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19 outubro 2025

Quando o Remédio é Pior que a Doença: Reflexões sobre DPAs, Passivos e o Caso Arthur Andersen


Muitas vezes, quando uma empresa comete alguma irregularidade, a consequência é a criação de um passivo. Um desastre ambiental, uma falha em um produto não corrigida a tempo ou a conduta inadequada de um funcionário não coibida são exemplos dessas situações. Em vários casos, o valor do passivo pode ser tão elevado que compromete a continuidade da empresa.

Nessas circunstâncias, é importante que o governo avalie se realmente compensa punir a empresa. A punição pode, de fato, ter um efeito pedagógico, inibindo que outras companhias repitam a mesma conduta. No entanto, as consequências podem ser tão severas que acabam gerando efeitos indesejados a longo prazo.

Na contabilidade, um caso bastante conhecido é o da empresa de auditoria Arthur Andersen. No final dos anos 1990, a companhia cometeu diversos erros, incluindo a assinatura de balanços de empresas em situação questionável. Quando os órgãos de fiscalização passaram a investigar mais de perto, a direção da Arthur Andersen ordenou a destruição de provas, chegando a picotar papéis e jogá-los pela janela. Como resultado, a empresa foi obrigada a encerrar suas atividades. Porém, olhando para o mercado de auditoria, percebe-se que quatro grandes empresas são poucas para atender à demanda global. Assim, a punição “exemplar” acabou sendo prejudicial para o setor em todo o mundo.

Se a redução de cinco para quatro grandes empresas de auditoria já trouxe dificuldades, é fácil imaginar os impactos que teria a falência de mais uma delas, mesmo diante de abusos graves, como trapacear em exames de ética profissional, revelar segredos do governo para obter vantagens competitivas, contratar ex-fiscais públicos ou prestar serviços de baixa qualidade. Por mais grave que seja a infração, o fechamento de uma Big Four poderia ser um remédio pior do que a doença.

Foi para lidar com esse tipo de dilema que alguns países criaram instrumentos como o acordo de acusação diferida (DPA, na sigla em inglês) e o acordo de não acusação (NPA). Em vez de simplesmente punir o acusado, o promotor concorda em suavizar a pena em troca do cumprimento de determinadas condições. Se a empresa cometeu fraude, por exemplo, pode ser obrigada a pagar multas, implementar reformas internas ou cooperar com investigações. Vale destacar que tais instrumentos existem em países com sistemas de justiça consolidados, como o Canadá.

Recentemente, o programa Last Week Tonight, apresentado por John Oliver, na temporada 12, episódio 19, em agosto de 2025, trouxe diversos exemplos do uso do DPA. O programa alertou para os excessos, citando o caso da Boeing, que firmou um acordo após o acidente com o avião 737 MAX em 2021. O problema apontado foi que a empresa não estaria cumprindo as obrigações assumidas, levantando a possibilidade de novos acordos. Outras companhias também já se beneficiaram desse tipo de instrumento, como o JP Morgan (fraude), a SAP (suborno) e a General Motors (defeito de fabricação).

Do ponto de vista contábil, acordos como esse afetam diretamente a mensuração do passivo, geralmente reduzindo seu valor. Em outros países, a redução da punição pode ocorrer durante o processo judicial. Isso pode, aparentemente, estimular a corrupção, mas, na prática, gera desafios contábeis. Um exemplo: se a empresa já havia registrado um passivo superestimado antes do acordo, a assinatura pode gerar um ganho extraordinário no resultado. Outro cenário: se a companhia espera firmar um acordo e isso não acontece, pode parecer que ocorreu mais um erro — o de não reconhecer ou mensurar adequadamente o passivo.

No Brasil, embora não exista um instrumento idêntico ao DPA, há mecanismos jurídicos semelhantes. O acordo de leniência, firmado por órgãos públicos como a CGU e o Cade, busca estimular a cooperação empresarial. A colaboração premiada, voltada para pessoas físicas, também permite reduzir punições em troca de informações relevantes. Já o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) procura resolver questões de interesse público, como disputas trabalhistas ou ambientais.

Em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo sobre a empresa Camargo Corrêa, o economista Cláudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B, destacou que a desorganização do setor de engenharia nacional não foi consequência direta da Operação Lava Jato. Segundo ele:

“É incorreto dizer isso. O fato é que a nossa legislação dificulta a separação entre o controlador/acionista e a companhia em questão. O certo era o acionista ser afastado e a empresa continuar operando com todos os seus ativos.”

Frischtak sugeriu que as ações da empresa fossem colocadas em uma escrow account (conta intermediária, mantida por agente de custódia) para indenizar os danos. Ele ressaltou que a lei deveria permitir essa separação, de modo a não penalizar a companhia em si, que poderia continuar operando. O problema reputacional, afirma, é fruto da conduta do controlador e de alguns gestores:

“Todos teriam de ser afastados, e deveria ser definida uma nova estrutura de gestão e governança. Isso teria evitado a desintegração do setor que vimos.”

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