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11 junho 2022

Revisões de tudo

Interessante este site (via aqui).  Se você gostar de escrever críticas (boas ou não) de restaurantes, filmes, livros, lugares etc não perca tempo. Faça também suas críticas para neve, leis, laptops, carros, desertos, sapos, conversa fiada, chocolate, café

Governança no mundo atual

 Dois nomes de peso escrevem sobre a governança nos dias atuais. Eis o resumo:

In the last few years, there has been a dramatic increase in shareholder engagement on environmental and social issues. In some cases shareholders are pushing companies to take actions that may reduce market value. It is hard to understand this behavior using the dominant corporate governance paradigm based on shareholder value maximization. We explain how jurisprudence has sustained this criterion in spite of its economic weaknesses. To overcome these weaknesses we propose the criterion of shareholder welfare maximization and argue that it can better explain observed behavior. Finally, we outline how shareholder welfare maximization can be implemented in practice. (The New Corporate Governance - Oliver D. Hart & Luigi Zingales)

O texto é bem narrativo. Eis a conclusão:

Corporations are larger, more complex, and more powerful than they were in 1932 or in 1970. In a more populous world, the importance of externalities has also greatly increased. Finally, the preferences of investors have changed. Investors, especially younger ones, are more sensitive to social issues. In spite of all these changes, the view on the proper objective of a business enteprise does not seem to have adapted. In this paper, we have argued that, when externalities are important and investors are at least somewhat prosocial, shareholder welfare maximization not value maximization is the natural goal for utility‐maximizing investors. The standard defenses of SVM do not seem tenable. SWM is what shareholders want and it is implementable. We outline several ways to achieve this. Interestingly, some of these are being adopted as we write. This is an area where practice is ahead of theory. In this paper, we have tried to fill the gap.

Custo perdido no investimento corporativo

 Resumo:

Sunk costs are unrecoverable costs that should not affect decision-making. I provide evidence that firms systematically fail to ignore sunk costs and that this leads to significant investment distortions. In fixed-exchange-ratio stock mergers, aggregate market fluctuations after parties enter into a binding merger agreement induce plausibly exogenous variation in the final acquisition cost. These quasi-random cost shocks strongly predict firms’ commitment to an acquired business following deal completion, with an interquartile cost increase reducing subsequent divestiture rates by 8-9%. Consistent with an intrapersonal sunk cost channel, distortions are concentrated in f irm-years in which the acquiring CEO is still in office.


Fonte:  In Too Deep: The Effect of Sunk Costs on Corporate Investment, June 2021 R&R at The Journal of Finance




10 junho 2022

Origem da palavra Contabilidade

 é bem mais recente que pensamos:

Em resumo: a palavra “contabilidade” apareceu em português em 1786 nas “Reflexões sobre a Fiscalidade e Finanças em Portugal”, de Rodrigo de Sousa Coutinho, que apreendeu a mesma aquando da sua estadia em Turim (na altura Reino da Saboia ou Estados Sardos) e que aí forma a opinião de que a contabilidade era uma “bela ordem”. Tendo sido nomeado Secretário de Estado, introduziu a palavra na legislação e em documentos oficiais, onde aparece pelo menos 24 vezes entre 1797-1808, sempre referente à Fazenda Pública. Daí se foi alargando o seu uso e, também, o seu significado, de tal forma que veio a abranger igualmente, os negócios mercantis e se confundiu com “escrituração”. Por exemplo, em 1880, José Joaquim Rodrigues de Freitas Jr., autor de “Elementos de Escrituração Mercantil” (1880 e 1882) - livro que tem por base as suas lições na Academia Politécnica do Porto - explica que, apesar de o programa oficial dos liceus se referir a “contabilidade e escrituração”), “não apresenta a menor diferença entre as duas palavras”, com o que ele próprio concordava. O 1º livro a incorporar “contabilidade” no título é de 1842, mas o 1º a intitular-se só de “contabilidade” é o Tratado de Ricardo de Sá de 1903. (Carlos Ferraz)

Finanças Comportamentais

Em 2006 eu criei o blog Finanças Comportamentais. Minha primeira postagem, veja que ironia, era sobre o comportamento de um macaco. Foram mais de 600 postagens, sobre vários temas. De 2006 para cá a área, que também recebe a denominação de Economia Comportamental e Psicologia Econômica, popularizou alguns termos usados e ganhou prestígio na academia. Os periódicos mais tradicionais já aceitam pesquisas na área e a resistência aos experimentos reduziu.

Em 2020, eu tive a oportunidade de ministrar, pela primeira vez, esta disciplina. Naquele momento tive um grande desafio: como transmitir o conhecimento em uma área que não existia uma estrutura claramente delimitada. Uma olhada no verbete de uma enciclopédia ajuda a ter uma visão abrangente. Vejamos como está estruturado o verbete na Wikipedia, com o título de Behavioral economics (1).

Temos dez itens, complementados por mais três, com pessoas notáveis, um “veja também” e as referências usadas. O verbete começa com uma breve conceituação. O item inicial é sobre a história, o que inclui alguns economistas clássicos, entre eles Adam Smith. Há também a lembrança dos laureados com o Nobel: Herbert Simon (1978), Kahneman e Vernon Smith (2002), Shiller (2013) e Thaler (2017). A questão da racionalidade do ser humano é apresentada logo após. Destaque em separado para dois “ramos” da economia comportamental: teoria do prospecto e o empurrão (2). É interessante notar que um subtópico com as críticas ao empurrão consta do verbete, mas não há nada relativo ao prospecto (3). O quinto item do verbete apresenta alguns conceitos da área. Isto inclui contabilidade mental, manada, falácia do jogador e outros. A seguir é detalhado o campo de finanças comportamentais. O sétimo item do verbete trata de aplicações em animais, seguido de aspectos práticos da área. O verbete tem uma seção de críticas e encerra com áreas relacionadas.

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Outra forma de pensar as finanças comportamentais (4) é através dos seus métodos. Talvez isto seja pouco prático para dividir o campo de estudo. Os assuntos seriam então classificados em pesquisas oriundas de laboratórios, questionários e experimentos naturais.

Os experimentos naturais são aqueles que acontecem na vida prática, sem a necessidade da intervenção de um cientista. Um experimento natural famoso na área é a discussão polêmica sobre a existência ou não da “mão quente” no basquete. Alguns acreditam que quando um jogador começa a acertar seus lances, neste dia ele estaria com a mão quente. Algumas pesquisas chegaram à conclusão de que isto é uma lenda, mas há controvérsias.

As pesquisas oriundas de laboratorios é quando a pesquisa tenta reproduzir, de forma simplificada, algo que ocorre no mundo real. Quando Dan Ariely dividiu seus alunos e cobrou um trabalho escrito, com diferentes prazos para entrega, ele estava fazendo um experimento natural (5). O pesquisador descobriu que o prazo de entrega não afeta a qualidade do trabalho.

Os questionários são usados há tempos na área. Algumas das pesquisas mais conhecidas de Kahneman e Tversky, os dois maiores nomes da área comportamental, usaram este método (6).

Como o método é um meio, é realmente estranho pensar nas finanças comportamentais a partir desta classificação (7).

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Dois conceitos são relevantes em finanças comportamentais: heurística e viés. A heurística é um procedimento mental simples que procura responder questões que são difíceis. O viés é a distorção do julgamento, que irá ocorrer em certas situações, provocando efeitos sobre o julgamento das pessoas.

Quando tratamos das finanças comportamentais é comum olhar para as heurísticas e os vieses. O problema é que existe uma grande quantidade de heurísticas e vieses catalogados. Em alguns casos, há uma confusão sobre onde começa um e onde termina outro. Recentemente algumas das conclusões dos trabalhos pioneiros sobre aversão à perda foram questionadas, mas ainda há discussão sobre isto e talvez não seja capaz de abalar as estruturas da área (8).

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A relação de finanças comportamentais com a biologia evolucionária, a ciência cognitiva, a psicologia, a sociologia e até mesmo a medicina envolve a discussão da racionalidade humana. Esta “ausência” de racionalidade pode ser explorada pelas instituições financeiras, os influenciadores digitais, os líderes políticos, entre outros, com efeitos nas finanças pessoais.

Neste sentido, as finanças comportamentais têm apresentado uma contínua evolução. A biologia trouxe a questão da adaptação, estudada na hipótese dos mercados adaptativos, de Lo (9). A medicina permitiu o estudo do cérebro diante das situações envolvendo a área comportamental. A sociologia permite entender o papel do grupo nas decisões (10). As novas tecnologias podem afetar o comportamento das pessoas (11). Além da replicação das pesquisas anteriores (12).

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Uma consequência natural do sucesso das finanças comportamentais é que algumas das descobertas e avanços estão sendo questionados. Em outros casos, há uma junção entre os conhecimentos tradicionais com os conceitos da área comportamental. De qualquer forma, isto é bastante positivo, já que mostra a relevância da área para o entendimento do ser humano.

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(1) uso aqui a Wikipedia, que é a enciclopédia mais popular e na língua inglesa, onde os verbetes são mais elaborados. Vide https://en.wikipedia.org/wiki/Behavioral_economics

(2) usei o termo em língua portuguesa, apesar de existir resistência neste sentido.

(3) isto naturalmente não significa que inexista críticas à teoria do prospecto. Talvez sejam menos contundentes.

(4) Usarei o termo finanças comportamentais a partir de agora, embora boa parte dos comentários sejam válidos para Economia comportamental, Psicologia Econômica ou outro termo similar.

(5) Recentemente Ariely foi envolvido em polêmica relacionado com uma das suas pesquisas. Esta pesquisa não foi questionada e eu cito aqui.

(6) O método do questionário não é totalmente aceito, embora suas descobertas geralmente sejam confirmadas posteriormente pelos outros métodos.

(7) Embora tenha usado na prática. Quando um aluno indica que deseja fazer um trabalho na área comportamental, gosto de apresentar os três métodos possíveis e perguntar sua preferência. O experimento natural é realmente o mais difícil dos três, pois além da coleta dos dados ser uma tarefa complicada, é necessário pensar em uma situação que se enquadre. O questionário é o mais fácil e a reprodução de uma pesquisa realizada anteriormente, com ou sem variações, termina sendo uma forma fácil de trabalhar na área comportamental.

(8) Fico devendo a citação, uma vez que estou escrevendo este texto de memória.

(9) Veja a tese de doutorado: Souza, P. V. S. D. (2020). Mercados adaptativos, cultura, variáveis econômicas e contábeis.

(10) Vide, por exemplo, Bonfim, M. P., & Silva, C. A. T. (2021). COLLECTIVE DISHONESTY: AN ANALYSIS OF THE GROUP'S INFLUENCE IN THE DISHONESTY BEHAVIOR. Revista de Administração Unimep, 19(5), 194-219. A tese de Bonfim merece ser lembrada. Além disto cito a tese de Ivone Pereira sobre a questão fiscal: Pereira, I. V. (2017). Fatores que influenciam o comportamento desonesto das pessoas na prática da evasão fiscal no Brasil.

(11) Por exemplo, a dissertação de mestrado de Soares, J. M. M. V. (2019). Efeito Tela na tomada de decisão: uma abordagem experimental em contabilidade (Master's thesis, Brasil). E a tese de doutorado de Souza, I. G. D. M. (2018). Uso de mídias sociais para divulgação voluntária: sentimento na UGC do Facebook e geração de valor para empresas de capital aberto.

(12) a replicação de pesquisa é muito desvalorizada na ciência, mas pode ser relevante para solidificar as descobertas. Um exemplo é a famosa pesquisa sobre aversão à perda, reproduzida de diversas formas, em diferentes culturas.

Covid e a relevância do intangível

A pandemia do Covid parece ter enfatizado a importância do tangível na economia: a vacina, o leito do hospital, o alimento, entre outros itens. 

Mas Tim Harford acredita que os ativos intangíveis mostraram sua relevância também. Se existiram as vacinas, que precisavam de frascos, agulhas e freezers, também era necessário o know-how para obter o remédio. 

O desenvolvimento de vacinas exigiu anos de pesquisa anterior. Provando que elas foram produzidas com ensaios clínicos rápidos e em larga escala. Garantir que as doses fossem produzidas rapidamente exigia o compartilhamento de riscos - em particular, os compromissos do governo de comprar muitas doses antes que ficasse claro que elas funcionariam. Talvez o ativo intangível mais subestimado nisso tenha sido a confiança(grifo meu) 

A experiência do Covid seria um lembrete de como fatores intangíveis podem ser essenciais. 

Foto:Adam Nieścioruk

Ciência de Dados e Contabilidade

A presente pesquisa investigou como a adoção da ciência de dados na Pós-graduação Brasileira relaciona-se com a formação de mestres e doutores em contabilidade. A relevância da temática recai sobre a importância da disseminação de conhecimentos, que aproxima as universidades do mercado de trabalho contribuindo para o desenvolvimento da sociedade. Diante disso, a pesquisa teve como objetivo determinar os fatores de adoção de conhecimentos em ciência de dados e suas influências na formação de mestres e doutores em contabilidade, evidenciada na literatura baseada na difusão da inovação, redes complexas e ciências de dados na contabilidade. O percurso metodológico procurou explorar o Catálogo de Dissertações e Teses da Capesa, referente ao período de 1987 até 2019, que posteriormente foram analisados com a utilização da linguagem computacional (Python e Gephi), mineração de dados, estatísticas descritivas e redes complexas, com objetivo de mapear e identificar as principais pesquisas e módulos criados e desenvolvidos pela rede de co-palavras-chaves, com intuito da expansão da pesquisa sobre a colaboração científica e a evolução da ciência de dados na contabilidade. Os resultados indicam a existência de uma evolução temporal nítida onde foi possível identificar que mais de 70% das pesquisas alinhadas com a área contábil estão concentradas em cinco módulos, formando um padrão a partir de 2013, sendo eles: aprendizagem de máquina, mineração de dados, inteligência artificial, grandes dados e inteligência de negócios. Além disso, a contabilidade financeira ganhou destaque por emergir como um módulo em termos essencialmente contábeis, apontando novos rumos e tendências. 

Fonte: Dissertação de Ricardo dos Santos Cardoso

Um aspecto interessante é a evolução de teses e dissertações na nossa área:



09 junho 2022

Ações e uso de armas

 

Eis o que ocorreu com dois fabricantes de armas, desde o massacre em Uvalde, Texas. 

Fasb e três projetos interessantes


A entidade que faz as normas contábeis para o mercado de capitais dos Estados Unidos está trabalhando em três frentes de importante interesse. A primeira é a questão de ativos digitais. No final de 2021, o presidente do Fasb adicionou o projeto à agenda de pesquisa do Fasb, com ênfase nos ativos negociados em bolsa. Apesar de não existir nenhum documento preparado pela entidade, no dia 11 de maio de 2022 o Fasb adicionou o projeto na sua agenda técnica. Eis o comunicado do Fasb sobre o assunto:

The Board added a project to its technical agenda to improve the accounting for and disclosure of certain digital assets. The Board decided not to add to its technical agenda a project that would address the accounting for exchange-traded commodities; however, the chair decided that this topic would remain a research agenda project.

O segundo projeto refere-se a desagregação da despesa da Demonstração do Resultado. Isto inclui as despesas de venda, gerais e administrativas, o custo dos serviços e outros custos das receita e os custos dos produtos tangíveis vendidos. Em fevereiro deste ano o Fasb revisou o objetivo do projeto.

Finalmente no dia 1 de abril o Fasb começou a trabalhar no projeto "Accounting for Financial Instruments with Environmental, Social, and Governance (ESG)-Linked Features".

08 junho 2022

Carregador de eletrônicos e a padronização

A Comunidade Europeia chegou a um consenso: todos os smarthphones e tablets terão que usar um único carregador, denominado de USB-C. O projeto foi apresentado no ano passado e aprovado na terça feira. Estima-se uma economia, para os consumidores, de 250 milhões de euros por ano. 

A proposta não entra em vigor de imediato, mas em 2024. Os laptops terão um prazo maior, de 40 meses, para adequar a novas regras. Quando a proposta foi apresentada, a Apple reagiu, dizendo que "reduziria a inovação" (?). Mas recentemente vazou um modelo de iPhone com o carregador. 

O interessante é que o assunto foi aprovado de forma consensual. Nem todos os países da Europa irão, a princípio, adotar o padrão, já que alguns deles não fazem parte da Comunidade. É o caso da Inglaterra, que recentemente abandonou a comunidade. 

Eis um exemplo interessante sobre as vantagens e desvantagens da padronização. Neste caso, a medida do parlamento europeu deve ter o apoio popular. Entretanto, existe a pressão de empresas, onde o carregador "diferente" representa parte da estratégia de marketing. 

No livro Teoria da Contabilidade, de Niyama e Silva, há uma discussão sobre este aspecto no primeiro capítulo. Mas percebo que faltou enfatizar o fato de que a padronização pode ser uma resposta a uma vontade popular e permitir a economia para os consumidores. 

07 junho 2022

ESG e Auditoria


As mudanças que todas as empresas – e particulares – tiveram de enfrentar como resposta à pandemia de Covid-19, nos últimos dois anos, afetaram, também, o sector da auditoria, tanto nas soluções que encontraram para se adaptarem, enquanto organização, para responderem aos desafios colocados pela situação de exceção em que ainda vivemos, como também pela forma como tiveram de lidar com o impacto nos clientes objeto de auditoria. Estes desafios não se esgotaram no período de crise, mas mantêm-se e projetam-se no futuro, juntando-se a outros, como referem estudos e os próprios agentes do mercado ouvidos pelo Jornal Económico (JE).

Entre os desafios apontados, que requerem resposta, encontram-se o desenvolvimento tecnológico – não só pela capacidade de uso das ferramentas ao dispor dos auditores para o exercício da sua atividade, mas também pelo reforço da capacidade de resposta analítica ao potencial tecnológico de quem é auditado – e a questão, cada vez mais premente da identificação, atração e retenção de talento, dois temas tratados nas páginas deste Especial. A estes juntam-se, também, os temas relacionados com o ambiente, questões sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês), que constituem um duplo desafio para as auditoras. Mais uma vez, reflete-se tanto do ponto de vista interno, de como a auditora desempenha a sua atividade, como externo, pela importância relativa que estes temas passam a ter na atividade de quem é auditado.

Estão em causa questões ambientais, relacionadas com as emissões de gases de efeito estufa, o uso de água, o tratamento de resíduos e poluição, assim como a sustentabilidade dos recursos de que a organização para os seus processos; questões sociais, como as relações com os colaboradores, a diversidade, a saúde e segurança no trabalho e o apoio à comunidade; e a governança, que reflete questões relacionadas com a transparência da gestão, os direitos dos diferentes stakeholders, os padrões éticos e o combate à corrupção, por exemplo.

Um trabalho da consultora KPMG identifica como desafios para a auditoria – incluindo para os conselhos das empresas que têm esta responsabilidade – a resposta à incerteza, que tem sido um efeito da pandemia, mas também agora à consequências da guerra provocada pela invasão russa da Ucrânia, que alterou o quadro geopolítico, com repercussões em muitos mercados; depois, os temas ESG, que constituem um desafio e uma oportunidade, porque é nesta altura que se estão a definir os sistemas e as métricas. “O ESG será estrutural na estratégia, propósito e cultura dos líderes. Os grandes vencedores do futuro serão aqueles que conseguirem crescer e diferenciar o seu negócio em linha com os princípios fundamentais de ESG”, refere a consultora e auditora EY no estudo “ESG: conhecer os desafios ajuda a encontrar o caminho?”.

Desafio e oportunidade - Segundo o CEO da BlackRock (o maior fundo global em ativos sob gestão), Larry Fink, na sua carta aos CEO em 2021, não haverá nenhuma empresa cujo modelo de negócio não virá a ser profundamente afetado no processo de transição para neutralidade carbónica. Isto terá efeito na forma como as empresas trabalham, mas também analisam o impacto nos seus clientes. Os responsáveis do sector contactados pelo JE são unânimes em considerar que os temas ESG vão passar a integrar com cada vez maior importância os processos de auditoria e revisão de contas, o que constitui um desafio, mas também o consideram uma oportunidade, pela capacidade que as auditoras têm de verificar a adequação dos processos aos quadros regulamentares, assim como o cumprimento de requisitos, por exemplo, nas operações para a emissão de dívida verde. A emissão de dívida verde por empresas portuguesas está em crescendo, desde que se iniciou, em 2018, totalizando mais de 12 mil milhões de euros, enquanto se preparam novas emissões, num mercado em que a EDP- Energias de Portugal se destaca.

Jornal Econômico - Temas ESG são desafios e oportunidade da Auditoria - Manuel Rifer

Presença de um banco em uma cidade

Como a presença de um banco pode afetar o crescimento de uma cidade? Eis uma questão interessante. Uma resposta, com base em uma amostra no Brasil, foi apresentada recentemente:

We study how financial development affects economic development and wage inequality. We use a large expansion of government-owned banks into Brazilian cities with low bank branch coverage and combine it with data on the universe of employees from 2000-2014. We find that higher financial development fosters firm growth, higher labor demand, and higher average wages, especially for cities initially in banking deserts. However, these gains are not shared equally. Instead, they increase with workers’ productivity, implying a substantial increase in wage inequality. The changes to inequality are concentrated in cities where the initial supply of skilled workers is low, indicating that talent scarcity can drive how financial development affects inequality. Our results are inconsistent with alternative explanations such as differential exposure to Brazil's economic boom, an overall increase in government lending, and other government or social welfare programs. These results motivate embedding skill heterogeneity into macro-finance development models in order to capture these distributional consequences.


Eis o efeito:



Excel 1992

Uma propaganda do Excel em 1992. Faz 30 anos, mas é possível acompanhar as operações executadas pelo rapaz no elevador. Preste atenção no mouse.

06 junho 2022

Teoria da Agência e a Contabilidade - 2

Apesar disso, a teoria da agência é bastante popular na literatura, inclusive na literatura contábil (1). Mas a teoria da agência também está no radar daqueles que fazem as normas contábeis. King, no livro More than Numbers Game (2), afirma que a Declaração de Conceitos da Contabilidade Financeira, conhecida como SFAC 1 tem suas raízes no Relatório Trueblood e que a discussão sobre a responsabilidade da administração está vinculada aos problemas de agência, conforme citados por Jensen e Meckling (3).

A aplicação da Teoria da Agência é bastante ampla, mesmo sendo um ramo da teoria dos jogos (4). Uma dessas aplicações é a estruturação de contratos, de forma a motivar uma pessoa a agir em nome de outra, mesmo não sendo de seu livre interesse.

Em termos resumidos (5), há um principal, que delega certas tarefas e responsabilidades para uma outra pessoa, chamada de agente. A Teoria estuda as situações onde os interesses do principal são divergentes dos interesses do agente.

Vejamos uma situação comum em uma grande empresa. Os acionistas contratam um administrador para executar as funções necessárias para que a empresa possa atingir os seus propósitos. No exemplo, o principal são os acionistas e o agente é o executivo. Ao fazer a contratação, os acionistas esperam que a gestão do administrador possa gerar pagamento de dividendos. Mas o administrador pode estar interessado em reter o lucro na empresa, pois isto permite que tenha maior margem de manobra.

Ao final de um exercício social, com a apuração do lucro, o executivo irá propor uma distribuição para os acionistas. Estes podem estar interessados em ter o maior volume de dividendos possível; já o executivo terá interesse em reter o lucro, aumentando sua margem de manobra para o futuro (6). Uma forma de resolver esta situação, tornando os interesses do principal e do agente convergentes, é fazer um contrato com o executivo, onde parte da remuneração seja paga com a apuração dos resultados da empresa. Parece ser uma boa ideia, pois incentiva o executivo a não acumular lucro.

Considere agora a situação onde um executivo, o agente, tem um contrato de trabalho de dois anos com uma empresa. Agora é de sua responsabilidade a decisão sobre investir em pesquisa e desenvolvimento. Sua remuneração é composta por um salário fixo, mais uma participação nos lucros da empresa. A análise do investimento em P&D mostra que o gasto é importante e necessário no longo prazo da empresa. Mas os frutos do investimento são de longo prazo. O gestor, ao optar pela decisão de efetuar gastos com P&D poderá reduzir o lucro de curto prazo e, por consequência, sua remuneração (7).

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Os exemplos citados neste texto e no anterior mostram como a Teoria da Agência ajuda a entender a realidade e o comportamento das pessoas. Antes do surgimento da Teoria da Agência, assumia que as empresas eram administradas pelo seu dono. Ou quando existia uma separação entre o proprietário e o administrador, as coisas ocorriam como uma única pessoa no comando (8). Entretanto, no mundo atual, é cada vez mais comum a separação entre a gestão e a propriedade.

As atitudes do gestor podem ser diferentes daquelas esperadas pelo proprietário. O gestor corresponde ao agente, tendo seus próprios interesses. Enquanto o gestor opta por não fazer investimento em pesquisa e desenvolvimento, para o proprietário esta decisão é a correta. Conforme irei detalhar mais adiante, a Teoria da Agência ajuda a entender muitos aspectos da contabilidade. Conforme afirma Donleavy (9),

A contabilidade tem várias teorias relevantes (...); no entanto, essa teoria [teoria da agência] é muito mais importante do que todas as outras e é central para a compreensão da prática contábil, especialmente a prática contábil financeira.

A Teoria da Agência melhora nosso entendimento dos interesses do administrador na informação contábil, nos planos de remuneração e seu papel na motivação e no controle da operação da empresa. Os gerentes possuem um grande interesse na escolha da política contábil. Muitos deles querem influenciar as escolhas possíveis na contabilidade, afetando os resultados apresentados (10).

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Neste ponto já é possível explicitar duas condições necessárias para que exista um problema na relação entre o principal e o agente. Este problema, de forma resumida chamado de problema de agência, ocorre na presença de conflito de interesse e da assimetria da informação.

A primeira condição é bastante razoável. Se o principal e o agente possuem os mesmos interesses, não há um “problema” na relação. Isto pode acontecer, muitas vezes, na empresa familiar, onde a administradora é a filha e a proprietária é a mãe (11). A situação de conflito de interesse é possível de ser observada na figura que apresentamos anteriormente. Lá há uma seta que inicia e começa no principal e outra que tem o mesmo desenho no agente.

A segunda condição é o reconhecimento do fato de que as pessoas possuem não somente interesses, mas informações diferentes. O gestor sabe coisas que estão ocorrendo na empresa que o acionista não sabe. Isto também é válido para os exemplos que citamos no texto anterior. O fato de que as pessoas possuem informações diferentes sobre um determinado evento ou um determinado objeto ou uma empresa recebe o nome de informação assimétrica.

A informação assimétria é nomal na vida das pessoas. A famosa história de Salomão e as duas mulheres que afirmavam ser a mãe de uma criança é um exemplo de informação assimétrica. As mulheres sabiam quem estava falando a verdade, mas o rei Salomão não tinha esta informação. A famosa sabedoria de Salomão revelou-se quando ele solicitou que partissem a criança e desse uma parte para cada mulher (12). Uma das mulheres imediatamente abriu mão da criança, revelando ser a mãe verdadeira. Antes da decisão de Salomão, existia uma informação assimétrica. Após a sentença, a atitude da mãe fez com que a informação torna-se simétrica.

A Teoria da Agência reconhece que algumas pessoas possuem uma vantagem de informação sobre outras. Em razão disso, entendemos agora que o gestor tem interesse nos pronunciamentos contábeis pois diz respeito a assimetria da informação. Considere o caso do gestor e do proprietário. Em razão da separação da propriedade, o esforço do agente, o gestor, será difícil de ser observado pelo principal. A existência de assimetria de informação permitirá que o gestor não cumpra os interesses do principal. Um contrato de trabalho entre o proprietário e o gestor pode ajudar a reduzir este problema. Uma possível solução é relacionar a remuneração do gestor com medidas de desempenho que sejam observáveis pelo principal e pelo agente. O lucro é uma destas medidas. A comissão de vendas é outra.

A delegação de autoridade, do principal para o agente, com uma remuneração baseada no lucro é somente uma possibilidade que pode fazer com que os interesses do agente aproximem-se dos interesses do principal. É uma tentativa de fazer com que o agente comporte no sentido de também tentar maximizar os benefícios do principal. Uma solução como esta tem um custo, denominado de custo de agência, mas faz sentido quando pensamos que pode ajudar a resolver o problema de agência. Iremos comentar sobre os custos de agência a seguir.

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A Teoria da Agência estuda a relação entre um principal, que delega uma tarefa para um terceiro, o agente. Os interesses de ambos são divergentes e existe assimetria informacional. Isto cria um problema de agência, onde o agente não busca executar a tarefa visando os interesses do principal, mas sim os seus interesses. A solução do problema pode envolver alternativas que possuem um custo para o principal, o custo de agência. A contabilidade tem um papel importante na solução do problema de agência, assim como este problema explica certas situações contábeis.

De uma maneira simplificada resumimos o entendimento sobre a teoria da agência no parágrafo anterior (13). Um gestor pode desejar um padrão de vida elevado, financiado por salários elevados, sala com conforto e pessoal de apoio, passagens grátis na primeira classe, acesso a restaurantes caros pagos pela empresa e um bom fundo de pensão. Mas talvez não interessa ao proprietário arcar com essas despesas, pois diminui o seu lucro. Para solucionar o dilema, a remuneração do executivo pode ser atrelada ao lucro da empresa. Mas veja que o contrato de trabalho acrescentou um custo para a empresa. A literatura costuma classificar os custos relacionados com o problema de agência em custos de monitoramento e custos de ligação (14). Vamos detalhar os dois a seguir.

Os custos de monitoramento incluem mecanismos de governança corporativa, planos de compensação, auditoria interna e externa, comitês internos e as demonstrações contábeis. A auditoria é um exemplo bem interessante de custo de monitoramento (15). A auditoria, ao dar credibilidade para as informações contábeis, termina por monitorar os gestores.

Os custos de ligação estão relacionados com a tentativa de mudar os interesses do agente. É uma forma de modificar os seus interesses. As empresas podem fazer isto entregando aos gestores opções de ações; espera-se que os gestores possam se esforçar para valorizar as ações da sua empresa, pois isto resultará em um aumento da sua riqueza pessoal. Para evitar que os esforços dos gestores estejam voltados para o curto prazo, esses só podem usufruir das ações no médio prazo.

A soma dos custos de ligação e de monitoramento resulta nos custos de agência. É importante notar que os custos de agência representam uma solução intervencionista, ao contrário da proposição de que o mercado consegue resolver os problemas de agência (16).

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A literatura cita duas situações importantes da Teoria da Agência: os contratos de trabalho e os contratos de dívida (17).

Nos contratos de trabalho, a empresa, representando os seus donos, estabelece que os gerentes irão receber bônus, usualmente relacionados com o lucro líquido. Isso desperta o interesse dos administradores nos padrões contábeis, já que sua remuneração irá depender da apuração do resultado da empresa. Ademais, o gestor exerce uma grande influência sobre o sistema contábil; em alguns casos, podemos até dizer que o gestor controla a contabilidade. Isto traz a possibilidade de gerenciamento de resultados.

Mas os contratos devem também prever que as decisões do gestor podem ser afetadas pela relação com o principal. O exemplo da decisão de fazer um projeto de investimento, que renderá frutos no futuro, é uma situação possível. O gestor pode optar por investimentos com um retorno mais imediato, de modo a não afetar na apuração do lucro. Este exemplo mostra que a proposição de um contrato de trabalho como uma solução para o problema de agência entre gestor e proprietário pode ser mais complicado na prática do que parece. De qualquer forma, é importante salientar que a solução do problema de agência, via contrato de trabalho, possui, nos números contábeis, uma grande aplicação.

A figura a seguir mostra as duas situações de relação agente-principal em uma empresa. Já comentamos sobre a primeira, que ocorre na empresa, entre o acionista e o gestor. Agora vamos falar um pouco sobre a segunda situação, do financiamento.

Relação entre Principal e Agente em uma empresa (18).

O emprestador de recursos de dívida para uma empresa estaria na posição do principal. Seu desejo é que a empresa quite suas obrigações no prazo. Significa dizer que o financiador irá torcer para que a empresa tome decisões corretas que permita, no futuro, gerar recursos suficientes para isso. Mas são seus recursos que estão em jogo e o financiador pode tomar algumas medidas para isto. No contrato de empréstimo, o financiador pode exigir que a empresa tenha um desempenho compatível de quem pode cumprir suas obrigações. Os covenants da dívida, algumas cláusulas existentes nos contratos, são criados para fazer esta função (19).

No contrato de empréstimo, o financiador pode exigir que a empresa tenha um desempenho mínimo. Pode estabelecer, por exemplo, que o patrimônio líquido não seja negativo, que a empresa gere lucro ou que tenha um nível mínimo de liquidez. Estas cláusulas são criadas usando variáveis contábeis. Por este motivo, os credores são favoráveis a políticas contábeis confiáveis e conservadoras (20).

De certa forma, as cláusulas dos empréstimos restringem as ações do agente, a empresa, no caso. Isto pode incluir restrição aos investimentos, ao pagamento de dividendos. Mas também pode exigir que a empresa forneça informações sobre sua situação para os financiadores.

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Nesta altura já ficou claro que a contabilidade tem um papel importante na resolução do problema de agência. Em um artigo considerado clássico, Akerlof (21) mostrava que em certas situações isto poderia inviabilizar a existência do próprio mercado.

A auditoria, por exemplo, é um mecanismo para tentar resolver, ou reduzir, o problema de agência. A pesquisa usando a Teoria da Agência na contabilidade analisa o efeito da informação contábil em termos de incentivos das partes e ajuda a entender estas situações (22). A contabilidade ajuda a reduzir a assimetria da informação e permite afetar as ações do agente. Uma vez que a contabilidade financeira é altamente regulada, com entidades que emitem seus padrões, as exigências detalhadas, associada ao mecanismo de governança na empresa, assegura uma informação com uma razoável credibilidade (23). Em termos técnicos, a contabilidade mitiga o problema de agência.

Este papel da contabilidade não é recente. A auditoria da informação existe há milhares de anos. Quando o empregado do Faraó no Egito informava a quantidade de grãos existentes nos silos do reino, o governante enviava auditores para fazer a verificação da informação. Se não houvesse uma coincidência entre os relatos, do empregado e do auditor, alguém estava roubando. Neste sentido, a contabilidade é uma maneira importante de aumentar a confiança nos negócios; a contabilidade surgiu também para facilitar a indução da confiança. Desde os tabletes de argila da história antiga até as cláusulas dos empréstimos do mercado financeiro, a contabilidade (24).

Se “débito” tem sua origem em “dever”, a palavra crédito está associada a “confiar”.

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(1) Uma pesquisa no Google Scholar, onde temos o acesso a um grande número de trabalhos acadêmicos, revelou que os termos “agency theory” e “accounting” resultaram, na data que escrevia estas linhas, 173 mil resultados. Usei os termos em língua inglesa já que esta é a língua usada na pesquisa científica. Em língua portuguesa o resultado é um pouco acima de 6 mil trabalhos. É um número respeitável.

(2) O livro de King é uma pequena obra histórica da contabilidade. King, T. A. (2011). More than a numbers game: a brief history of accounting. John Wiley & Sons.

(3) Há uma questão histórica interessante aqui. O relatório Trueblood é do início dos anos 70, enquanto o trabalho de Jensen e Meckling é posterior. Além disto, geralmente uma pesquisa demora um certo tempo para adquirir importância. Uma possível explicação é que King estaria fazendo a afirmação como sendo relacionada com o contexto geral do SFAC 1 e não especificamente do parágrafo 50. Ver Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: Managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of financial economics, 3(4), 305-360.

(4) A parte final da frase é de Scott. Scott, William (2015). Financial Accounting Theory, 7a. ed. Pearson.

(5) Isto foi apresentado em um texto anterior. Aqui temos uma breve consideração sobre o assunto.

(6) Poderia argumentar que o executivo propõe a destinação do resultado, mas cabe ao acionista a palavra final. No entanto, o executivo conhece bem melhor a empresa e pode influenciar nas políticas contábeis e na apuração do lucro.

(7) Os dois exemplos apresentados são bastante citados. Vide, por exemplo, Godfrey, J., Hodgson, A., Tarca, A., Hamilton, J., & Holmes, S. (2010). Accounting Theory. John Wiley & Sons, Inc.

(8) O termo em língua inglesa é “one man band” que corresponde a “banda de um homem só” ou “homem orquestra” para indicar uma pessoa tomando todas as decisões. Conforme o Cambridge Dictionary, disponível em https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles-portugues/one-man-band

(9) Donleavy, Gabriel (2016). An Introduction of Accounting Theory. Bookboon

(10) Esta ideia está presente na literatura. Vide Scott, William (2015). Financial Accounting Theory, 7a. ed. Pearson. No livro Teoria da Contabilidade, de Niyama e Silva, o primeiro capítulo é dedicado parcialmente a este assunto. No texto não está explicitado a contribuição da Teoria da Agência para o entendimento da importância do administrador para a contabilidade. Niyama, J; Silva, C. A. T. (2020). Teoria da Contabilidade. Atlas.

(11) Mesmo aqui pode, em uma situação eventual, existir problema de agência: a filha pode ter menos apego à empresa e tomar decisões mais arriscadas que a mãe.

(12) O livro da Bíblia que conta a história recebeu o nome de Livro da Sabedoria.

(13) As duas últimas frases do parágrafo serão detalhadas a seguir.

(14) Do inglês bonding costs.

(15) Conforme Wolk, H. I., Dodd, J. L., & Rozycki, J. J. (2016). Accounting theory: conceptual issues in a political and economic environment. Sage Publications.

(16) A citação é de Eugenne Fama, um defensor do livre mercado, conforme Godfrey, J., Hodgson, A., Tarca, A., Hamilton, J., & Holmes, S. (2010). Accounting Theory. John Wiley & Sons, Inc.

(17) Conforme Scott, William (2015). Financial Accounting Theory, 7a. ed. Pearson.

(18) Adaptado de Wagenhofer, A. (2015). Agency theory: Usefulness and implications for financial accounting. In The Routledge companion to financial accounting theory (pp. 361-385). Routledge.

(19) O termo poderia ser traduzido por pacto, aliança ou convênio. Mas na literatura é comum encontrar o termo em língua inglesa. Aqui o termo cláusula seria uma opção também.

(20) Novamente Scott, William (2015). Financial Accounting Theory, 7a. ed. Pearson.

(21) Akerlof, G. A. (1978). The market for “lemons”: Quality uncertainty and the market mechanism. In Uncertainty in economics (pp. 235-251). Academic Press.

(22) Inspirado em Wagenhofer, A. (2015). Agency theory: Usefulness and implications for financial accounting. In The Routledge companion to financial accounting theory (pp. 361-385). Routledge.

(23) Usei o termo “razoável” pois nem sempre a contabilidade cumpre esta função. Entretanto, dado o número de negócios e empresas existentes no mundo, acredito que os “escândalos” contábeis são reduzidos. Muitos destes escândalos acontecem quando algumas das recomendações não foram seguidas pelos atores envolvidos.

(24) O parágrafo foi inspirado em Donleavy, Gabriel (2016). An Introduction of Accounting Theory. Bookboon.

01 junho 2022

Teoria da Agência e a Contabilidade

Os pais levam seu filho para o supermercado. A criança começa a pedir que os pais comprem diversas coisas: Quero bala. Quero este brinquedo. Compra para mim um salgadinhos

Diante da insistência da criança e querendo ensinar uma lição, os pais fazem uma proposta:

- Vamos fazer o seguinte. Você tem $$. Com este dinheiro, pode comprar o que quiser. E o troco é seu, para fazer o que quiser.

O garoto pensa um pouco e espertamente para de pedir para os pais comprarem coisas para ele, imaginando que o dinheiro pode ajudar a comprar, no futuro, um brinquedo melhor. Os pais ficam satisfeitos, pois podem fazer as compras em paz e sabendo que estão ajudando seu filho a poupar.

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A teoria da agência apareceu na literatura há cinquenta anos. E desde então tem sido amplamente usada para explicar situações corriqueiras (como a cena acima), mas também para situações mais complexas. Mais do que isto, a teoria da agência tem sido usada para propor potenciais soluções para os problemas do mundo real.

Uma pesquisa no Google Scholar (1) mostra que o termo foi citado em mais de 200 mil artigos científicos. Sua utilização tem abarcado diversos campos do conhecimento humano, como a economia, a gestão de pessoas, a ciência política e a contabilidade.

Além disso, a teoria da agência está relacionada com uma série de outros conceitos relevantes, como informação assimétrica e risco moral.

Para teoria da agência existem dois lados: uma pessoa, denominada de agente, toma decisões ou faz algo, que irá afetar outra pessoa, o principal. O agente e o principal são opostos, diante de uma determinada situação. Apesar de empregarmos o singular nas duas frases anteriores, a teoria da agência também se aplica para um conjunto de agentes e / ou um conjunto de principal (2).

O termo principal indica que este estaria em um nível superior. O termo agente indica que é a pessoa que irá agir. No exemplo do início do texto, os pais seriam o principal; a criança, o agente. O ponto relevante da teoria da agência está no fato de que assume que os interesses do principal não são idênticos aos interesses do agente. A divergência entre os interesses é que fará com que a Teoria da Agência seja tão útil e preciosa em explicar o mundo real. Será também útil para trazer algumas possíveis soluções práticas. Antes de detalhar este ponto, vamos apresentar a seguir alguns exemplos da relação principal-agente.

Na política, os representantes eleitos, como os deputados, correspondem ao agente. Os eleitores estariam no papel do principal. Os eleitores querem que seus interesses - como estradas, hospitais, aumento salarial, defesa de uma corporação e redução de impostos - sejam defendidos pelos agentes, os deputados. Mas talvez não seja este o interesse do deputado; ele pode estar mais preocupado com seu salário, sua ascensão política ou o conforto dos seus amigos.

Em uma empresa, um empregado é contratado para executar certas tarefas (3). O gestor de recursos humanos, que fez a contratação, tem uma lista de expectativas, que será diferente da relação que o empregado. Enquanto o gestor deseja que o empregado contratado fique no emprego por muitos anos, o empregado pode estar mais interessado em receber seu salário nos próximos meses, enquanto tenta achar uma posição no mercado de trabalho melhor. O gestor é o principal da relação, enquanto o empregado é o agente. E os interesses são divergentes. Temos aqui os principais elementos da Teoria da Agência.

O analista de um banco propõe a um correntista que aplique seus recursos em um CDB. O empregado do banco recebe comissão por captação e seu interesse é aumentar a comissão no final do mês. O correntista deseja que suas aplicações possuam um retorno adequado, para seu nível de risco. O principal é correntista e o agente é funcionário do banco.

Vamos resumir o que apresentamos até agora em um figura simples:

Colocamos o principal no alto, para indicar que sua posição seria “superior” a do agente. É o eleitor, o gerente de recursos humanos ou o correntista. A seta azul circular de azul mostra seus interesses. O agente, o deputado, o empregado da empresa e o analista do banco estão apresentados na posição “inferior”. Mas seus interesses, a seta laranja circular, são diferentes. As duas setas na metade da figura mostram a existência de uma relação entre eles.

Há um fato implícito na relação indicada pela Teoria da Agência: a informação assimétrica. A Teoria da Agência assume que o agente possui informações que não estão disponíveis para o principal. O analista do banco sabe que irá receber uma comissão se conseguir vender o CDB para o cliente, mas o cliente não tem conhecimento deste fato. O gestor sabe muitas coisas que estão acontecendo na empresa, que não chegam até o acionista, o principal da relação. O deputado sabe como funciona o processo político, das relações de poder, que o eleitor não conhece. A informação assimétrica é algo natural no mundo, mas na visão da Teoria da Agência traz uma vantagem para o agente. Se na relação de poder entre o principal e o agente, o primeiro geralmente é privilegiado, a presença de informação assimétrica reduz esta vantagem (4).

O empregado contratado pela empresa não diz na entrevista que pretende ficar pouco tempo, que estaria interessado em outro trabalho. Isto é uma informação que ele retém para si; se indicar isso na entrevista, suas chances de obter o emprego irão se reduzir.

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Os exemplos acima chamam a atenção para o fato de que a divergência entre os interesses do agente e do principal pode criar alguns problemas práticos. O usuário da contabilidade pode desejar uma informação, que o contador terá muito trabalho para fornecer. O principal, o usuário, pode não receber o que pretende se o contador não tiver incentivos. Na Teoria, o desvio do interesse do principal recebe a denominação de custo de agência.

Ao chamar a atenção para os interesses diferentes do principal e do agente, começam a surgir algumas possíveis soluções. O principal pode criar alguns incentivos para que a distância dos interesses seja menor.

Isto seria similar a mudar as regras do jogo, considerando que o agente possui seus interesses. Nas relações de emprego, isto pode estar refletido no contrato de trabalho. Sabendo que alguns empregados talvez não fiquem na empresa por um tempo razoável, o contrato de trabalho poderá prever uma remuneração que somente será recebida após um determinado período de tempo. O acionista pode condicionar o salário dos diretores a uma remuneração que dependa da valorização das ações da empresa. O professor pode exigir a presença do aluno como um critério de avaliação ou um desempenho mínimo para aprovação. O deputado terá um período no cargo limitado, onde sua reeleição irá depender dos votos dos eleitores.

A palavra mais importante no processo para reduzir a divergência entre os interesses e incentivo. O incentivo pode ser monetário, como um aumento no salário com o transcorrer do tempo, ou pode ser não monetário, como a exigência de um percentual de presença em sala de aula para aprovação do aluno. O estudo do incentivo diante de uma relação entre principal e agente é muito importante nos dias atuais (5).

O incentivo parece ser uma solução para certas situações. No passado eu fui proprietário de uma drogaria. Naquela época - e ainda hoje - o setor tinha dois tipos de medicamentos. O primeiro eram os produtos fabricados pelos grandes laboratórios, conhecidos do público, com elevada margem. O segundo eram produtos similares, alguns com uma qualidade um pouco menor, mas uma elevada margem. O interesse dos proprietários das drogarias era, sempre que possível, a venda do segundo tipo. Uma prática usual era pagar uma comissão para o vendedor. Como a margem do segundo tipo era superior, a comissão também o era. Isto permitia convergir os interesses divergentes.

Esta situação é similar à gorjeta de um restaurante ou a comissão de vendas de um funcionário de uma concessionária.

O que os estudiosos perceberam logo é que o incentivo cria problemas. Veja o caso do garçom que recebe uma gorjeta. A ideia do restaurante é produzir um incentivo para que o garçom possa dar um bom atendimento ao cliente, o que pode ser interessante para os negócios da empresa. O garçom sabe que tratar bem o cliente pode aumentar sua gorjeta, podendo ser um incentivo adequado mudar sua atitude, tratando bem o cliente.

A solução da gorjeta não é sempre perfeita. Temos aqui um incentivo perverso, que no popular chamamos de “o tiro saiu pela culatra”. Com efeito, em muitas situações, o incentivo perverso pode piorar uma situação entre agente e principal.

Sabendo que tratar bem o cliente pode significar uma melhor gorjeta, o garçom pode aumentar não cobrar por uma porção extra do produto. O aluno pode assinar a presença e passar a aula no celular. O vendedor de uma drogaria pode empurrar em excesso medicamentos para clientes inocentes. O gestor pode postergar investimento, visando aumentar o lucro e o preço das ações. Um jogador de futebol, que ganha por gols marcados, pode preferir uma jogada individual ao passe para um colega melhor posicionado.

Este último exemplo mostra que os incentivos podem exercer um poder negativo para o trabalho em equipe. Isto tem sido destacado nas pesquisas, que sugerem que incentivos individuais de pagamento podem reduzir a cooperação entre os colegas. Um empregado que é remunerado por atendimento evita ajudar um colega em dificuldade, pois isto reduziria suas metas.

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O estabelecimento dos incentivos é uma das tarefas mais difíceis nas situações de principal e agente. O contrato estabelecido entre os dois lados deve imaginar como isto pode gerar incentivos perversos, revelar informações sobre o esforço do agente, o monitoramento do desempenho e valorizar todos os aspectos da relação que são relevantes para o principal.

Na teoria parece simples, mas na prática é bastante complicado. Veja o exemplo de uma empresa, que decidiu criar uma maneira de pagar seus programadores. Sem saber qual o esforço dos funcionários estavam dedicando ao trabalho, a empresa optou por verificar o número de linhas de código que eram escritas por cada funcionário. O resultado é que os programas escritos começaram a ser mais longos do que o necessário.

Outra empresa resolveu remunerar seus atendentes telefônicos pelo número de atendimentos. Quando o funcionário percebia que o caso era complicado, fazia a ligação cair, sem que o cliente fosse atendido. Alguns médicos começaram a ser penalizados quando excediam a taxa de mortalidade, gerando os profissionais a assumir somentos os pacientes com menor risco. Ou professores que estavam sendo remunerados pelas notas dos testes dos seus alunos; os docentes passaram a ensinar para o teste, deixando de lado outros aspectos do processo educacional. Ou a empresa que mensura seus trabalhadores baseado na hora que ligam seus computadores; a primeira ação do empregado é ligar o computador e depois vai tomar seu café na cantina da empresa (6).

Há uma história que ocorreu na antiga União Soviética e que ficou bastante conhecida (7). Uma fábrica de pregos tinha como meta a produção de uma quantidade de unidades. Todo período tinha que cumprir a meta. O governo, o principal, estabelecia a meta conforme os seus planejadores acreditavam que era razoável. A administração da fábrica tinha que responder com a meta de produção ao final do período. Já que a meta era “unidades produzidas”, a fábrica optou por fabricar pregos pequenos. E não faltou pregos pequenos, mas os pregos grandes sumiram. Os planejadores decidiram então mudar a meta para peso. A gestão respondeu produzindo somente pregos grandes e pesados.

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Além da informação assimétrica e da teoria dos contratos, a Teoria da Agência possui vínculo com a seleção adversa, quando o agente possui informação antes do contrato ser firmado, e o risco moral, quando a informação chega depois do contrato.

Na próxima postagem iremos tratar da relação da Teoria da Agência e a Contabilidade.

(1) com o termo “agency theory” - entre parênteses e em língua inglesa - sem considerar citações e patentes, realizada no início de junho de 2022, trouxe cerca de 200 mil resultados. Um texto de Eisenhardt, de 1989, que faz considerações críticas sobre o assunto, possui 21 mil citações. Isto é muito. Eisenhardt, K. M. (1989). Agency theory: An assessment and review. Academy of management review, 14(1), 57-74. O trabalho mais lembrado sobre o assunto, de 1976, possui mais de 100 mil citações. Proporcionalmente é como se metade das citações sobre o assunto lembrassem da obra. Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: Managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of financial economics, 3(4), 305-360. (Na verdade esta proporção é inadequada, pois as 200 mil citações estão restritas aos trabalhos que usam este termo em língua inglesa e as citações não, mas dá uma boa ideia da importância do texto de Jensen e Meckling.

Como ocorre em diversas teorias, há uma disputa sobre quem são os autores que criaram a Teoria da Agência. Usualmente a literatura tem atribuído a Jensen e Meckling, mas há controvérsia.

(2)A partir de agora, toda vez que falarmos no singular, é importante entender que podemos ter estas situações aplicáveis.

(3)Este é um dos exemplos mais conhecidos da Teoria, aparecendo de forma repetida na literatura.

Não é possível estabelecer qual é mais vantajoso, o poder ou a informação. Em certas situações, a informação pode ser tão assimétrica, que o agente pode prevalecer sobre o principal. Este talvez seja o caso do analista do banco e do correntista. Em outros casos, a posição do principal pode ser tão forte que a informação assimétrica não é suficiente para conferir uma grande vantagem para o agente. Tudo irá depender de cada situação.

(4) Na verdade, é importante há muito tempo. Entretanto, o interesse cresceu com a Teoria da Agência e o desenvolvimento da Teoria dos Contratos e do Desenho.

(5) Estes casos podem ser encontrados em diversas pesquisas da área. O número de problemas é bastante amplo, o que mostra o risco dos incentivos ruins.

(6) Como toda história, os detalhes vão mudando conforme a fonte.

Dados nunca dormem

 


31 maio 2022

As múltiplas camadas de proteção

 Olá, durante minhas férias subestimei minha capacidade de leitura e o interesse pelo livro Helifort Sky, de Clayton Mello. As páginas da aventura juvenil escrita pelo doutor de Ciências Contábeis e professor da UFRN foram vencidas rapidamente. A aventura do herói prendeu a atenção e fez com que o único livro físico que levei na viagem fosse consumido em alguns poucos dias. Tentei preencher meus dias com algumas leituras acumuladas, mas precisava de outro livro. No app do Kindle tinha Sem Esforço, de Greg McKeow, uma obra pequena, que dá dicas sobre como fazer algumas coisas consumindo menos energia do que fazemos. E para finalizar, também li A Premonição, de Michael Lewis - de Moneyball e O projeto desfazer.


É sobre este último livro que surgiu a ideia desta postagem. Lewis conta a história de alguns personagens da pandemia. Seu foco está Bob Glass, que construiu um modelo matemático para entender o processo de contaminação da sociedade por parte de um vírus; em Charaty Dean, uma agente de saúde, que luta contra a visão estreita do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (1); Carter Mecher, um conselheiro da área de saúde (2), e Richard Hatchett, que desenvolveram uma parceria e discutiram o assunto antes da doença alastrar; Joe DeRisi, um cientista que desenvolveu um chip para identificar um vírus.

O que achei interessante foi a ideia de Carter Mecher de camadas múltiplas como estratégia para combater um problema de saúde grave, como ocorreu em 2020. Segundo a estratégia, Targeted Layered Contention (Contenção Dirigida em Camadas), uma medida isolada não seria suficiente para resolver uma doença. A abordagem era combinar estratégias em razão das características de um problema sério de saúde pública e ao comportamento da população. Isto estava previsto no modelo de Bob Glass. Antes de março de 2020, Glass tinha mostrado, em uma simulação, que medidas poderiam funcionar. Mais ainda, que nenhuma medida isolada seria capaz de resolver o problema. O isolamento social, proposto por Lisa Koonin (3), era apenas uma das medidas. Sobre o isolamento social, os opositores desta medida usaram a gripe de 1918 como um argumento; o livro “definitivo” sobre esta gripe, de John Barry (4), afirmava que o isolamento social não tinha funcionado na Filadélfia.

O livro de Barry foi lido pelo então presidente Bush, que forçou a criação de uma estratégia de contenção de uma doença. Mas a afirmação sobre a questão do isolamento social estava baseada em dados fragéis. Uma pesquisa de Hatchett, Carter e Lipsitch, publicada em 2007 (5), mostrava que uma realidade diferente, onde o isolamento social foi implantado de forma tardia e inadequada.

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A ideia de camadas múltiplas é bastante interessante e pode ter sua aplicação na contabilidade. Vamos pensar em um dos papéis que a contabilidade pode ajudar na gestão de uma empresa: permitir sua continuidade. Ao criar mecanismos de registro e acompanhamento do que está ocorrendo com e na entidade, a contabilidade é importante para que a sobrevivência seja mais provável.

Se considerarmos bons relatórios sobre a situação de uma entidade como sendo um aspecto importante para as decisões, a noção das camadas múltiplas pode ser interessante. Existe uma expectativa que o relatório do auditor externo seja suficiente para assegurar a qualidade da informação. Mas ao longo do tempo, os mecanismos em uma entidade moderna foram além. Há o conselho de auditoria, o conselho de administração, a própria auditoria interna, os canais de denúncia, a área de controladoria, o supervisor do mercado e até o próprio mercado. Cada um pode ser uma maneira de proteger a empresa de gestores com ética inadequada.

Mas assim como na área médica, nenhum deles sozinho, por si só, seja suficiente. É bem verdade que isto não é uma garantia para a continuidade. Afinal, as decisões ruins podem ser tomadas e comprometer a entidade sem que existam problemas de falcatruas. E até mesmo pode não impedir estas falcatruas, mas realmente reduz a chance. Isto é o aspecto mais interessante.

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Um ponto interessante nas camadas múltiplas (6) na contabilidade é que isto não apareceu de forma proposital e ordenada. Se antes o auditor interno era suficiente, o acesso ao mercado de capitais fez surgir a necessidade de também termos um auditor externo. E grandes corporações não poderiam depender somente destes dois profissionais e por isto o surgimento dos conselhos, dos reguladores e das outras camadas.

Mas há um aspecto irracional neste modelo. Em muitos casos, duas ou mais pessoas estarão fazendo a mesma função. Isto consome recursos, aumenta os custos da estrutura administrativa. Esta poderia ser uma daquelas situações para o cálculo da análise do custo e do benefício do modelo de múltiplas camadas. Mesmo que algumas das camadas sejam condições exigidas em lei para o funcionamento da entidade, isto não impede que isto seja feito.

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(1) Ver, por exemplo, o verbete da Wikipedia sobre a entidade e suas decisões durante a pandemia: https://en.wikipedia.org/wiki/Centers_for_Disease_Control_and_Prevention . Na mesma Wikipedia você pode encontrar um pequeno verbete sobre Charaty: https://en.wikipedia.org/wiki/Charity_Dean

(2) Ao contrário de Charity, a Wikipedia traz uma pequena citação de Mecher. O livro considera que Mecher foi uma espécie de guru para um pequeno grupo que sabia dos perigos da pandemia. Já Richard Hatchett https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Hatchett, citado a seguir, ocupou cargos no governo federal e é mais conhecido do público externo. DeRisi é bastante elogiado no livro e um resumo também aparece na enciclopédia em https://en.wikipedia.org/wiki/Joseph_DeRisi

(3) Veja sobre ela em https://en.wikipedia.org/wiki/Lisa_M._Koonin

(4) O livro tem uma tradução para o português, A Grande Gripe, com quase mil avaliações na Amazon.

(5) Esta pesquisa, com o título Public health interventions and epidemic intensity during the 1918 influenza pandemic, foi importante para derrubar o argumento. Mas a influência do livro ainda persiste: Hatchett, Richard J., Carter E. Mecher, and Marc Lipsitch. "Public health interventions and epidemic intensity during the 1918 influenza pandemic." Proceedings of the National Academy of Sciences 104.18 (2007): 7582-7587. O livro mostra também alguns “vilões”, como Sonia Angell https://en.wikipedia.org/wiki/Sonia_Y._Angell, que seria considerada inadequada e atrapalhou a implantação de medidas mais efetivas.

(6) O livro não usa o termo “camadas múltiplas” mas somente camadas ou camadas sobrepostas.

Desdobramento da EY

Big Four accounting firm Ernst & Young is considering a world-wide split of its audit and advisory businesses amid regulatory scrutiny of potential conflicts of interest in the profession, according to people familiar with the matter.

A split would be the biggest structural change at a Big Four firm since Arthur Andersen fell apart some 20 years ago.

The potential move would create two giant professional firms. EY last year had global revenue of $40 billion, of which $13.6 billion came from audit work.

How exactly the restructuring would work isn’t clear. The split could bolt some services, such as tax advice, onto the pure audit functions, one of the people familiar with the discussions said. The breakaway firm could then offer consulting and other advisory services to nonaudit clients.

[...]

Fonte: aqui