mesquitas assistem atentamente os preços dos imóveis aumentar.

A internet permite que uma missa do Padre Marcelo seja assistida por milhares de pessoas. Mas retira pessoas dos templos e isto tem seu preço:

A internet tem sido tanto uma bênção quanto uma maldição. Um sermão virtual do arcebispo de Canterbury, em 2020, foi ouvido por 5 milhões de pessoas – mais de cinco vezes o número de fiéis que frequentavam a igreja semanalmente no Reino Unido antes da pandemia. Mas a participação online cobra um preço. Os fiéis param de frequentar os centros religiosos, e construções tornam-se obsoletas.

Por isso, grupos religiosos têm vendido imóveis mais rapidamente do que antes – ou estão explorando novos usos. Líderes em busca de um lugar no Céu estão aprendendo a vender ou alugar lugares na Terra. Testemunhas de Jeová, que têm 9 milhões de fiéis no mundo, venderam sua sede no Reino Unido. A Hillsong, uma gigantesca igreja australiana de 150 mil fiéis em 30 países, aluga teatros, cinemas e outros espaços para serviços dominicais.