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25 abril 2022

Materialidade

A materialidade é um item da teoria da contabilidade bastante controverso. A similaridade com o termo relevância ajuda a aumentar a confusão existente. E ao mesmo tempo os práticos possuem uma necessidade de ter uma regra mais acessível para determinar o que é material e o que não é material.

Em termos históricos é possível notar que a materialidade era muito importante para a discussão contábil no passado. Na discussão sobre a existência ou não de um grupo de princípios contábeis, iniciada no final do século XIX e ao longo de boa parte do século XX (JONES, AIKEN, 2015).

Franco (1988) faz um levantamento da evolução dos princípios. Pelo estudo é possível perceber que a materialidade é lembrada na obra de Anthony, de Hendricksen, de Needles, Anderson e Caldwell, entre outros autores. A VII Conferência Interamericana de Contabilidade, em 1965, indicou a materialidade, mas não a relevância, como sendo um dos princípios gerais. Em 1971, Iudícibus, influenciado por Finney e Miller, publicou uma lista de princípios e convenções, na qual a materialidade está enquadrada neste último grupo. No trabalho de Iudícibus a relevância ainda não está presente. Mais tarde, no livro Teoria da Contabilidade, o mesmo autor manteve sua posição, muito embora tenha alterado a lista para postulados, princípios e convenções.

Em 1972, durante a X Conferência Interamericana de Contabilidade, Franco indicou preceitos básicos e 14 regras convencionais, entre as quais a relevância dos fenômenos (materialidade). O trabalho de Iudícibus foi aprovado a Estrutura Conceitual Básica da Contabilidade, em 1988, com postulados ambientais, princípios e convenções, sendo estas restrições aos princípios. É basicamente a listagem de Iudícibus da década anterior.

O livro de Franco traz um quadro comparativo entre a posição do autor, de 1972, e a obra de Iudícubus, a posição do Iasc através da NIC 1, o texto de Iudícibus de 1980, a posição do Conselho Federal de Contabilidade de 1981 e a estrutura Ibracon/CVM de 1986. É destaque que a relevância estava no documento NIC 1, de 1974, mas aparece como convenção da materialidade, nos trabalhos de Iudícibus e nos documentos derivados do Ibracon/CVM.

Franco (1988, p. 114) considera que a relevância dos fenômenos refere-se ao respeito “a qualquer dos preceitos básicos da Contabilidade ou a qualquer das regras convencionais”, que pode invalidar as demonstrações como sendo a representação adequada do patrimônio. Assim, o conceito de Franco é muito mais voltado para o produto da contabilidade do que para a influência sobre o usuário da informação. No texto do autor, os termos relevância e materialidade poderiam ser usados de maneira intercambiável, apesar de existir uma ressalva para determinadas situações onde algo irrelevante pode ser material.

Enquanto discutíamos os princípios de contabilidade no Brasil, ocorre uma mudança de foco nos Estados Unidos, que irá influenciar a questão da materialidade nos anos seguinte. Em 1963, Moonitz publica um artigo no Journal of Accountancy comentando sobre postulados de contabilidade (MOONITZ, 1963). No relato de Moonitz, a Accounting Research Studies do AICPA recebeu pelo menos uma posição onde existe a defesa que a materialidade deveria constar como um postulado da contabilidade. Este comentário afirmava que a materialidade deveria ser um postulado pois é “a raiz de muitos mal-entendidos” e a função dos postulados seria resolver os mal-entendidos.

Previts e Flesher (2015) lembram que quando o Fasb começou a trabalhar em 1973, sete itens inicialmente foram considerados no início, sendo dois deles – normas qualitativas para os relatórios financeiros e materialidade – resultariam no documento de 1980, de estruturação conceitual. Na verdade, o texto da materialidade não chegou a ser emitido, apesar de existir dez parágrafos sobre o assunto em 1980.

Os teóricos da época, como Hendricksen (1982) e Kam (1990) tratavam do assunto nas suas obras. Este último já alertava da importância do conceito para fins de discussões judiciais. É interessante notar que os livros de teoria de quarenta anos depois já não discutem esta questão (Scott, 2015, é um exemplo).

Isto talvez seja reflexo de uma nova postura dos reguladores. O esforço conjunto Iasb e Fasb reorganiza as características qualitativas da informação. Nesta nova visão, a materialidade passou a ser subsidiária do conceito de relevância (JONES, 2015). Entretanto, a cada texto permanece um sentimento de que ambos os conceitos podem ser usados de maneira intercambiável, pelo menos para fins de regras contábeis.

Considere alguns pronunciamentos para fins comparativos. O CPC 26 diz que a materialidade depende da natureza ou magnitude da informação ou ambas. Para este pronunciamento, a entidade avalia se a informação é material, dentro do contexto de suas demonstrações. O CPC das Pequenas e Médias Empresas, vai mais além: “A informação é material – e, portanto, tem relevância – se sua omissão ou erro puder influenciar as decisões econômicas de usuários, tomadas com base nas demonstrações contábeis”. Veja que se trocarmos os termos na frase, o sentido parece continuar o mesmo. Neste pronunciamento, os termos são definidos em um glossário:

Relevância: Importância da informação que permite influenciar as decisões econômicas de usuários, ajudando-os a avaliar acontecimentos passados, presentes e futuros ou confirmando, ou corrigindo, suas avaliações passadas. 

Material, Materialidade: Omissões ou declarações inexatas de itens são materiais se elas puderem, individual ou coletivamente, influenciar as decisões econômicas de usuários tomadas com base nas demonstrações contábeis. A materialidade depende do tamanho e da natureza da omissão ou imprecisão julgada nas circunstâncias que a envolvem. O tamanho e natureza do item, ou a combinação de ambos, poderia ser o fator determinante.

Há algumas diferenças sutis, mas talvez isto tenha passado desapercebido no processo de produção da norma. Por exemplo, a relevância parece não estar restrita às demonstrações, ao contrário da materialidade. E esta vincula-se a natureza e tamanho do item, ou ambos, que não está destacado no conceito de relevância.

De certa forma, os pronunciamentos contábeis parecem assumir uma distinção sutil entre os dois termos. A relevância é mais amplo que a materialidade, pois esta está focada no tamanho dos valores. Como lembrou Franco (1988), a ausência de contabilidade de um pequeno montante pode não ser material, mas é relevante para fins da qualidade da informação como um todo. Talvez com esta visão seja possível a distinção entre os dois termos, mas por enquanto, os reguladores não estão fazendo muito em esclarecer tal assunto.

Na Estrutura Conceitual é dito que a “informação é material se a sua omissão, distorção ou obscuridade puder influenciar, razoavelmente, as decisões que os principais usuários de relatórios financeiros para fins gerais”. A materialidade estaria vinculada a valores que afetem as demonstrações, específicos de cada entidade. Se no passado Pattillo traduziu a materialidade em termos objetivos – 5 a 10% do valor do lucro líquido (BEAN, THOMAS, 1996), a estrutura piora a situação ao afirmar que “não se pode especificar um limite quantitativo uniforme para materialidade ou predeterminar o que pode ser material em uma situação específica”.

Volte no texto da Estrutura que define materialidade e compare agora com a relevância: “Informações financeiras relevantes são capazes de fazer diferença nas decisões tomadas pelos usuários”.

Na realidade, o termo materialidade possui quatro aspectos que podem ser considerados, tanto para contabilidade, financeira ou não, quanto para teoria. O primeiro aspecto é que a materialidade corresponde a decisão de capitalizar ou não um determinado item (por exemplo, FREEMAN et al, 2014). Nas primeiras noções de contabilidade aprendemos este dilema com a despesa de material de consumo. Em muitos casos práticos, não é material considerar material de consumo como estoques e levar ao resultado conforme seu consumo (SILVA; RODRIGUES, 2018). Apesar de não existir uma regra para esta decisão, a relação custo benefício da informação é o critério básico. Dificilmente lembramos da relevância em tais casos.

O segundo aspecto é a agregação ou não da informação. No estoque de material de consumo, posso separar os itens em papel, tinta para impressora, canetas, entre outros. A agregação da informação em um único item, seja para fins de evidenciação, seja para fins de contabilização, tem por premissa a materialidade. Se o primeiro aspecto é esquecido nos pronunciamentos, este segundo está presente explicitamente no CPC 26 que afirma que devemos “apresentar separadamente nas demonstrações contábeis cada classe material de itens semelhantes. A entidade deve apresentar separadamente os itens de natureza ou função distinta, a menos que sejam imateriais.”Um texto similar está presente no CPC das Pequenas e Médias empresas.

O terceiro aspecto da materialidade está vinculado ao objetivo de usar a contabilidade para fins de controle. Uma informação de pequenas diferenças no caixa de uma empresa pode não ser material, mas é relevante sobre o que nos diz do processo interno.

Finalmente, a materialidade está vinculada a quantidade. Este talvez seja o aspecto que lembremos quando surge o termo. É algo específico de cada entidade, mas se um valor for pequeno, não será importante para decisão do usuário. Não existe uma regra geral, mas provavelmente os 5% estabelecimentos há cinquenta anos talvez ainda seja usado.

É também possível encontrar uma associação entre materialidade e tangibilidade. Mas esta associação não é adequada, nem com os teóricos, nem com os reguladores.

De qualquer forma, a materialidade parece ter perdido o protagonismo, se é que algum dia o teve. Nos critérios de reconhecimento do Fasb cita-se a definição – enquadra-se dentro da definição do elemento, a mensurabilidade, a relevância e a fidedignidade (confiabilidade). A materialidade não é citada, mas está associada – leia-se “misturada” – com a relevância.

Se a materialidade é um aspecto específico da relevância (KIESO, WEYGANDT, WARFIELD, 2020), afetando as decisões do usuário, ainda é um desafio sua avaliação em termos de cada item. Os autores citados tomam um exemplo

As duas empresas tiveram um ganho no exercício. Mas a empresa A é muito grande e este valor de ganho relativamente pequeno. Assim, considerar este ganho junto com as receitas não irá afetar o nosso julgamento da empresa. Já a empresa B é menor e o valor de 5 mil é expressivo no total. Agregar o ganho não usual com as vendas pode não ser adequado. A materialidade de valores próximos variou conforme a entidade.

Recentemente os reguladores resolveram trabalhar a questão. Parecia que tudo conduzia a um final feliz, onde o termo seria naturalmente absorvido pelo conceito da relevância. Em 2015 postamos que existia uma divergência, nos Estados Unidos, entre os conceitos de materialidade. Enquanto o Fasb tinha um conceito, a justiça – leia-se Suprema Corte – tinha outro entendimento, que não era o mesmo do PCAOB, nem da SEC. Mais recentemente, o SASB foi acusado de usar uma conceituação de materialidade confusa. Como esta entidade trabalha com relatórios ambientais, o assunto é de forte interesse nos dias atuais.

Antes disto, o Iasb percebeu que o conceito pode ser útil para promover o julgamento das empresas na divulgação daquilo que é útil ou não. Ou seja, seria um conceito útil para tornar os relatórios mais concisos. É interessante que neste momento a entidade apelou para a materialidade – não a relevância. Seria a materialidade que ajudaria as empresas a incluir ou excluir dos relatórios determinados itens, preparando um guia prático, para ajudar neste sentido.

Entretanto, a iniciativa do Iasb não tinha a mesma importância dos pronunciamentos. Era, antes de tudo, um guia prático, em um ambiente que pode ser um pouco legalista. Um segundo aspecto é que o Iasb volta para o preparador, deixando com este a decisão do que o usuário irá encontrar nas demonstrações. E a atitude do regulador é contraditória já que muito do excesso de informação ocorre em razão das normas emitidas pelo próprio Iasb.

Mas isto não intimou o Iasb. O Conselho discutiu a necessidade de indicar as maneiras pelas quais as informações materiais são obscurecidas (DELOITTE, 2018):

a) usar uma linguagem vaga ou pouco clara

b) espalhar a informação em diferentes locais das demonstrações

c) fazer a agregação de maneira inadequada

d) fazer a desagregação de maneira inadequada

e) ocultar as informações com informações imateriais

Aguardemos os próximos capítulos

Referências

BEAN, LuAnn; THOMAS, Deborah. Materiality in CHATYFIELD, Michael; VANGERMEERSCH, Richard. The History of Accounting. New York, Garland, 1996

DELOITTE. IASB finalises amendments to IAS 1 and IAS 8 regarding the definition of materiality. In Iasplus, www.iasplus.com, 31 out 2018.

FRANCO, Hilário. A Evolução dos princípios contábeis no Brasil. São Paulo: Atlas, 1988.

FREEMAN, Robert et al. Governmental and Nonprofit Accounting. Essex: Pearson, 2014.

HENDRICKSEN, Eldon. Accounting Theory. Homewood, Irwin, 1982.

JONES, Stewart; AIKEN, Max. Evolution of early practice descriptive theory in accounting in JONES, S. The Routledge Companion to Financial Accounting Theory. Londres: Routledge, 2015.

KAM, Vernon. Accounting Theory. New York, Wiley, 1990.

KIESO, Donald; WEYGANDT, Jerry; WARFIELD, Terry. Intermediate Accounting: IFRS Edition, 4a. ed. Wiley, 2020.

MOONITZ, Maurice. Comments on “The Basic Postulates of Accounting”. The Journal of Accountancy, jan. 1963.

PREVITS, Gary; FLESHER, Dale. Financial accounting reporting in the United States of America – 1820 to 2010 in JONES, S. The Routledge Companion to Financial Accounting Theory. Londres: Routledge, 2015.

SILVA, César A. T.; RODRIGUES, Fernanda F. Curso Prático de Contabilidade. São Paulo, Atlas 2018. SCOTT, William. Financial Accounting Theory. Toronto: Pearson, 2015.

30 dezembro 2018

História da Contabilidade: Relatório aos Acionistas da Cia União - Parte 2

Há mais de dois anos fiz uma postagem sobre um relatório anual da Companhia União e Indústria. Eis um trecho que postei:

A estrada foi muito importante para o desenvolvimento da cidade mineira e representou a primeira rodovia que utilizou a técnica de pavimentação Macadame na América Latina. Para construir a estrada, Ferreira Lage contou com empréstimo externo (decreto 1.045 de 1859) e empréstimo externo (Decreto 2505. de 1859). Da estrada sobraram várias construções, incluindo pontes, viadutos e estações. A estrada faz parte dos sistemas rodoviários estaduais e federais: RJ 134, BR 393, RJ 131, RJ 151, MG 874, BR 267 e BR 040 (ex- BR3).

(...) O projeto de financiamento do empreendimento incluía empréstimos externos, aportes do tesouro e obras executadas por fazendeiros beneficiários da rodovia. (...) Em 1861 a Companhia União e Indústria faz algo diferente, ao divulgar um extenso relatório para assembleia geral dos acionistas. São 66 páginas que incluía não somente o balanço da empresa, mas também uma análise das obras da estrada que estava em construção, uma apuração do custo da légua (medida de distância, ainda hoje usada em alguns lugares do país), um detalhamento dos dois empréstimos decorrentes dos decretos citados anteriormente, uma apuração do resultado por trecho da estrada, entre outras informações. Ferreira Lage faz uma dissertação sobre a situação da empresa e das dificuldades encontradas na execução da obra.


Na verdade existe uma relatório anterior ao citado na postagem: o relatório apresentado para assembleia dos acionistas, em 31 de agosto de 1855 pelo diretor presidente. São 36 páginas de descrição do trabalho da empresa. Nele, Ferreira Lage dirige aos acionistas para contar o que foi feito pela empresa, incluindo as normas, o que se passava na estações de Juiz de Fora, Saudade e Barbacena, a dificuldades encontradas com a falta de recursos humanos e uma discussão sobre tecnologia. Neste último quesito, Ferreira Lage cita a questão da declividade da estrada: uma estrada com pouco declive significa uma estrada mais longa para encontrar uma região com menos montanhas. E uma crítica pelo fato do país não possuir estradas de ferro, mas sim um transporte baseado no carro de boi.

Na página 23 do relatório de 1855 Ferreira Lage chega a afirmar do custo alto de construção de uma estrada de ferro em relação o encontrado na Europa. Segundo a estimativa do presidente, o custo brasileiro seria de quase o dobro do existente na Europa.

O relatório é datado de 25 de julho de 1855. No apêndice tem um quadro descritivo de propriedades, terrenos e benfeitorias. O quadro é assinado pelo presidente da Camara Municipal de cada cidade:

Os abaixo assignados, sendo convidados pelo Director Presidente da Companhia - União e Industria - , afim de emittirem a sua opinião sobre as avaliações precedentes, declarão que, tendo perfeito conhecimento e bemfeitorias mencionadas no quadro suppra, são suas avaliações, não só exactas como em geral muito abaixo de seu valor real


E no quadro tem o termo “valor infimo presumivel”.

O relatório encerra, na sua última página, com o balanço da empresa. No lado do ativo, o balanço inicia-se com a conta “acionistas - importe de 9 prestações a realizar sobre 6000 ações emittidas” e logo depois as ações não emitidas. Incluem nestes ativos: máquinas e instrumentos, móveis, utensílios, gado, ajudas de custo, ordenados e despesas gerais. Do lado do passivo, inicia-se com o capital a realizar, capital realizado, obrigações a pagar, lucros e perdas. E terminar com algumas receitas da empresa. O balanço pode ser visto a seguir:

30 novembro 2018

Simplicidade e custo

O novo padrão de reconhecimento da receita parece que aumenta a complexidade da contabilidade. Nos Estados Unidos, o Fasb permitiu duas formas para implementar este padrão, que já está em vigor. Uma opção é fazer um retroscesso completo para os investidores referente aos três anos anteriores. O segundo, mais simples, não faz esta “comparação” histórica, mas determina que a contabilidade da empresa mantenha as duas formas de contabilização (a que existia antes e a atual) durante o ano de adoção.

Uma análise da escolha da empresa diz muito sobre a questão do custo da contabilidade. Parece que a maioria das empresas optaram pela abordagem mais simples de reconhecimento da receita.

Outra notícia é que o Fasb emitiu uma minuta para discutir os conceitos de materialidade, que inclui a questão do conceito e o escopo. Além disto a norma lista aquilo que deve ser considerado na aplicação do conceito.

14 setembro 2017

Luta pela materialidade

O International Accounting Standards Board (IASB), entidade que normatiza a contabilidade em mais de 100 países, emitiu orientações no sentido de reduzir o volume das demonstrações contábeis. Segundo afirmou a vice-presidente da entidade, Sue Lloyd, as empresas deverão divulgar o que interessa aos investidores e deixar de lado os pormenores. Ela citou um exemplo:

"Se eu sou um banco, as pessoas realmente se preocupam com minha propriedade, planta e equipamento?"

Ocorrendo isto, muitas páginas deixarão de serem divulgadas. O objetivo é fazer com que os relatórios anuais sejam mais concisos. E isto passa por uma mudança comportamental, afirmou Lloyd.

Em termos práticos, a proposta do Iasb passa por um guia sobre materialidade. A entidade está encorajando as empresas a aplicar julgamento, em lugar de um checklist. A entidade afirmou que “o conceito de materialidade é importante na preparação das demonstrações financeiras, pois ajuda as empresas a determinar que informação incluir ou excluir dos relatórios”. Isto também diz respeito a apresentação, reconhecimento e mensuração. Para isto, a entidade reguladora preparou o guia prático, com exemplos, para ajudar na decisão. E preparou também uma emenda ao IAS 1 e IAS 8, que ficará como minuta até janeiro de 2018.

Outro lado - A iniciativa do Iasb possui quatro grandes problemas, além do aspecto comportamental, citado por Lloyd. Em primeiro lugar, o guia prático não é obrigatório e não altera em nada as normas existentes. Por razões óbvias, as empresas possuem uma cultura legalista e a decisão do que evidenciar é sempre difícil na prática. Isto faz com que a abordagem do checklist é muito mais fácil e prática para o preparador da informação.

O segundo grande problema é que a decisão do que evidenciar passa a ser do preparador da informação. De certa forma é isto que ocorre. Mas temos que relembrar que a contabilidade é um sistema de comunicação e o Iasb está dizendo que o emissor da informação deve selecionar o que dizer. Parece ser muito mais razoável que a decisão do que gostaria de ler seja do usuário, não do preparador. Mas este poder de selecionar o que divulgar é uma tarefa inglória para o preparador, que exige poderes para que este profissional tome esta decisão.
O Iasb talvez tenha esquecido que nos últimos anos o custo de produzir e reproduzir uma informação caiu substancialmente. Assim, divulgar a forma de depreciação num banco tem um custo muito pequeno para uma instituição financeira. Os dois custos mais relevantes na contabilidade moderna são: (1) da publicação em jornais, que ainda é obrigatória em alguns países, e (2) do excesso da informação e dos seus efeitos colaterais, que o Iasb tenta combater com a “não divulgação”. Para o nosso terceiro problema existem alternativas, como focar na divulgação concisa de certas informações, com a possibilidade de um detalhamento para aqueles que desejarem.

O quarto problema é que muito do excesso de informação encontra-se nas próprias normas emitidas pelo Iasb. Por um lado, o regulador diz para reduzir a divulgação com baixa materialidade. De outro lado, emite uma norma do recuperabilidade onde recomenda uma evidenciação detalhada dos parâmetros usados. A conciliação entre os opostos deveria ser feita como lição de casa pelo regulador, antes de descentralizar a responsabilidade pelo problema para as empresas.

Comportamental - Sob a ótica do preparador da informação é muito difícil classificar o que seria material. Veja o exemplo do Instituto Ronald MacDonalds, que divulga suas ações em demonstrações financeiras concisas e bem produzidas. Talvez a maioria dos usuários aprove as informações divulgadas. Mas esta entidade não evidencia os números da contabilidade ou quando faz é de forma parcial. Isto sob o olhar complascente do auditor, que assina e aprova as demonstrações publicadas no site da entidade. Para um usuário as informações divulgadas estão adequadas; para outros, não.

No mundo digital, o usuário já possui ferramentas para selecionar o que é relevante. E existem intermediários que podem fazer esta análise. Qual o sentido de deixar para o preparador a decisão de fazer esta seleção? Se um pesquisador pretende estudar a taxa de depreciação utilizada pelas empresas, saber sobre o tratamento para uma instituição financeira pode ser importante para sua pesquisa.

Apesar de parecer uma medida adequada, focar a atenção na materialidade parece pouco produtivo. As normas estão cada vez mais longas e detalhadas. Permitir que o preparador escolha o que é material talvez traga mais problemas do que soluções.

04 janeiro 2016

Materialidade do Fasb

A proposta de mudança na materialidade, pelo Fasb, é objeto de consideração do NY Times (FASB Proposes to Curb What Companies Must Disclose):

But now, accounting standard-setters have proposed a new meaning for material information, one that some investors say will give far more discretion to companies in deciding what to disclose in their financial statements. The trouble with more discretion, the critics say, is that it usually means less information.

Com a proposta, o FASB pretende alinhar com a Suprema Corte e a SEC. O problema é que na prática:

In practice, investors say, that change will not only set too high a bar for what is material information, it will also effectively outsource to lawyers what is better left to auditors: disclosure decisions on accounting matters.

07 novembro 2015

Fato da Semana: Materialidade (45 de 2015)

Fato da Semana: Esta foi uma semana com muitos fatos. Se o leitor observar, nesta semana o blog comentou sobre o escândalo da Valeant , a divulgação de informação confidencial do Vaticano, a nova composição da SEC e as novas normas do CPC . Os dois primeiros realmente não foram fatos da semana (sendo que o segundo provocou muito debate no Face e nos comentários do blog) e os dois últimos talvez não sejam suficientemente relevantes para serem considerado um fato da semana.

A discussão sobre materialidade parece, mesmo, o fato da semana. Um texto de um periódico mostra como não existe convergência em torno deste conceito, as novas normas discutem este assunto e o fato de uma grande empresa estar divulgando um fato de uns poucos milhares de dólares também foi assunto. E uma pesquisa mostrou que a redução das notas explicativas não afetou a qualidade das demonstrações contábeis.


Qual a relevância disto? A discussão é importante por determinar que informação deve chegar ao usuário das demonstrações contábeis. Também é possível discutir sobre a própria solução apresentada pelo Iasb e outros reguladores que consideram que este conceito deve estar associado ao processo decisório do usuário. Mas como saber disto? Não conhecemos quase nada do usuário.

Positivo ou negativo? Positivo.

Desdobramentos - Precisamos discutir mais sobre este assunto. Num mundo com excesso de informação, coibir a produção de informação inútil é muito difícil. Temos ainda muito o que pesquisar.


06 novembro 2015

Materialidade

O quanto uma informação é vital para os investidores depende muito de como definir uma informação de “material” ou “imaterial”.

Como o CFO Journal informou na terça-feira, pelo menos meia dúzia de entidades de normatização, incluindo criadores de regras contábeis, SEC e bolsa de valores, possuem algumas diretrizes sobre quais informações devem ser apresentadas aos investidores e quando. (...) As empresas estão cada vez mais preocupadas com que tantas interpretações diferentes de materialidade seja parte do problema ele [Tom Quaadman] disse.

Aqui algumas das definições de materialidade de cinco diferentes reguladores:

Suprema Corte dos EUA:
Em 1976 o juiz Thurgood Marshall escreveu esta definição de materialidade na decisão TCS Industries, Inc. versus Northway Inc. e tem sido considerada nos casos de fraudes de valores mobiliários:

“An omitted fact is material if there is a substantial likelihood that a reasonable shareholder would consider it important in deciding how to vote.”

Comissão de Valores Mobiliários (SEC)
A SEC atualizou sua definição de materialidade ao longo dos anos para alinhar mais com a Suprema Corte. De acordo com a entidade de proteção dos investidores dos EUA a informação é material se:

“when used to qualify a requirement for the furnishing of information as to any subject, [materiality] limits the information required to those matters to which there is a substantial likelihood that a reasonable investor would attach importance in determining whether to purchase the security registered.”

Financial Accounting Standards Board (FASB)
O FASB recentemente propôs deixar seu próprio padrão de materialidade e adotar o padrão da Suprema Corte para deixar claro que materialidade é um conceito jurídico. O conceito atual:

Information is material if omitting it or misstating it could influence decisions that users make on the basis of the financial information of a specific reporting entity. In other words, materiality is an entity-specific aspect of relevance based on the nature or magnitude or both of the items to which the information relates in the context of an individual entity’s financial report. Consequently, the Board cannot specify a uniform quantitative threshold for materiality or predetermine what could be material in a particular situation.

International Accounting Standards Board
O Iasb está considerando alterar seu padrão de materialidade de forma que ele possa focar na informação “que possa ser razoavelmente esperada” para influenciar os investidores e explica que a materialidade pode ser aplicada como um filtro nas demonstrações financeiras. De acordo com a estrutura conceitual atual do Iasb para demonstrações financeiras:

“Information is material if omitting it or misstating it could influence decisions that users make on the basis of financial information about a specific reporting entity. In other words, materiality is an entity-specific aspect of relevance based on the nature and magnitude, or both, of the items to which the information relates in the context of an individual entity’s financial report.”

Public Company Accounting Oversight Board
Auditores e seus clientes corporativos, por extensão, também devem considerar a materialidade quando eles decidem como irão avaliar os livros de uma empresa. O PCAOB inclui a definição da suprema Corte dos EUA mas fornece suas instruções específicas para os auditores:

To obtain reasonable assurance about whether the financial statements are free of material misstatement, the auditor should plan and perform audit procedures to detect misstatements that, individually or in combination with other misstatements, would result in material misstatement of the financial statements. This includes being alert while planning and performing audit procedures for misstatements that could be material due to quantitative or qualitative factors.
…To plan the nature, timing, and extent of audit procedures, the auditor should establish a materiality level for the financial statements as a whole that is appropriate in light of the particular circumstances. This includes consideration of the company’s earnings and other relevant factors. To determine the nature, timing, and extent of audit procedures, the materiality level for the financial statements as a whole needs to be expressed as a specified amount.

Fonte: WSJ

04 novembro 2015

Materialidade

O problema da materialidade não foi solucionado com as normas contábeis. Pelo contrário, cada vez mais informações inúteis são divulgadas. Going Concern mostra o exemplo da AXA, uma empresa que possui um faturamento de 60 bilhões de dólares, mas é obrigada a divulgar qualquer atividade relacionada com o Irã ou Síria. A empresa seguiu a norma, informando que no ano fez o seguro da Embaixada do Irã em Berlin, com um prêmio de 13 mil dólares.

06 agosto 2015

Melhoria na Evidenciação

O Financial Executives Research Foundation (ferf) e empresa de auditoria EY estão conduzindo uma pesquisa, que pode ser respondida aqui, sobre as iniciativas que as empresas estão fazendo para melhorar as demonstrações. A pesquisa iniciou no dia 10 de julho e já apresenta alguns resultados interessantes, parcialmente divulgados aqui

Os respondentes indicaram que existe um esforço no sentido de melhorar as informações. A figura apresenta alguns destes resultados.Observe o destaque para três pontos: redução de informações desatualizadas, redução de redundâncias e de informação pouco expressiva. Também é interessante notar que 31% das empresas estão trabalhando na redução das narrativas; em seu lugar, mais figuras.

27 setembro 2012

Cruzeiro do Sul e Amostragem Básica

O problema com o Banco Cruzeiro do Sul (e o Panamericano) revela um erro crasso da auditoria do Banco Central no que diz respeito a amostragem. Veja o seguinte trecho de um artigo publicado na revista Exame:

Por que o BC nem desconfiou que havia milhares de créditos falsos ali? Isso começa a ficar claro agora. Segundo EXAME apurou, quase todos os empréstimos irregulares eram inferiores a 5 000 reais e, até o ano passado, o BC só analisava operações de crédito superiores a esse valor. Isso mesmo: foram cerca de 300 000 empréstimos propositalmente pequenos.
A regra de fiscalização mudou em 2011, depois de descoberta a fraude no banco PanAmericano, e passou a valer em janeiro deste ano — agora, operações superiores a 1 000 reais são analisadas. O BC voltou a se debruçar sobre os números do Cruzeiro em janeiro e, aí, os problemas começaram a aparecer a rodo.

Antes de avaliar a questão da amostragem é importante destacar que fica muito claro que o problema foi descoberto por acaso. A mudança na norma, reduzindo o limite para investigação do empréstimo. Caso contrário, o problema talvez fosse descoberto mais tarde, com um prejuízo ainda maior.

Mas a questão da amostragem é mais relevante. Existe vários métodos de determinar uma amostragem. O básico é a amostragem simples, onde as operações que seriam investigadas seriam sorteadas, com igual probabilidade de sair um pequeno empréstimo e um grande empréstimo. Claramente isto não é uma alternativa adequada para a auditoria.

Num processo de auditagem o normal é fazer uma segregação entre as grandes operações e as pequenas. Para as grandes, se possível usar a investigação em todas as operações ou usar uma amostragem maior. Para as pequenas, mesmo não sendo relevantes em valores, deve-se também fazer uma investigação.

O erro do Banco Central faz lembrar a distinção entre materialidade e relevância. Empréstimos de R$1500 não são materiais para serem investigados, mas podem ser relevantes, como o caso do Cruzeiro do Sul mostrou.