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07 outubro 2023

Qualidade e Contabilidade: Citações históricas compiladas por Chambers

Na obra An Accounting Thesaurus, 500 Years of Accounting, R. J. Chambers apresenta um grande número de citações sobre a contabilidade. Quer encontrar uma frase inspiradora para citar no seu trabalho, eis uma boa fonte de pesquisa. Para que os leitores do blog tenham uma ideia, fiz uma seleção de citações sobre qualidade na contabilidade. Das quase mil páginas do livro, o que irei postar a seguir representa meras quatro páginas. 

Há pérolas por serem antigas (caso de uma citação do século XVIII). Mas também há citações memoráveis, como a que diz que “as cifras contábeis são as sombras de eventos reais”. Ou a frase que emula uma declaração de um celebração religiosa: a contabilidade tem a ver com a verdade, toda a verdade e nada além da verdade. 

330 Qualidade das Representações na Contabilidade

331 Contabilidade como descrição

Este método [partida dobrada] de manter registros é absolutamente necessário em um comércio extenso e complicado, para que os livros possam mostrar de maneira concisa e satisfatória quais dívidas o comerciante deve e quais estão sendo devidas a ele; quais propriedades ele possui; e quanto ele ganhou ou perdeu no comércio.

Morrison, 1849, 43

A própria palavra, "account" (conta), significa, tanto pelo uso atual quanto pela origem, uma narrativa, uma história, um registro. Deve lidar com o que aconteceu... . A contabilidade, eu acredito, deve ser objetiva.

Peloubet, 1935, 202

A seleção entre [métodos alternativos] ... deve ser tal que o indivíduo que usa as demonstrações contábeis como base para julgamento e ação legítimos chegaria ao mesmo julgamento e tomaria a mesma ação se pudesse estudar e interpretar os dados subjacentes a partir dos quais o contador fez a seleção.

Heaton, 1949, 471

A contabilidade não é um fim em si mesma, mas uma função de serviço, responsável por fornecer dados precisos e informativos à administração da empresa na forma de relatórios que descrevem a posição financeira e medem os resultados operacionais. É uma parte importante da linguagem dos negócios.

Easton & Newton, 1958, 11

As cifras contábeis são as sombras de eventos reais... .

Goetz & Klein, 1960, 385

Em um sentido muito importante, a contabilidade é passiva. Registramos o que aconteceu ou, pelo menos, o que pensamos que aconteceu. Não, apenas pelo simples processo de lançar, criamos algo que não existia antes. Se pudéssemos criar algo por esses meios... poderíamos criar uma posição financeira favorável a qualquer momento.

Moonitz & Jordan, 1963, 382 

A informação serve como uma representação dos princípios... a função principal da informação contábil não é fornecer respostas para problemas; é gerar representações relevantes de princípios relacionados aos problemas.

Chen & Summers, 1977, 114, 115

Contas esperadas para serem uma descrição verdadeira

Os livros de um comerciante devem exibir o verdadeiro estado de seus assuntos: …

Kelly, 1801, 1

Os assuntos e transações da empresa devem ser levados a um saldo justo e verdadeiro pelo conselho de administração [no final de cada semestre]... e um balanço patrimonial deve ser preparado contendo um relato verdadeiro dos assuntos e transações da empresa, bem como os lucros líquidos do banco durante o semestre imediatamente anterior... .

BNSW, Deed of Settlement, 1850

Um balanço patrimonial completo e justo deve ser um balanço patrimonial que transmita uma declaração verdadeira sobre a posição da empresa, [segundo o Juiz Rigby]

London and General Bank Ltd No. 2, 

Re, 1895, 961 

É um crime empresarial falsificar os livros de modo que a verdade não seja revelada ao público, cujo dinheiro está investido no negócio.

Bentley, 1911, 158

[O balanço patrimonial] deve ser um documento que apresenta a verdadeira situação do negócio.

Spicer & Pegler, 1914, 299 

A contabilidade tem a ver com a verdade, toda a verdade e nada além da verdade; e não deve ser afetada pelos desejos, preconceitos ou ideias de como as coisas teriam sido se fossem diferentes. O problema da contabilidade é mostrar como as coisas realmente são.

Cole, 1921, 278 

A declaração periódica da posição financeira e o relatório [dos números de resultados]... devem refletir consistentemente imagens verdadeiras das condições e tendências de negócios atuais... se essas declarações devem servir de base para julgamentos racionais.

Paton, 1922/1962, 425

O princípio subjacente relacionado à apresentação e classificação de itens e contas nas demonstrações financeiras dificilmente é um princípio contábil de fato, mas sim o princípio moral de que, com relação às demonstrações financeiras, o contador está obrigado a dizer a verdade completa.

Byrne, 1937, 376

[Contadores] são intérpretes... Se os intérpretes não dizem a verdade, ou não dizem a verdade completa, ou dizem verdades misturadas com meias-verdades, muitas pessoas podem ser enganadas, causando-lhes prejuízo.

MacNeal, 1939, 1

Qualquer impressão geral transmitida por [um relatório contábil] deve ser uma impressão verdadeira... Nenhuma informação deve ser omitida que, se divulgada, alteraria substancialmente as impressões dadas no relatório.

Rorem & Kerrigan, 1942, 556

Buscamos a verdade nas contas. Isso significa transações passadas. Nunca assumimos e nunca assumiremos saber se o nível de preços futuro, o dólar futuro, a demanda futura por inventários garantirão vendas ou uso lucrativo das instalações além ou igual às datas do balanço patrimonial.

Montgomery, 1947, 460 

Contas esperadas para não serem enganosas.

As contas devem mostrar a verdade e não serem enganosas ou fraudulentas, [conforme o Juiz Lindley].

Werner v General and Commercial 

Investment Trust, 1894

Este é um daqueles casos difíceis... em que um documento foi apresentado com a finalidade de ser usado (prospectos e outras coisas) e apresentado em tal forma, embora afirmasse cada fato corretamente, fato por fato, no entanto, o verdadeiro efeito do que foi dito era completamente falso e completamente enganador. [Juiz Wright, instrução ao júri; caso Royal Mail, Rex v Lord Kylsant & another, 1931]

Brooks (ed), 1933, 255

Todas as auditorias... fornecem uma examinação independente das contas com o objetivo de garantir que os diretores ou sócios não sejam eles próprios enganados e não enganem outros quanto à posição financeira do empreendimento e ao lucro ou prejuízo decorrente de suas operações.

Lawson, 1951, 305

Quando [as demonstrações financeiras] são publicadas... deve-se ter o cuidado de garantir que as demonstrações sejam compreensíveis para um leitor informado e que a impressão geral transmitida não seja enganadora... .

Moonitz & Staehling, 1952, 1:469

O que o contador nos diz pode não ser verdadeiro, mas se sabemos o que ele fez, temos uma ideia justa do que isso significa... a contabilidade pode não ser verdadeira, mas não são mentiras; ela não engana porque sabemos que não diz a verdade, e somos capazes de fazer nossos próprios ajustes em cada caso individual, usando os resultados do contador como evidência em vez de informação definitiva.

Boulding, 1962, 54 

Os relatórios contábeis devem divulgar o que é necessário para que não sejam enganosos.

Moonitz, 1961, 50

A profissão contábil tem a responsabilidade geral de garantir que as demonstrações financeiras publicadas forneçam informações que não sejam irrelevantes ou enganosas.

ASA, 1966, 7

O objetivo de uma auditoria é garantir que as contas sobre as quais o auditor está relatando apresentem uma visão verdadeira e justa e não sejam enganosas.

Cooper, 1966, 1

A seleção de um determinado princípio contábil só está errada quando tende a enganar.

Stewart, 1972, 103

Espera-se que as demonstrações financeiras sejam factuais.

Debitamos a conta que recebe;

E àquela que entrega, damos crédito.

Além disso, somos obrigados em cada transação

Que a ciência estabeleça claramente o certo e o fato.

Snell, 1710, 1

Os contadores devem lidar com números como fatos simples... Os contadores não têm absolutamente nada a ver com estimativas ou esperanças de lucro.

Worthington, 1895, 67

Um balanço patrimonial não deve ser uma fotografia da opinião de um contador, mas sim uma fotografia dos fatos com base nos quais sua opinião é fundamentada.

Bentley, 1912a, 161

Nada registrado nos livros contábeis ou publicado em relatórios pode alterar os fatos reais dos negócios... O simples fato de uma maneira alternativa de declarar algo converter um lucro em uma perda é uma prova positiva de que uma das alternativas está errada; pois os fatos não podem oferecer a alternativa de lucro ou perda.

Cole, 1933, 479

Nenhum obstáculo pode ser corretamente colocado entre lançamentos contábeis e fatos financeiros.

Dohr, 1941, 205

Se a contabilidade não é um dispositivo para refletir fatos, o que é então?

Accountant, editorial, 1945, 318

Não imagine que, ao alterar a forma da conta, você pode possivelmente alterar os fatos... o momento em que a verdade começa a ter que ser retida em um círculo interno é um momento de perigo... nenhuma simplificação excessiva ou alteração de forma pode possivelmente alterar os fatos.

fforde, 1950, 514, 515

[Na lei] Lançamentos contábeis não produzem lucro ou prejuízo; nem criam ou destroem fatos. Os fatos reais, como encontrados pelo tribunal, são controladores, e não os lançamentos contábeis adotados pelos contadores corporativos para refletir as transações sob escrutínio.

Hills, 1957/1982, 23

A contabilidade factual resulta em relatórios financeiros que refletem adequadamente a posição financeira e os resultados das operações, de forma comparável entre empresas dentro de uma indústria e entre empresas de diferentes setores. Esse é o tipo de contabilidade que melhor serve aos investidores. Todas as empresas seguem em certo grau a contabilidade factual.

Spacek, 1964b, 70

Aqueles não familiarizados com a contabilidade têm naturalmente a tendência de assumir que um balanço patrimonial é uma declaração factual que mostra o valor dos ativos... .

Myer, 1969, 24

Observadores e usuários [das demonstrações financeiras] (incluindo muitos analistas financeiros) que não estão familiarizados com os desenvolvimentos institucionais e históricos dos padrões de relatórios financeiros usam os números oferecidos para o total de ativos como se fossem descrições precisas dos recursos econômicos totais da empresa em relatório.

Abdel-khalik, 1992, 12 

03 fevereiro 2022

Crime precisa ter um bom contador?


Usando dados da máfia italiana, a resposta é SIM. Eis o abstract: 

We investigate if organized crime groups (OCG) are able to hire good accountants. We use data about criminal records to identify Italian accountants with connections to OCG. While the work accountants do for the OCG ecosystem is not observable, we can determine if OCG hire “good” accountants by assessing the overall quality of their work as external monitors of legal businesses. We find that firms serviced by accountants with OCG connections have higher quality audited financial statements compared to a control group of firms serviced by accountants with no OCG connections. The findings provide evidence OCG are able to hire good accountants, despite the downside risk of OCG associations. Results are robust to controls for self-selection, for other determinants of auditor expertise, direct connections of directors and shareholders to OCG, and corporate governance mechanisms that might influence auditor choice and audit quality.

O paper pode ser acessado aqui, via aqui. Foto: Rezaei

18 janeiro 2021

Qualidade da Contabilidade


O que faz a contabilidade ser de boa qualidade? Um possível resposta a seguir:

Em 1939 a Revista Cruzeiro publicou um conto de Bernard Gervaise denominado "O bilhete 77.372". A história é a seguinte: em uma repartição, os funcionários se unem para comprar um bilhete de loteria. O responsável por arrecadar o dinheiro é Martin, o caixa-contador. Com o tempo, as pessoas deixam de comprar sua parcela e Martin termina por assumir a parte da cota do desistente. Até que todos deixam de apostar e o Martin tem que pagar o bilhete. 

Um dia, Martin chega ao escritório e anuncia que o bilhete 77.372 tinha vencido o prêmio de 1 milhão de francos. A notícia espalha e vários tentam ficar com uma parte da sorte de Martin. 

Nesta occasião, ai!, a conducta de Martin, o caixa-contador, foi motivo de grande assombro para todos aqueles que julgavam conhecer a fundo o caracter desse excellente companheiro. O que se viu foi elle rechassar com igual firmeza todas as solicitações, inclusive a da encantadora dactylographa.

Martin solicita uma entrevista com o patrão. Na entrevista, Martin supreende e afirma que irá reembolsar seu chefe. O chefe fica pasmo, pois Martin não lhe devia nenhum dinheiro. 

- Mas ... o senhor me deve alguma coisa?

- Sim, senhor; devo-lhe uma centena de milhar de francos, pouco mais ou menos

O patrão cravou um olhar inquieto no seu fiel collaborador.

- O senhor está louco, meu caro amigo - lhe disse - Esta sorte inesperada transtornou-lhe a cabeça... Cem mil francos! Donde os teria tirado?

- Da caixa, meu caro senhor, da caixa - respondeu Martin serenamente

O senho Mercerelle esteve a ponto de estourar.

- O senhor tirou cem mil francos da caixa do meu estabelecimento? O senhor?

- Oh! Não de uma só vez, é claro. Aos poucos fui retirando o dinheiro. Em dez annos consegui arrancar essa quantia. Foi uma media de dez mil francos por anno.

- E eu que nada percebera de anormal! - gemeu o patrão.

- Isso demonstra, senhor, que minha contabilidade foi executada com perceição. A característica de uma contabilidade bem feita é que ninguem pode entende-la, salvo o seu executor, e ainda assim ! ...

17 junho 2020

Superestimação da inflação

Há um certo consenso que os índices tradicionais de mensuração de inflação são superestimados. É isto mesmo: os índices que tentam medir a variação dos preços geralmente apresentam um resultado acima da inflação real. Uma estimativa fala em 1% ao ano. Parece pouco, mas quando se considera o longo prazo, este valor pode fazer uma grande diferença

A superestimação da inflação pode ocorrer em razão da mudança tecnológica e da qualidade de vida que isto representa. O primeiro iPhone surgiu em 2007, com uma câmera de 2 megapixels. O modelo de agora é muito melhor que este celular. O mesmo aconteceu com os automóveis, os computadores e outros produtos. Basicamente, o índice de inflação não leva em conta a qualidade dos produtos. Mas não é somente isto. A inflação é calculada tendo por base uma cesta de consumo média. Como esta cesta é atualizada em períodos de tempos longos (dez em dez anos, por exemplo), muito produto ou serviço não está nesta cesta. A Netflix, por exemplo, representou uma grande economia para as pessoas em termos de entretenimento. Mas talvez não esteja na cesta de consumo usada para o cálculo da inflação.

Isto poderia ser um problema para a contabilidade? Consideremos uma subestimação anual de 1%, conforme informada anteriormente. Em dez anos, isto representa 10,5%. Em vinte anos, corresponde a 22%. Mas a maioria dos recursos econômicos de uma empresa possuem uma vida abaixo deste patamar. Se um estoque é produzido, vendido e recebido em menos de um ano, a subestimação não será tão expressiva. Já uma máquina, que será usada ao longo de dez ou vinte anos pode sofrer com isto. No caso da máquina, isto pode ser "acertado" com a depreciação.

Dois fatos parecem indicar que talvez a superestimação da inflação não deva incomodar no processo de mensuração contábil. Durante a implantação das IFRS as empresas brasileiras tiveram a oportunidade de corrigir os valores dos ativos através do "deemed cost". Poucas fizeram. O segundo fato é que esta questão foi provocada para fazer parte da agenda de normas do Iasb e o mesmo não contemplou este assunto. A mesma entidade mantem, na estrutura conceitual, uma discussão de manutenção de capital. Durante a grande alteração que realizou na nova estrutura, os aspectos relacionados com a manutenção de capital foram mantidos, conforme sua redação original, da primeira estrutura conceitual desta entidade.

29 setembro 2019

Mais informação para usuário é igual a melhor política pública?

O que fazer quando um serviço público não tem uma qualidade desejada? Diversas abordagens já foram tentadas, como auditoria, estabelecimento de meta de desempenho, entre outras. Uma das abordagens que tem sido defendida é dar condições ao usuário para que ele possa analisar o serviço que está sendo prestado. E uma forma de fazer isto é entregar informações ao usuário. Se o usuário conhecer melhor o serviço que está sendo prestado ele pode ser um crítico de sua qualidade. Assim, muitas políticas públicas tentaram "educar" o usuário, melhorando seu conhecimento sobre o tema da política pública.

Mas será que isto funciona? Se isto não funcionar, talvez a educação do usuário não seja uma estratégia interessante e estamos gastando dinheiro com esta abordagem. Veja que esta questão pode ajudar na discussão sobre "educação financeira" e outras tentativas de dar conhecimento as pessoas. A questão é como pesquisar isto. 

Uma pesquisa conseguiu isto para um público bem específico: os médicos. Usando dados de médicos que trabalham na área militar, três pesquisadores compararam os médicos como pacientes contra outros pacientes. Como os médicos conhecem (ou deveriam conhecer) sobre saúde, era esperado que o atendimento deste profissionais fosse diferente dos demais pacientes. Isto seria uma confirmação que ter informação pode ajudar na qualidade da política pública de saúde. 

Os pesquisadores compararam o médicos que atuam na área militar e perceberam que a diferença no atendimento é muito pequena. Não suficiente para fazer diferença dos demais pacientes. Assim, talvez fornecer informação para o usuário seja perda de tempo e gasto de dinheiro; isto não resolveria o problema da qualidade da política de saúde. 

Leia mais em Frakes, M, Gruber, J & JenaAnupam (2019).Is Great Information Good Enough? Evidencie from Physicians as patients(No. w26038). National Bureau of Economic Research. 

09 janeiro 2019

Qualidade da auditoria

Para ajudar as empresas de auditoria a desenvolver essas divulgações, o Centro de Qualidade de Auditoria (CAQ) desenvolveu uma nova Estrutura de Divulgação de Qualidade de Auditoria . O CAQ é afiliado ao AICPA.

A estrutura baseia-se em trabalhos anteriores do CAQ e de outros profissionais para desenvolver e buscar indicadores de qualidade de auditoria. Uma combinação desses indicadores ou métricas, juntamente com uma discussão aprofundada, pode levar a divulgações úteis sobre como uma empresa monitora a qualidade da auditoria.(...)


Continue lendo aqui

20 julho 2018

Solução para as Big Four

Quando ocorreu a queda da Enron, os reguladores adotaram algumas medidas para evitar que outro desastre envolvendo a manipulação de dados contábeis ocorresse na mesma proporção. Junto com a Enron, encerrou-se as atividades da sua empresa de auditoria, que deveria cuidar para que as informações refletissem a realidade. Fundada no início do século XX, a Arthur Andersen era uma das maiores empresas de contabilidade do mundo, antes da sua falência.

A crise provocada pela Enron trouxe, como reação, a aprovação da Sarbox nos Estados Unidos. Alguns dos instrumentos criados naquele país foram copiados, em menor ou maior grau, por diversos países do mundo. Apesar da tentativa de consertar o negócio de auditoria, as mudanças ocorridas após a falência da Enron parecem não ter resolvido o problema. Nos últimos anos são diversos os casos de problemas com empresas que os auditores cometeram erros. Em um deles, quase um país declarou falência.

Recentemente, os problemas de uma grande empresa inglesa chamaram a atenção dos órgãos reguladores. Uma das sugestões era simplesmente quebrar o atual oligopólio exercido pelas grandes empresas de auditoria. O setor de auditoria contava, em 1989, com oito grandes empresas. Após 2002, com a falência da Enron e um movimento de fusão e aquisição do setor, sobraram quatro grandes, as Big Four: EY, KPMG, Deloitte e PwC. Juntas, estas empresas possuem uma receita total de 134 bilhões de dólares. Isto corresponde a receita de duas Petrobrás.

Pense em uma grande empresa? Provavelmente sua auditoria é feita por uma das quatro grandes empresas de auditoria. Na Inglaterra, 99 de 100 empresas que compõe o índice FTSE das maiores na bolsa tiveram seu relatório assinado por uma das quatro empresas.

Além dos problemas de qualidade, a existência de quatro grandes empresas de auditoria pode provocar algumas situações práticas constrangedoras. Recentemente o ex-primeiro-ministro da Malásia foi preso em razão de denúncias de desvio de dinheiro de um fundo de investimento daquele país. Durante anos, o fundo foi auditado em 2010 pela EY, pela KPMG entre 2010 e 2012 e pela Deloitte até 2016. Para ajudar na apuração dos problemas e diante da necessidade de ter o respaldo de uma empresa de auditoria de renome, ao atual governo da Malásia restou nomear a empresa que faltava: PwC.

Para tentar resolver os problemas do setor, usualmente são apresentadas cinco possíveis estratégias: restringir a atuação das empresas em consultoria, quebrar o monopólio, modificar o processo de auditoria, alterar a forma como as empresas são remuneradas ou expandir a atuação dos reguladores.

Consultoria - O fato da empresa de auditoria também fazer serviços de consultoria tem sido apontado como uma das razões para alguns dos problemas encontrados em trabalhos de baixa qualidade. Recentemente, uma filial da KPMG em Dubai auditou a Abraaj. O problema é que alguns executivos da Abraaj trabalharam na KPMG também e isto pode ter comprometido a independência do trabalho do auditor. Tem sido bastante comum que o interesse do auditor se voltar para outras tarefas e atitudes, como ocorreu em Dubai, que podem criar conflitos de interesses. Quando os Estados Unidos aprovaram a Sarbox em 2002, os auditores foram proibidos de fazerem alguns tipos de serviços a seus clientes; também exigiu-se que divulgasse o valor pagos aos auditores. Até então, os serviços de “não auditoria” representavam as maiores receitas das Big Four. Nos Estados Unidos o sucesso foi parcial: inicialmente as receitas diminuíram para 40%, mas em 2017 já estava em 70%. Agora as empresas prestam consultorias onde não auditam. Ou seja, as empresas encontraram maneiras de driblar as proibições.

Existem controvérsias se existe relação entre a qualidade da auditoria e o trabalho de consultoria. Algumas pesquisas parecem não serem conclusivas sobre esta relação. Recentemente, um editorial da Bloomberg sugeriu esperar um pouco mais para verificar se as medidas que foram tomadas no passado estão funcionando.

Alguns casos envolvendo as Big Four parecem indicar que a mistura dos negócios de consultoria com a atividade de auditoria pode não ser interessante. Seria realmente necessário uma investigação mais aprofundada sobre o assunto, para que nossas conclusões não fossem baseadas em somente em alguns casos, mas em uma evidência mais concreta. Mas o fato de não termos um consenso sobre o assunto pode não justificar uma atitude passiva, como defende a Bloomberg.

Quebrar o oligopólio - Após a falência da Carillon na Inglaterra, os políticos sugeriram quebrar o oligopólio das Big Four como uma solução para os problemas da auditoria.  O exemplo evocado é da empresa Standard Oil, que foi considerada um monopólio pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1911.

O Financial Reporting Council, a entidade reguladora do Reino Unido, questionou a qualidade do trabalho recente da KPMG e considerou que o declínio da qualidade do trabalho era inaceitável. A resposta seria trazer mais concorrência para o setor, que pode incluir não somente a divisão das atuais Big Four, como a obrigação de redução do número de clientes, o que poderia fortalecer as empresas menores. A Bloomberg acredita que isto pode prejudicar a qualidade dos trabalhos realizados. A EY está se especializando no setor financeiro. Forçar a empresa a deixar alguns clientes pode reduzir os incentivos da EY em promover especialistas no setor. Trata-se de um fator chamado de economia de escala na contabilidade de custos. Para Bloomberg, a solução estaria na separação dos serviços de consultoria, ou seja, o item anterior deste texto.

A Deloitte chegou a afirmar que a tentativa de quebrar o oligopólio poderia ser um tiro no pé do Reino Unido. Para a Deloitte, isto poderia prejudicar a posição como centro financeiro global.

Processo de auditoria - Uma tentativa de corrigir do problema seria através da modificação do processo de auditoria. Esta tem sido uma tentativa de solução adotada recentemente e podemos citar a  modificação do formato do relatório e o rodízio dos auditores como exemplos. Recentemente, um grupo de acionistas protestou contra a renovação do contrato da KPMG na General Electric. Além do fato da empresa não ter notado problemas contábeis em algumas unidades do conglomerado, os acionistas estavam incomodados com a presença centenária da Big Four na revisão das contas da empresa. Mesmo diante dos protestos, a GE manteve o contrato com a KPMG.

O rodízio foi uma das mudanças promovidas recentementes no mercado de auditoria. Em alguns países, o rodízio significa apenas alterar o técnico responsável pelo trabalho. Em outros, deve-se contratar outra empresa de auditoria ao término de um determinado prazo. Entretanto, esta medida enfrentou uma forte oposição, inclusive de entidades de classe, como é o caso do Conselho Federal de Contabilidade.

Recentemente, as empresas de passaram a adotar um novo parecer, agora com o nome mais pomposo de relatório. Neste relatório, o auditor deveria indicar os temas que trouxeram maior preocupação na análise das informações contábeis da empresa. Esta pode ser uma solução interessante, mas mais informação nem sempre significa melhor decisão. Além disto, o atual relatório aparenta ser muito mais complexo e chato de ser lido pelo usuário, induzindo a direcionar sua leitura para a linha mais relevante, que define se a informação expressa ou não a realidade.

Ainda é muito cedo para termos um estudo mais profundo sobre a influência destas medidas na qualidade do que está sendo realizado. Entretanto, a oposição forte ao rodízio por parte das Big Four pode ser um sinal positivo de que esta medida pode ajudar na qualidade do trabalho do auditor no longo prazo.

Pagamento - O trabalho do auditor é contratado e pago pela empresa que irá ser auditada. Não é um “desenho” que resolva alguns dos conflitos de interesse entre que está pagamento e quem está fazendo o serviço. Esta mudança seria radical e poderia contemplar a possibilidade da empresa ser contratada pela entidade que faz a fiscalização do mercado de capitais. Assim, o auditor estaria trabalhando para o regulador, não para a empresa auditada.

Outra solução, considerada como elegante pela The Economist, é forçar as empresas a fazerem um seguro contra fraude. A empresa seguradora ficaria com o ônus dos processos legais e seria responsável por fazer a inspeção da informação divulgada. Se uma Petrobras divulgasse informações falsas sobre seu desempenho, como ocorreu nos exercícios sociais recentes, a seguradora deveria efetuar o pagamento dos acionistas que foram enganados pela empresa.

Esta solução permitiria alinhar os objetivos da seguradora com dos acionistas (minoritários, principalmente), dos reguladores e outros interessados. A seguradora teria o interesse de fazer com que a informação divulgada refletisse fielmente a realidade. Atualmente, é muito comum que a Big Four escape de uma maior responsabilização, alegando não ser sua tarefa. A PwC não observou problemas na contabilidade do Colonial Bancgroup, pois seu auditor aparentemente não verificou “um único documento de empréstimo”; o auditor-chefe da PwC afirmou que auditorias não foram projetadas para detectar fraudes.

Regulador - Antes do escândalo da Enron, o setor de auditoria era autorregulado. Isto significa dizer que a ameaça de perda de reputação seria suficiente para colocar nos eixos as empresas. Com a criação do PCAOB nos Estados Unidos e entidades similares em outros países, o regulador ganhou mais força para punir os auditores ruins. Apesar da contabilidade ser um profissão com poucos charlatães, parece que a solução de empoderar o regulador é algo natural. Recentemente, o FRC do Reino Unido decidiu aumentar a fiscalização da KPMG em razão do seu fracasso na Carillion.

Uma forma de atuar tem sido aumentar o valor pecuniário das multas ou tornar a punição mais expressiva. Em um processo contra a Deloitte, uma multa de 25 mil dólares foi considerada insignificante. Mas agora, em um processo sobre a falência de Colonial Bank, no Alabama, a juíza Barbara Rothstein fixou uma indenização de 625 milhões de dólares, naquilo que foi considerado por Francine McKenna, do MarketWatch, como o maior julgamento dos Estados Unidos contra um auditor.

Atuar no bolso das Big Four tem um grande problema. Uma multa muito elevada pode colocar em risco a continuidade de uma destas entidades, tornando o mercado ainda mais concentrado. Jim Peterson, um adversário de longa data das Big Four, calculou um ponto de inflexão entre 4 e 6 bilhões de dólares em termos globais e entre 1 a 3 bilhões para as empresas nos EUA. Isto significa que a multa recentemente estipulada aproxima-se do ponto em que coloca em risco da sobrevivência do auditor.

Mas talvez empoderar o regulador não seja a solução. O “poderoso” PCAOB descobriu isto ao constatar que os auditores estavam alterando a documentação antes da inspeção. Mais grave ainda, recentemente se descobriu que ex-funcionários do regulador foram contratados pela KPMG, tendo repassado informações sobre a fiscalização da KPMG. Mais ainda, empregados da KPMG estariam recebendo bônus se seu trabalho não recebessem críticas por parte do PCAOB.

Existe solução possível? - Qualquer que seja a solução, é necessário reconhecer o grande poder que as Big Four possuem. A tal ponto, que a Deloitte criou um grupo para espionar seus concorrentes. Um artigo do mostra como estas empresas dominam não somente o mercado de auditoria, mas possuem presença nos governos, incluindo os reguladores. Seus ex-funcionários controlam os padrões internacionais (e nacionais) de contabilidade. Afinal, as regras promulgadas e a promoção da convergência são assuntos que lhe interessam. E são os maiores contribuintes para que o Iasb, a entidade que cuida das normas internacionais de contabilidade, possa trabalhar. Entre os serviços prestados pelas Big Four estão alguns dos produtos financeiros que provocaram a crise internacional bancária recente.

Não espanta saber que estas empresas promoveram um forte lobby contra o PCAOB, conforme denúncia feita pela Reuters.

A favor dos auditores é bom lembrar dois aspectos relevantes. Em primeiro lugar, é muito difícil mensurar a qualidade do trabalho do auditor (figura). Geralmente sabemos quando a auditoria assinou um relatório sem destaque e a empresa teve problemas, mas não conhecemos quantas vezes a auditoria conseguiu prevenir desastres. Em segundo, nos últimos anos os reguladores contábeis lançaram normas que exigem cada vez mais avaliações subjetivas dos contadores e auditores. Estas normas dependem, em muito, da honestidade da gestão da empresa, o que faz com que o trabalho do auditor seja cada vez mais incerto e difícil de ser feito. A volta a normas mais objetivas poderia ser uma possível solução, mas seria possível no atual ambiente econômico?

Talvez a solução não esteja em “uma” solução, mas em um grupo de soluções. Apesar das restrições a quebra do oligopólio, é inevitável pensar nisto. Ainda mais quando sabemos que existem bons profissionais fora do latifúndio das Big Four.

12 março 2018

Qualidade do trabalho do auditor

Recentemente postamos sobre a questão da qualidade do trabalho do auditor. Temos uma grande dificuldade de saber se o volume de erros é grande ou não, já que também não sabemos a quantidade de acerto. Fizemos então uma simplificação da questão usando o termos da estatística - erro tipo I e tipo II.

Uma pesquisa do International Forum of Independent Audit Regulators feita com 918 auditores de 120 empresas em 33 jurisdições mostra que o número de erros. Segundo o relatório (via aqui), 40% dos trabalhos tinham pelo menos uma deficiência, sendo que o problema mais comum era a incapacidade de avaliar se as hipóteses usadas eram razoáveis. Outros problemas também foram relatados, como a falta de independência na verificação. 

31 janeiro 2018

Já não se fazem japoneses como antigamente...

As recentes fraudes em empresas japonesas mostraram que a imagem Made in Japan de qualidade talvez seja falsa. Os exemplos: a montadora Nissan fez um recall de dois milhões de veículos, a Kobe Steel falsificava dados de qualidade do produto, a Toshiba manipulava os dados contábeis, entre outros exemplos. Um texto do Financial Times (publicado em português aqui) analisa esta imagem construída e estes episódios recentes. Para Peter Wells e Leo Lewis:

A sensação de que os problemas foram frutos de conspirações dentro das empresas aumentou ainda mais depois das admissões de que as fraudes e mentiras existiam há anos e, em alguns casos, há décadas. Há inúmeros casos difíceis de explicar. Os escândalos implicam, segundo especialistas, uma disposição institucionalizada de violar regras dentro de instituições que se orgulham especificamente por segui-las de forma inflexível.


Fotografia: executivos da Sony

21 dezembro 2016

Duas notícias sobre a Deloitte

Primeira notícia: O gráfico acima é do Valor Econômico, que divulga uma reportagem sobre a qualidade das auditorias realizadas pelas Big Four nos Estados Unidos e fora dos EUA. Quanto maior a diferença entre o trecho mais escuro e o gráfico mais claro, pior a qualidade das auditorias realizadas fora dos EUA. É inegável a discrepância de qualidade na empresa Deloitte.

Segunda notícia: Um memorando interno de duas páginas da empresa Deloitte vazou em novembro na Inglaterra. O assunto era a saída do país da Comunidade Européia, ou Brexit. O documento indicava que o governo de Theresa May não estava preparado para o Brexit, o que teria ofendido o governo britânico. A empresa perderá contratos com o governo britânico por um período de seis meses.

27 novembro 2009

qualidade das informações contábeis

A literatura contábil apresenta evidências sobre a qualidade das informações contábeis quando da oferta pública de ações no Brasil, contudo, as debêntures apresentam o maior volume denegociações no mercado brasileiro. Portanto, torna-se relevante avaliar a qualidade das informações contábeis, quando da emissão pública dos diversos títulos emitidos pelas companhias brasileiras. (...) O objetivo deste trabalho é analisar a qualidade das informaçõescontábeis nos períodos em torno da oferta pública de ações e debêntures pelas companhiasabertas brasileiras, com o intuito de verificar se existem diferenças significativas. (...) A amostra foi formada por empresas que efetuaramofertas públicas de ações e debêntures entre os anos de 2000 a 2006. Em linhas gerais, os resultados desta pesquisa evidenciam que os números contábeis não são significativamente diferentes nos períodos em torno da emissão pública de ações e debêntures. Portanto, a oferta pública de títulos não afeta a qualidade das informações contábeis.


QUALIDADE DAS INFORMAÇÕES CONTÁBEIS NA OFERTA PÚBLICA DEAÇÕES E DEBENTURES PELAS COMPANHIAS ABERTAS BRASILEIRAS - Edilson Paulo - UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBARESUMO

01 novembro 2006

O que determina a qualidade do professor

Numa pesquisa realizada no Canadá, Florian Hoffmann e Philip Oreopoulos, tentaram verificar o que determina a qualidade do professor. Apesar do cuidado dos autores em observar o impacto do status do professor e o seu salário, a conclusão de que estas variáveis não interferem parece questionável e polêmico.

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