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20 outubro 2025

AICPA quer que a Contabilidade seja STEM


Em muitos países, ser considerado parte da ciência STEM (abreviação de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) confere um status especial. Muitos acreditam que um país avança em termos de desenvolvimento ao privilegiar esse ramo do conhecimento. Eis o que diz a Wikipedia:

“Representa um amplo e interligado conjunto de campos que são cruciais para a inovação e o avanço tecnológico. Essas disciplinas são frequentemente agrupadas porque compartilham uma ênfase comum no pensamento crítico, na resolução de problemas e nas habilidades analíticas.”

Voltemos agora à contabilidade. Sempre houve o cuidado de afirmar que ela não é uma ciência exata. Apesar de parte de sua trajetória estar vinculada à matemática, trata-se de uma ciência social aplicada.

Pois agora a entidade que reúne os profissionais certificados dos Estados Unidos está pressionando para que essa “ciência social aplicada” seja reconhecida como parte dos programas de Educação em STEM pelo governo norte-americano. A partir de uma pesquisa conduzida pela AICPA, constatou-se que mais pessoas estariam inclinadas a cursar contabilidade se houvesse o selo STEM.

Isso faz sentido para você?  

19 outubro 2025

Quando o Remédio é Pior que a Doença: Reflexões sobre DPAs, Passivos e o Caso Arthur Andersen


Muitas vezes, quando uma empresa comete alguma irregularidade, a consequência é a criação de um passivo. Um desastre ambiental, uma falha em um produto não corrigida a tempo ou a conduta inadequada de um funcionário não coibida são exemplos dessas situações. Em vários casos, o valor do passivo pode ser tão elevado que compromete a continuidade da empresa.

Nessas circunstâncias, é importante que o governo avalie se realmente compensa punir a empresa. A punição pode, de fato, ter um efeito pedagógico, inibindo que outras companhias repitam a mesma conduta. No entanto, as consequências podem ser tão severas que acabam gerando efeitos indesejados a longo prazo.

Na contabilidade, um caso bastante conhecido é o da empresa de auditoria Arthur Andersen. No final dos anos 1990, a companhia cometeu diversos erros, incluindo a assinatura de balanços de empresas em situação questionável. Quando os órgãos de fiscalização passaram a investigar mais de perto, a direção da Arthur Andersen ordenou a destruição de provas, chegando a picotar papéis e jogá-los pela janela. Como resultado, a empresa foi obrigada a encerrar suas atividades. Porém, olhando para o mercado de auditoria, percebe-se que quatro grandes empresas são poucas para atender à demanda global. Assim, a punição “exemplar” acabou sendo prejudicial para o setor em todo o mundo.

Se a redução de cinco para quatro grandes empresas de auditoria já trouxe dificuldades, é fácil imaginar os impactos que teria a falência de mais uma delas, mesmo diante de abusos graves, como trapacear em exames de ética profissional, revelar segredos do governo para obter vantagens competitivas, contratar ex-fiscais públicos ou prestar serviços de baixa qualidade. Por mais grave que seja a infração, o fechamento de uma Big Four poderia ser um remédio pior do que a doença.

Foi para lidar com esse tipo de dilema que alguns países criaram instrumentos como o acordo de acusação diferida (DPA, na sigla em inglês) e o acordo de não acusação (NPA). Em vez de simplesmente punir o acusado, o promotor concorda em suavizar a pena em troca do cumprimento de determinadas condições. Se a empresa cometeu fraude, por exemplo, pode ser obrigada a pagar multas, implementar reformas internas ou cooperar com investigações. Vale destacar que tais instrumentos existem em países com sistemas de justiça consolidados, como o Canadá.

Recentemente, o programa Last Week Tonight, apresentado por John Oliver, na temporada 12, episódio 19, em agosto de 2025, trouxe diversos exemplos do uso do DPA. O programa alertou para os excessos, citando o caso da Boeing, que firmou um acordo após o acidente com o avião 737 MAX em 2021. O problema apontado foi que a empresa não estaria cumprindo as obrigações assumidas, levantando a possibilidade de novos acordos. Outras companhias também já se beneficiaram desse tipo de instrumento, como o JP Morgan (fraude), a SAP (suborno) e a General Motors (defeito de fabricação).

Do ponto de vista contábil, acordos como esse afetam diretamente a mensuração do passivo, geralmente reduzindo seu valor. Em outros países, a redução da punição pode ocorrer durante o processo judicial. Isso pode, aparentemente, estimular a corrupção, mas, na prática, gera desafios contábeis. Um exemplo: se a empresa já havia registrado um passivo superestimado antes do acordo, a assinatura pode gerar um ganho extraordinário no resultado. Outro cenário: se a companhia espera firmar um acordo e isso não acontece, pode parecer que ocorreu mais um erro — o de não reconhecer ou mensurar adequadamente o passivo.

No Brasil, embora não exista um instrumento idêntico ao DPA, há mecanismos jurídicos semelhantes. O acordo de leniência, firmado por órgãos públicos como a CGU e o Cade, busca estimular a cooperação empresarial. A colaboração premiada, voltada para pessoas físicas, também permite reduzir punições em troca de informações relevantes. Já o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) procura resolver questões de interesse público, como disputas trabalhistas ou ambientais.

Em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo sobre a empresa Camargo Corrêa, o economista Cláudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B, destacou que a desorganização do setor de engenharia nacional não foi consequência direta da Operação Lava Jato. Segundo ele:

“É incorreto dizer isso. O fato é que a nossa legislação dificulta a separação entre o controlador/acionista e a companhia em questão. O certo era o acionista ser afastado e a empresa continuar operando com todos os seus ativos.”

Frischtak sugeriu que as ações da empresa fossem colocadas em uma escrow account (conta intermediária, mantida por agente de custódia) para indenizar os danos. Ele ressaltou que a lei deveria permitir essa separação, de modo a não penalizar a companhia em si, que poderia continuar operando. O problema reputacional, afirma, é fruto da conduta do controlador e de alguns gestores:

“Todos teriam de ser afastados, e deveria ser definida uma nova estrutura de gestão e governança. Isso teria evitado a desintegração do setor que vimos.”

18 outubro 2025

1800: Virada Mundial e Atraso Brasileiro


O início do século XIX marca um ponto de inflexão fundamental na história econômica e social. Como destaca Morong, autores como Robert Fogel, Francis Fukuyama e Deirdre McCloskey identificam nesse período a ruptura com a estagnação malthusiana e a consolidação de novas formas de organização política e econômica. Foi nesse momento que a Revolução Industrial começou a transformar a produção, garantindo uma abundância inédita, e que uma nova dignidade atribuída à inovação e à classe empreendedora impulsionou o crescimento econômico moderno.

No Brasil, entretanto, é lamentável constatar que nesse mesmo período mantivemos a opção pela monarquia, o que impediu uma evolução substancial da economia nacional. A corte foi sustentada à custa da riqueza extraída das províncias, como demonstra Jorge Caldeira em História da Riqueza no Brasil. Foi uma escolha que comprometeu nosso desenvolvimento. Uma postagem recente sobre a contabilidade desse momento pode ser encontrada no blog aqui.

Caricatura aqui 

Tributação e a contribuição da pesquisa contábil

Em tempos de reforma tributária, o texto a seguir pode servir de base para pesquisas futuras:

A tributação é uma ferramenta central da política econômica, com os governos utilizando cada vez mais a política fiscal tanto para estimular o crescimento econômico local quanto para regular empresas multinacionais. Revisamos a literatura empírica que estuda o efeito das políticas tributárias sobre o investimento, o emprego e outros resultados reais das empresas. Com base na teoria neoclássica dos impostos corporativos e do investimento em ativos tangíveis, propomos uma estrutura organizadora para nossa revisão que abrange o amplo conjunto de políticas tributárias e respostas empresariais examinadas na pesquisa contábil. Essa estrutura destaca quatro dimensões nas quais os estudiosos da contabilidade contribuem para a literatura: (i) documentar o papel dos incentivos de reporte financeiro como fator moderador das respostas reais das empresas; (ii) estudar as respostas de reporte em comparação às respostas reais; (iii) quantificar os efeitos reais das regulações sobre divulgação fiscal; e (iv) aprimorar a mensuração da condição tributária das empresas e das variáveis substitutas de investimento e emprego. Identificamos questões em aberto para pesquisas futuras e sugerimos novos contextos internacionais, federais e locais que possam ajudar a revelar os mecanismos subjacentes que impulsionam os fenômenos econômicos observados. Especificamente, incentivamos os pesquisadores a distinguir melhor entre as respostas reportadas e reais das empresas às mudanças tributárias e a aprimorar a mensuração desses resultados, especialmente em contextos relacionados à tributação ambiental ou em cenários nos quais a evasão fiscal e os resultados reais estejam estreitamente ligados.

Rir é o melhor remédio

Um empregado de um escritório resolveu escrever uma mensagem de Whatsapp para seu chefe, tentando conseguir, sutilmente, um aumento. A mensagem era a seguinte: 

Caro Bo$$

Na vida, todo$ nó$ preci$amo$ de alguma$ coisa$ com mai$ de$e$pero.

Acho que o $enhor deve$ compreender a$ necessidade$ de nó$ empregado$ que te$temo$ dado tanto $uporte, inclu$ive com muito $uor e $erviço para a firma.

Tenho certeza que o $enhor vai adivinhar o que quero dizer e re$ponder em breve.

Algumas horas depois, ele recebeu uma mensagem no seu celular: 

Caro,

Eu sei que você tem trabalhado bastante.

Mas NÃO é segredo que a firma NÃO anda tão bem ultimamente.

Você deve ter percebido que NÃO houve melhora nas finanças, e NÃO seria honesto prometer aumentos agora.

Os jornais dizem que a economia NÃO está estável e que NÃO se sabe se vem outra crise por aí.

Depois das eleições, talvez as coisas NÃO melhorem de imediato.

Por enquanto, NÃO tenho mais nada a acrescentar.

Acho que você já entendeu o que quero dizer.

Atenciosamente,

Adaptado daqui

17 outubro 2025

Veículo Elétrico e a depreciação


Quando surge uma nova tecnologia, a contabilidade precisa de algumas informações básicas para reconhecer e mensurar. De tempos em tempos, algo novo acontece no mundo das empresas e a contabilidade se vê diante do desafio de atribuir um valor a um ativo ou passivo. Mesmo situações já conhecidas podem desafiar o profissional em razão de um novo fato, como uma evolução tecnológica. Veja o caso do automóvel. Apesar de ser uma tecnologia com mais de um século de existência e de todo o conhecimento acumulado, o processo de mensuração pode se tornar um desafio quando surge alguma novidade no setor.

Esse foi o caso da popularização de um tipo diferente de automóvel, o veículo elétrico, ou EV na sigla em língua inglesa. Como o sucesso desse produto é muito recente, o valor contábil é determinado, a princípio, pelo preço de compra. Mas como depreciar o veículo elétrico? Essa é uma questão difícil de responder, pois a tecnologia é nova e boa parte do valor do ativo decorre da bateria. E ainda sabemos pouco sobre a vida útil da bateria de um veículo elétrico.

Algumas pistas, no entanto, começam a aparecer. Uma empresa indiana, a BluSmart, faliu e viu sua frota de veículos elétricos, adquiridos por 12 mil dólares, ir ao mercado por 3 mil dólares. É verdade que esse valor foi influenciado pela descontinuidade da empresa, mas outros exemplos parecem indicar que o problema realmente existe. Nos Estados Unidos, modelos da Tesla (gráfico) perderam 42% do valor em dois anos, enquanto veículos a combustão comparáveis apresentaram uma redução de apenas 20%. Uma tendência semelhante começa a surgir também no Reino Unido. 

Uma consequência disso é que empresas que possuem grandes frotas de veículos precisarão reconhecer a depreciação dos elétricos não pelas taxas usuais dos veículos a combustão, mas por um percentual maior. Caso contrário, o efeito aparecerá no momento da venda ou na realização de um teste de recuperabilidade decente – usei esse termo de propósito, pois não acredito que as empresas realizem esse procedimento de forma adequada.

Os efeitos já estão se manifestando na prática. Houve o caso reportado da Hertz, com um prejuízo de 2,9 bilhões de dólares em 2024, parte dele decorrente de seus EVs. A desconfiança aumenta quando se noticia que a BYD está realizando o seu maior recall, envolvendo mais de 115 mil veículos, devido a falhas no design e na instalação da bateria.

Um apanhado das notícias sugere que a taxa de depreciação de um EV deve girar em torno de 25% ao ano para representar com maior fidelidade a realidade. Quem sabe o desenvolvimento futuro permita trabalhar com uma percentagem menor nos próximos anos.

16 outubro 2025

IA não isenta de responsabilidade: o caso Deloitte na Austrália


O fato de alguém utilizar uma IA para elaborar uma pesquisa ou um trabalho não significa que os erros cometidos pelos algoritmos sejam automaticamente desculpados. Afinal, trata-se de falhas da própria pessoa que recorreu à IA sem realizar a necessária análise crítica.

Um exemplo recente demonstra bem isso: a tarefa pode até ser delegada a uma IA, mas a responsabilidade nunca é. Esse é um princípio antigo da administração que não deve ser esquecido. No ano passado, o governo australiano contratou a Deloitte para elaborar um estudo na área do mercado de trabalho. Vale lembrar que, anteriormente, o mesmo governo já havia enfrentado problemas com outra das chamadas big four, contratada para atuar na área tributária e que usava informações obtidas em seus serviços para ajudar clientes a reduzir o pagamento de impostos.

Menos de um ano depois, a Deloitte entregou o relatório, que foi disponibilizado publicamente pelo Department of Employment and Workplace Relations (DEWR). Um mês mais tarde, um pesquisador identificou problemas graves: citações de trabalhos acadêmicos inexistentes, referências falsas e até decisões judiciais que jamais ocorreram.

No início deste mês, uma nova versão do relatório foi publicada. Mas o estrago já estava feito. Afinal, a Deloitte havia recebido cerca de 290 mil dólares pelo serviço. Para conter o impacto em sua reputação, a empresa anunciou que restituiria parte do valor recebido. A Deloitte admitiu ter utilizado um modelo de IA, mas afirmou que as correções não alteram o conteúdo substancial do documento, nem suas conclusões e recomendações.

O episódio ganhou ampla repercussão na imprensa, com destaque para a cobertura do Australian Financial Review (AFR).