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27 maio 2013

Pesquisa Contábil Brasileira: Uma Análise Filosófica


Rodrigo Dias Gomes
O contexto atual da pesquisa contábil e algumas de suas patologias foi o tema da tese doutorado do pesquisador Eric Aversari Martins, apresentada ao Departamento de Contabilidade e Atuária (EAC) da FEA. O trabalho "Pesquisa Contábil Brasileira: Uma Análise Filosófica", orientado pelo professor Luiz Nelson Guedes de Carvalho, fez uma reflexão sobre as mudanças ocorridas na pesquisa em Contabilidade nas últimas décadas, e a dicotomia entre a pesquisa positiva e normativa.

Eric é graduado em Ciências Contábeis pela FEA, com doutorado em Controladoria e Contabilidade. Atualmente, é professor do Ínsper. Ele é filho de Eliseu Martins, professor emérito da faculdade. Em entrevista ao Portal da FEA, ele explicou algumas questões fundamentais para a compreensão da tese.

Qual o ponto central da sua pesquisa, que você julga ser a questão principal?

O ponto central foi buscar entender o processo de mudança de paradigma que a pesquisa contábil feita no Brasil sofreu entre o final da década de 90 e o início do século 21, e quais os efeitos dessa alteração quanto a qualidade e utilidade. Nascida normativa, por volta da década de 60 e 70, ela era fundamentalmente voltada para a prática contábil, para a avaliação e solução de problemas reais das empresas, do sistema normatizador contábil brasileiro e do então incipiente mercado financeiro. Em meados da década de 90 ela passa a adotar uma postura de descrever e explicar a realidade, buscando obter relações entre dados contábeis e variáveis econômicas.

Qual a diferença da pesquisa positiva para a normativa?

A pesquisa positiva trabalha, a posteriori dos fatos, buscando a descrição e a explicação de eventos ocorridos, com isenção de valores e julgamentos nas suas conclusões. Ela tem como objetivo mostrar como as coisas do mundo se comportam e quais as relações entre elas. Nesse sentido, ela é calcada nos mesmos princípios atualmente aplicados nas ciências duras, e é fortemente influenciada pelo positivismo lógico desenvolvido pelo Círculo de Viena e sedimentado por Karl Popper. Já a pesquisa normativa busca intervir no mundo, melhorar práticas, propor mudanças. Assim, ela age a priori dos fatos, buscando prescrever ações. E essa prescrição de comportamento depende daquilo que o pesquisador entende como sendo melhor, como sendo bom. Isso envolve julgamentos de valor que não podem ser comprovados ou refutados, pois são subjetivos e, em última instância, individuais.

No seu entendimento, a pesquisa positiva é mais importante que a pesquisa normativa?

Não. A ideia da hierarquização daquilo que é positivo sobre o que é normativo é influenciada fortemente pelo pensamento do positivismo lógico. Antes do Círculo de Viena essa separação já existia. David Hume, Neville Keynes e Marx Weber são exemplos de pensadores que trataram dessa questão, mas nunca colocaram uma forma de fazer pesquisa como sendo mais importante, melhor ou mais relevante do que a outra. Quando se fala em pesquisa em um campo como a contabilidade, social e aplicada, ambas as formas possuem papéis igualmente relevantes no mundo. Na pesquisa contábil elas possuem uma relação íntima. A pesquisa positiva evidencia mais claramente os efeitos daquilo que a pesquisa normativa gera quando suas propostas são postas em prática, comprovando ou refutando a adequação das ações prescritas. Com isso, novos argumentos podem ser obtidos para fundamentar novas pesquisas normativas, que poderão gerar outros testes positivos que poderão subsidiar outras propostas normativas e assim por diante. Mais importante do que a pesquisa ser positiva ou normativa, é a pesquisa ser bem feita ou mal feita.
Como você enxerga essa transição da pesquisa normativa para positiva?
A transição da pesquisa normativa para a positiva é fruto de um processo de mudança que nasce com inquietações de alguns professores do departamento de contabilidade da FEAUSP preocupados com o problema da ausência de metodologia de pesquisa e de métodos quantitativos, que se inicia em meados da década de 80 e vai até meados da década de 90.

Quem são os grandes responsáveis?

O mais importante nome dessa primeira fase foi o Prof. Sérgio de Iudícibus, que começou a trazer a utilização de métodos quantitativos para a pesquisa contábil brasileira, aplicando-os na solução de problemas práticos, principalmente na área de custos, desenvolvendo o conceito de Contabilometria e criando uma disciplina que trouxe os principais aspectos da pesquisa positiva norte-americana, onde ela já estava se sedimentando. Essa inquietação leva, já em meados de 90, a outro fato importante: a contratação do Prof. Gilberto Martins pelo departamento de contabilidade da FEAUSP, que introduz a metodologia científica mais voltada para trabalhos teórico-empíricos não normativos. Por fim, já no início do século 21, a contratação do Prof. Alexsandro Broedel, um dos pioneiros na área de pesquisa positiva no Brasil, foi extremamente relevante, pois sua atuação tanto na realização de relevantes pesquisas quanto no ensino auxiliou na sedimentação de uma nova forma de se fazer pesquisa contábil que ainda era quase que desconhecida no Brasil.

A que outros fatores pode ser atribuído esse processo?

Dois fatores ambientais geraram solo fértil para a disseminação da pesquisa positiva: o primeiro foi que em 2001 a CAPES avaliou todos os programas de pós-graduação em contabilidade com a nota mínima, 3, e o principal problema era a ausência de publicações científicas. Como a contabilidade não possuía periódicos científicos próprios, a pesquisa positiva contábil foi muito útil para aumentar o volume de publicação dos artigos, que tinham que ser enviados a periódicos das áreas de administração e economia, já também sedimentadas ao redor da pesquisa positiva. O segundo fator: no ano 2000 começou um boom de programas de pós-graduação em contabilidade no país, indo de 4 em 1998 para 18 em 2009. E a população de doutores desses cursos era formada metade por contadores e a outra parte por oriundos da administração e economia, também já fortemente voltados para a pesquisa positiva derivada dessas áreas. O surgimento da pesquisa positiva acabou por matar a pesquisa normativa, que passou a ser rejeitada nos meios acadêmicos da contabilidade, quase que totalmente suplantada por essa nova visão.

Em que ponto isso é prejudicial para a prática da contabilidade no país?
O que eu acho que é prejudicial para a prática contábil não é o surgimento da pesquisa positiva no Brasil, mas o tratamento generalizado que tem sido dispensado para a pesquisa normativa pela academia contábil: ela tem sido ignorada e tratada como indesejável. E isso prejudica a prática, pois uma grande massa crítica de pensadores acadêmicos, estudiosos, deixa de pensar em como intervir e melhorar a prática. Deixam de existir discussões formais sobre assuntos importantes da realidade da prática que necessitam de solução; passam a povoar os periódicos, descrições de fatos com pouca ou nenhuma utilidade na prática, a não ser exclusivamente para acadêmicos. Assim, esse exagero de pesquisa positiva não piora a prática, mas a prejudica, pois deixa de auxiliar na sua melhoria.

Você entende que esse é um fenômeno brasileiro ou acredita que ocorre também no âmbito internacional?

Creio que isso é um fenômeno que também ocorre no âmbito internacional. Críticas semelhantes sobre o excesso de pesquisa positiva e sua pouca utilidade na prática podem ser encontradas em periódicos internacionais de primeira linha, assinadas por pesquisadores internacionalmente reconhecidos, como Kaplan, Hopwood, Chua e Holthausen. Mas o movimento de mudança desse panorama já é maior no exterior. Nos Estado Unidos, Europa e Oceania já existem periódicos exclusivamente dedicados a paradigmas de pesquisa que não o positivismo, e a pesquisas não necessariamente positivas.

Em sua opinião, o que pode ser feito para alterar esse quadro?

Eu entendo que os próprios programas de pós-graduação em contabilidade podem passar a não focar exclusivamente em pesquisa positiva e métodos quantitativos, mas incentivarem outras visões. Em 2012, por exemplo, se somados todos os 18 programas de pós-graduação em contabilidade do Brasil, 31 disciplinas de métodos quantitativos eram oferecidas e somente uma de métodos qualitativos. Isso é um sintoma do foco quase que exclusivo na pesquisa positiva. Ainda, os cursos de metodologia precisam deixar de ser meros manuais de como se faz trabalho científico e se aprofundar nas questões filosóficas subjacentes ao processo de geração de conhecimento. Afinal, antes de se fazer pesquisa é necessário entender o que é pesquisa, como é o processo de geração de conhecimento de forma mais ampla e qual a sua função na sociedade. Ainda, também precisam abordar de maneira mais aprofundada a dicotomia positivo-normativo buscando uma visão conciliatória entre essas posições. Temo que se os programas de pós-graduação não começarem a mudar esse panorama no ensino da metodologia e do processo de pesquisa, a situação atual não será alterada.

Você já observa alguma mudança nesse sentido?

Sim. É importante ressaltar que já existem focos de mudança no pensamento sobre a pesquisa contábil. Na própria USP já podem ser vistas atitudes de alguns alunos, professores e da própria coordenação do curso, que buscam outras formas de pesquisa e de conhecimento alheias ao positivo e ao positivismo. Podem ser encontrados raros trabalhos que indicam a necessidade de utilização de novos paradigmas, bem como pesquisas que destes se utilizam. Novas disciplinas voltadas para visões distintas já estão sendo criadas e oferecidas como alternativa à pesquisa qualitativa tradicional. Já há um movimento de mudança, apesar de pequeno. A semente já está lançada, agora ela precisa ser regada. Mas uma coisa precisa ser evitada: um novo paradigma entrar e substituir o outro. O importante é aumentar as possibilidades. Não sou a favor do fim da pesquisa positiva, pelo contrário, mas sim de uma ampliação do pensamento acerca do processo de geração de conhecimento para abraçar visões diferentes, que aceite paradigmas diversos.

28 janeiro 2007

Significante e não significante pode não ser significante

Quem tem o prazer de fazer pesquisa empírica já se deparou com testes de significâncias. Os softwares que usamos geralmente consideram 5% como o padrão para aceitação ou rejeição das hipóteses. Qual a razão de usar 5%? Talvez o costume na pesquisa na área de ciências sociais.

Existe muita discussão sobre a importância desse valor nas pesquisas empíricas. Afinal, a diferença entre "significante" e "não significante" é importante? Clique aqui para um artigo (PDF) de Gelman e Stern sobre o assunto