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08 fevereiro 2014

Norucongo

O leitor certamente achou estranho o título do artigo. Norucongo é uma nova palavra. Tive o cuidado de verificar no Google. A sua criação foi inspirada na Belíndia, conjunção da Bélgica e Índia, termo popularizado por Edmar Bacha em sua fábula O rei da Belíndia. Norucongo é a conjunção de outros dois países, a Noruega e o Congo. O quadrilátero se refere à forma geométrica do Distrito Federal.

Este texto é inspirado no documentário Noruega e Congo no centro do Brasil, de Camila Murugussa e Jhady Arana, que utilizaram dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Na excelente obra cinematográfica, é mostrado que temos a Noruega e o Congo dentro do quadrilátero.

A Noruega é representada pelo Lago Sul e o Congo pela Cidade Estrutural. A Noruega é o país que apresenta o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): 0,943. O Lago Sul supera o IDH da Noruega: 0,945. Por sua vez, a Cidade Estrutural tem IDH semelhante ao do Congo, país de menor índice do planeta: 0,286.

O IDH é baseado em renda, educação e saúde (expectativa de vida) e foi criado como contraponto ao indicador utilizado até então, o Produto Interno Bruto (PIB), que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento.

No Lago Sul, a renda per capita é de aproximadamente R$ 6 mil e a renda familiar de cerca de R$ 19 mil. Na Cidade Estrutural, a renda per capita é de R$ 300 e a familiar, de R$ 1.300. No documentário, especialistas — Julio Miragaya (presidente da Codeplan), Serguei Suarez, Herton Araújo e Marcelo Medeiros (pesquisadores do Ipea) — discutem a extrema desigualdade social do Distrito Federal, que é a maior entre as unidades federativas do Brasil.

No Lago Sul, 84% dos chefes de domicílio têm curso superior, ao contrário dos baixos níveis de escolaridade da Cidade Estrutural. A grande migração que vem ocorrendo no DF e região metropolitana é também um vetor importante para a construção desses cenários tão desiguais entre duas localidades separadas por uma distância de 20 km. Para agravar o problema social, os investimentos em infraestrutura (educação, saúde, segurança, transporte etc.) são maiores nas regiões cujos habitantes são de alta renda. Essa lógica perversa precisa ser revertida.

[...]

Fonte: aqui

07 janeiro 2014

Economia Brasileira


De costas para o mundo

Edmar Bacha, O Globo, 31/12/2013

O governo acaba de subir de 0,38% para 6,38% o imposto (denominado IOF) sobre cartões de débito, cheques de viagem e saques em moeda estrangeira. O objetivo é reduzir os gastos de turistas brasileiros no exterior, que agora, se quiserem se livrar do imposto, terão que comprar dólares em espécie, com todos os inconvenientes e riscos de serem assaltados que isso implica.

Trata-se de mais uma das desacertadas medidas de encarecimento dos bens e serviços importados que o governo vem adotando em resposta ao déficit das transações comerciais do país com o resto do mundo.

Quando um país tem um excesso de importações sobre exportações tão alto como o Brasil tem, o que ocorre é uma desvalorização de sua moeda em relação ao dólar. Mas o governo teme os efeitos dessa desvalorização sobre a inflação. Por isso, recorre a medidas tópicas de encarecimento de bens e serviços importados que acredita terem menor efeito sobre a inflação do que uma desvalorização da taxa de câmbio.

Outras medidas recentes desse tipo incluem um aumento das tarifas de importação de cem produtos selecionados, uma margem de preferência de 20% para as compras pelo governo de bens produzidos no país, sendo que, no caso de equipamentos hospitalares e medicamentos, a margem de preferência chega a 25%.

Além disso, multas e punições foram instituídas para a venda de equipamentos e insumos para a Petrobras e para a indústria automobilística que não obedecerem aos requisitos de conteúdo local determinados pelo governo. Da mesma forma que com o aumento do IOF sobre o turismo externo, o governo espera que com essas medidas os gastos dos brasileiros no exterior se reduzam, sem ter que desvalorizar o câmbio.

Apesar das medidas protecionistas adotadas pelo governo, o déficit nas transações externas do país continua aumentando. Além disso, a perspectiva de elevação dos juros nos EUA reduz a oferta de dólares para financiar esse déficit.

Em consequência, os agentes do mercado financeiro antecipam que, mais cedo ou mais tarde, o governo terá que deixar o câmbio se desvalorizar. Tratam então de comprar dólares para ganhar com a desvalorização futura esperada. O efeito dessas compras seria desvalorizar o câmbio hoje.

Mas nesse caso, também, o governo procura evitar a desvalorização, vendendo ao mercado financeiro um seguro contra a desvalorização futura, os chamados swaps reversos do Banco Central. Esse seguro tem como lastro as reservas internacionais do Banco Central. Entretanto, o saldo das vendas desse seguro está crescendo dia a dia.

No ritmo atual, estima-se que até o início de 2015 seu valor equivalerá a nada menos do que a metade das reservas internacionais. Trata-se de uma política insustentável, que não tem como prosseguir indefinidamente.

Em tom menor, é uma repetição do que vimos acontecer em 1986, quando o governo de José Sarney adiou para depois das eleições de novembro daquele ano os ajustes que se faziam necessários no Plano Cruzado. Quando esses ajustes foram feitos de forma mambembe no início de 1987, a hiperinflação tomou conta do país.

A hiperinflação não vai voltar em 2015, pois o país é outro, graças ao Plano Real e às reformas que se lhe sucederam. Mas, com as políticas equivocadas que o atual governo persegue em relação ao déficit externo, corremos o risco de haver uma maxidesvalorização após as eleições de outubro de 2014, seguida de forte contenção monetária e fiscal para evitar um aumento da inflação. Isso provocaria recessão e desemprego em 2015. Já vimos esse filme de terror acontecer em 2002 e 2003. E dele só saímos graças ao auge das commodities, que ocorreu a partir de 2004.

Mas pode ser ainda pior do que isso. Caso a atual presidente seja reeleita, dadas suas propensões intervencionistas, ela poderá não resistir à tentação que Lula teve no início de 2004, de abandonar as políticas de austeridade de Palocci e Meirelles e abraçar as alternativas favorecidas pelos economistas do PT.

O que esses economistas fariam para enfrentar a corrida ao dólar está anunciado em diversos artigos publicados por eles na imprensa — trata-se da centralização cambial. A flutuação do dólar seria abolida e se instituiria o monopólio do câmbio por parte do governo. Os dólares seriam racionados para atender às importações essenciais.

O resto das transações externas iria para o mercado negro, como ocorre hoje na Venezuela e na Argentina. Daríamos de vez as costas para o mundo, de forma consistente com a política de avestruz que o atual governo vem adotando desde a crise de 2009.

23 dezembro 2012

Brasil:baixo crescimento, inflação em alta, protecionismo e estatismo



O "pibinho" de 2011 tinha a desculpa de se seguir ao "pibão" de 2010. Na média, ainda estava de bom tamanho. Mas, face aos decepcionantes números do terceiro trimestre, a renda per capita pode até diminuir em 2012. Como se não bastasse, as expectativas de crescimento para 2013 se reduzem a cada rodada das projeções encomendadas pelo Banco Central.

Não é só o PIB que decepciona, mas também a inflação. Ano passado tivemos 2,7% de crescimento com 6,5% de inflação. Este ano deveremos ter 1% de crescimento com 5,7% de inflação - valor ainda superior à meta de 4,5%, que é elevada para o padrão de nossos parceiros comerciais.

O mundo lá fora também não anda bem. Mas quem anda realmente mal são os países industriais, especialmente a Europa. Os países emergentes mantêm taxas de crescimento superiores às do Brasil, com inflação mais baixa. E nossos vizinhos na América Latina vêm apresentando um desempenho econômico vigoroso, que parece ignorar as mazelas do mundo desenvolvido.

Precisamos olhar para nosso próprio umbigo para tentar decifrar de onde vem essa doença brasileira de baixo crescimento com inflação elevada.

Recapitulando. Desde o pós-guerra até 1980, o país sustentou taxas de crescimento admiráveis. Mas em 1981, houve um colapso da acumulação de capital, detonado pela crise da dívida externa. A ela se seguiu o descontrole inflacionário, a partir do fracasso do Plano Cruzado. O período entre 1981 e 1993 ficou conhecido como a grande década perdida, que durou até o dragão da inflação ser domado pelo Plano Real, em 1994.

Na falta de um ajuste fiscal consistente, a estabilização do Real se sustentou na âncora cambial e nos juros elevados. O ambiente externo não ajudou, com sucessivas crises no México, no Sudeste Asiático e na Rússia. Em consequência, o crescimento se manteve baixo. Após a crise cambial de 1998, um novo tripé de política econômica foi adotado: superávit nas contas primárias do governo, câmbio flutuante e metas de inflação. As contas externas melhoraram, mas o crescimento continuou a decepcionar.

Enquanto persistiu o "medo do Lula", o investimento não reagiu às reformas liberalizantes implantadas no governo FHC. Tudo pareceu mudar para melhor em 2005. O medo de Lula passou, as commodities entraram em ciclo de alta, o capital externo voltou a fluir para o país.
O crescimento se acelerou e até mesmo a crise financeira mundial de 2008-2009 pareceu ser uma "marolinha", pois o país dela se recuperou com galhardia em 2010. Desde então, entretanto, só dá "pibinho" atrás de "pibinho", sem folga na inflação. Que se passa?

Com o benefício do retrovisor, o que os números sugerem é que o sucesso do período 2005-10 explica-se por uma recuperação cíclica do investimento e do emprego, no contexto de uma enorme bonança externa.

No primeiro trimestre de 2004, o investimento fixo foi de apenas 15,3% do PIB. Essa taxa cresceu continuamente (exceto em 2009), até atingir 19,5% por cento do PIB no final de 2010.
No início de 2004, a taxa de desemprego estava em torno de 12%. Desde então, ela se reduziu ano a ano, até chegar a 5,3% em outubro de 2012.

A produtividade do trabalho se beneficiou da transferência de mão de obra de atividades informais para as formais. Investimento em alta, desemprego e informalidade em queda permitiram maior crescimento.

O crescimento desse período foi também sustentado por uma enorme bonança externa: preços das commodities em alta e forte entrada de capital externo.

Todas essas fontes de crescimento perderam força. O desemprego está no limite, conforme atestam as constantes reclamações de falta de mão de obra. Também a possibilidade de transferir trabalhadores das atividades informais para as formais se reduziu. A disponibilidade de mão de obra tende a limitar o crescimento do PIB como antes não o fazia. A bonança externa arrefeceu. Os preços das commodities estabilizaram-se quando não caíram. O financiamento externo se reduziu.

O potencial de crescimento do PIB passa doravante a depender da própria capacidade do país de elevar o investimento e aumentar a produtividade. Maiores estímulos à demanda somente tenderão a piorar a inflação.

Diversos fatores estão paralisando os investimentos. Proeminente entre eles está a dificuldade do governo federal de executar os investimentos programados no orçamento, exceto pela construção de moradias (que pouco agrega à capacidade de crescimento do país). "Não é dinheiro que falta, é a capacidade de execução", já disse a presidente da República a este jornal.

A execução estatal é ruim, mas igualmente danosa é a relutância do governo em transferir os projetos de infraestrutura para a iniciativa privada.

A privatização foi demonizada pelo PT e a presidente Dilma incorporou essa herança maldita. As licitações saem a fórceps e, quando saem, têm uma formatação inadequada - como ilustrado pelo caso do petróleo do pré-sal, das estradas federais, dos portos e aeroportos. As parcerias público-privadas, que deslancham em Estados e municípios (nas áreas de saneamento, saúde e segurança), no governo federal delas nem se ouve falar.

A esses fatores se soma o populismo de querer segurar a inflação com o controle de preços das estatais e das concessionárias de serviços públicos. Disso resulta perda de capacidade de investir, no governo e fora dele.

Se o investimento não ajuda, a produtividade também não. Há muitos fatores em causa, mas eles podem ser resumidos num só, porque os demais, de uma forma ou de outra, dele resultam: o Brasil é a economia mais fechada do mundo.

Isso se comprova nos dados do Banco Mundial, nos quais o país aparece com a menor relação entre importações e PIB entre todos os países para os quais esses dados existem. Igualmente, os números de 2010 da Penn World Tables, da Universidade da Pensilvânia, mostram que entre os 169 países considerados, o Brasil ocupa a 169ª colocação tanto no que se refere à penetração das importações no mercado interno quanto à participação da soma das exportações com as importações no PIB.
Mas nem precisaria de números, porque sabemos ser esse o país que na ditadura implantou a retrógada lei da informática (ainda parcialmente em vigência), uma das mais equivocadas políticas de substituição de importações de que se tem notícia na história.

Apesar de estarmos no país que menos importa no mundo em relação ao tamanho de seu PIB, tanto industriais quanto governo não cansam de lamentar a "invasão dos importados".

A presidente da República e o ministro da Fazenda ficaram famosos por cunhar expressões como "tsunami monetário" e "guerra cambial", sem falar no "dumping chinês". Recentemente, a presidente da República adaptou uma boutade do ex-ministro Delfim Netto para explicar que não queremos mais ser "o último peru no Natal [dos exportadores estrangeiros]".

O objetivo declarado da política industrial do governo - nas áreas da saúde e da eletroeletrônica, por exemplo - é reduzir o déficit comercial setorial.

Automóveis produzidos no país são beneficiados pela redução do IPI desde que cumpram estritos requisitos de conteúdo nacional. Parceiros internacionais da Petrobras na exploração do pré-sal têm que satisfazer uma rígida pauta de substituição de importações, sob risco de fortes penalidades. Produtos nacionais que obedeçam aos requisitos de conteúdo nacional podem ser vendidos ao governo com 25% de sobrepreço. Cem produtos tiveram suas tarifas de importação recentemente aumentadas e outros cem estão na fila. Os exemplos se multiplicam.

Mas não é só no governo. Estudo recente da Fiesp, por exemplo, assusta-se com o aumento dos componentes importados na produção agrícola e adverte: "Parte das importações é necessária, mas é preciso mensurar os riscos dessa crescente dependência. Nosso estudo é um alerta."

A atitude é que importar é coisa ruim, supostamente porque subtrai mercado à produção brasileira e reduz o emprego.

Trata-se de uma postura que privilegia problemas conjunturais de falta de demanda, de que não padecemos, em detrimento da necessidade, que temos, de participar mais ativamente do comércio internacional para o país poder voltar a crescer.

Carece fazer compreender que, nesses tempos de cadeias produtivas globalizadas, é a importação que faz a exportação.

A Embraer está aí para comprovar essa tese. Mas, no clima protecionista que impera em Brasília, dá até medo de arguir que a Embraer só é a potência que é porque importa 95% das peças dos aviões que produz. Mesmo porque a Embraer já sofre para comprovar que contabilmente consegue superar o índice de 60% de nacionalização do produto final exportado, sem o qual não teria acesso aos financiamentos do BNDES.

Entre as piores consequências do fechamento às importações está o fato de, há anos, os preços dos bens de capital subirem mais do que os preços dos bens de consumo e serem hoje muito superiores aos preços de seus similares internacionais, conforme documentado em pesquisas recentes. Vinicius Carrasco e João Manoel do Pinho Mello mostram que os vergalhões de aço custam duas vezes mais no país do que no resto do mundo.

Regis Bonelli e eu estimamos que o preço das máquinas nacionais é cerca de 30% superior aos similares importados. Como se não bastasse pouparmos pouco, o poder de compra dessa poupança é reduzido pelo elevado preço dos bens de capital produzidos no país, que resulta da falta de concorrência gerada pelo fechamento da economia às importações.

Enquanto o governo ambiciona fechar o país ainda mais, querendo produzir todas as partes de todos os produtos aqui dentro, no resto do mundo desenvolvem-se as cadeias produtivas internacionalizadas, através das quais os países se especializam não só em diferentes mercadorias e serviços, mas em diferentes etapas do processo produtivo. Essas cadeias se definem em três grandes regiões: a América do Norte, a Europa e a Ásia.

Na América do Sul, Chile, Peru e Colômbia tratam de nelas se integrar, pois já entenderam que é assim que se incorpora o progresso técnico e se aumenta a produtividade. Enquanto isso, na companhia de Argentina, estamos perdendo o trem da história. 

Precisamos dar um novo rumo à economia se quisermos aumentar o investimento e a produtividade. Por um lado é preciso romper com o estatismo. Por outro, com o protecionismo.Definir uma estratégia de integração competitiva do país à economia internacional, que tenha como metas reduzir a carga tributária das empresas à metade e dobrar a participação do comércio exterior no PIB.

Difícil imaginar que o atual governo abrace essa proposta, pois vem seguindo, com gosto, exatamente o caminho oposto. Quem sabe se, com os "pibinhos" se repetindo e a inflação continuando elevada, o país não resolve mudar de rumo nas eleições de 2014?


30 outubro 2012

Brasil rico, Brasil pobre


Editorial  Estado de S.Paulo - 28/10



O aumento da renda nos últimos dez anos proporcionou uma notável melhora no padrão de vida da maioria das famílias brasileiras, aproximando-o de indicadores de países desenvolvidos, se o que se leva em conta é a aquisição de bens de consumo. No entanto, como mostrou o jornal Valor (21/10), se o critério for o fornecimento de serviços públicos básicos, pelos quais o Estado é diretamente responsável, uma boa parte desses mesmos cidadãos ainda convive com situações típicas dos países mais pobres do mundo. Ou seja: quando depende da renda das famílias, o avanço dos brasileiros na direção do mundo do conforto é significativo; no entanto, quando há necessidade de investimentos estatais, as demandas mais óbvias de grande parte da população ainda estão muito longe de serem satisfeitas.

O Brasil é hoje o oitavo maior mercado consumidor do mundo, segundo o Fórum Econômico Mundial. Desde 2001, saltou de 85,1% para 96,3% o total de domicílios que dispõem de geladeiras. No caso dos televisores, o índice passou de 89% para 97,2%, e no de máquinas de lavar, de 33,6% para 51,6%. Quase 100% das casas agora têm fogão, e o número de residência com computador ligado à internet quadruplicou, chegando a 37,1%. Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esses dados têm relação direta com a redução da desigualdade de renda verificada no período. Houve expansão de 16% do rendimento médio real do trabalho entre 2001 e 2011, e esse crescimento foi mais acentuado entre os 50% mais pobres da população. Estudo da Fundação Getúlio Vargas indica que o ganho nessa faixa foi de 68% acima da inflação. Além disso, o total de trabalhadores com carteira assinada cresceu 48,1% entre 2003 e 2011.

Ao mesmo tempo, a oferta de crédito, capitaneada por bancos oficiais, passou de 25% para 51% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2002 e agosto passado, o que, ao lado do abatimento de impostos para reduzir os preços, também ajuda a explicar o aumento substancial da aquisição de bens duráveis. Com relativa estabilidade de emprego e de ganhos salariais, aliada ao crédito fácil e aos incentivos estatais, os brasileiros foram às compras.

No entanto, muitos desses consumidores da "nova classe média", que passaram a assistir a seus programas favoritos em modernas TVs de tela plana, são os mesmos que topam com lixo na porta de casa, que enfrentam esgoto a céu aberto e que não têm escola com qualidade ao menos razoável para seus filhos.

O IBGE mostra que cerca de 40% das residências brasileiras não dispõem de abastecimento de água e coleta de esgoto. A comparação com os países ricos é dramática: nos Estados Unidos, segundo o Valor, apenas 0,6% das casas não tinham água encanada e vaso sanitário com descarga em 2011. Ainda segundo o IBGE, 11% das casas brasileiras não têm nenhum tipo de saneamento básico e 5% convivem com lixo acumulado. E 40% dos logradouros não têm nenhuma identificação, de modo que seus habitantes não sabem dizer exatamente onde moram. O quadro é igualmente sombrio na educação. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de 2011 mostra que, no ensino médio, a maioria dos alunos não sabe ir além das quatro operações aritméticas nem consegue ler e escrever de modo satisfatório.

Tudo isso se reflete na capacidade do Brasil de competir por mercados. O último ranking do Fórum Econômico Mundial sobre o tema indica que o País, embora tenha subido cinco posições, para o 48.º lugar, ainda marca passo em indicadores-chave. No item "saúde e educação básica", por exemplo, o Brasil figura em 88.º lugar entre 144 países, perdendo 9 posições desde 2009.
Como se observa, lentamente estamos deixando de ser a "Belíndia", à qual se referiu o economista Edmar Bacha, em 1974, para designar a concentração de renda que gerou o abismo entre o minúsculo Brasil rico, isto é, a "Bélgica", e o enorme Brasil pobre, a "Índia". Agora, o País está mais para um "Engana", apelido dado recentemente pelo ex-ministro Delfim Netto para designar esse festejado Brasil que tem renda da Inglaterra (England), mas que ainda dispõe de serviços públicos de Gana.

14 agosto 2012

Desindustrialização: O Que Fazer?


Depois de se dedicar a debates como o combate à inflação, o economista Edmar Bacha, 70, quer saber por que a indústria brasileira está encolhendo. Um dos formuladores do Plano Real, Bacha reuniu 35 especialistas para ir além da explicação câmbio & juros, que, segundo diz, não são o problema verdadeiro. O resultado será publicado no livro "Desindustrialização: O Que Fazer?", organizado com a também economista Mônica de Bolle. Nesta entrevista, Bacha antecipa à Folha parte do diagnóstico sobre a desindustrizalização.


Quando o Brasil começou a se desindustrializar?

De 1980 até 2004/2005, houve um processo paulatino de perda da participação da indústria no PIB. E isso não preocupa. Porque, quando se comparava o Brasil com outros países, a participação da indústria era muito maior. Havia um excesso de indústria. O que discutimos é o que ocorre a partir de 2005, com especial preocupação a partir de 2010.

O que mudou?
A partir de 2005, o Brasil foi beneficiado por uma enorme entrada de dólares, provinda da melhoria dos preços das commodities que o Brasil exporta e de uma entrada muito forte de capitais. É uma grande bonança externa. E o efeito colateral dessa bonança é a desindustrialização.

É como uma doença?
Eu não acho que, necessariamente, seja uma doença. Você apenas alterou o padrão de produção da economia. Não tem ninguém doente. Veja o Brasil de hoje. A mão de obra está muito bem, superempregada e com salários muito altos, como nunca teve. Só quem não está empregando é a indústria. A indústria realmente vai mal, mas o Brasil vai muito bem.

Mas economistas sustentam que o crescimento está travado porque o setor industrial está em crise.

A economia está em pleno emprego. Por que a popularidade da Dilma está tão alta? Do ponto de vista do bem-estar, as pessoas estão muito bem. Há um problema que a economia não cresce. Mas o estrangulamento do crescimento ocorre porque os investimentos dos setores competitivos estão travados.

Que setores poderiam crescer e estão parados?

A construção civil, todo o complexo agromineroindustrial. Mas esses setores dependem muito de infraestrutura, e o que ocorre é que estamos travados por falta de infraestrutura, por falta de mão de obra qualificada.

Não vale a pena o governo tentar recuperar a indústria?

Não através do protecionismo, do crédito subsidiado, nem de medidas pontuais.
Estamos falando de recuperar a capacidade de concorrer e de termos uma indústria produtiva. Afora imposto, e de fato os impostos são extremamente elevados, uma das maiores travas para recriar a indústria é a política do conteúdo nacional. O governo, em vez de resolver, está ampliando. Eu sou a favor de acabar com a política de conteúdo nacional.

Mas o governo diz querer incentivar produtores locais.
É uma política míope, que resolve o problema localizado à custa de criar danos maiores para a economia. No pré-sal, por exemplo, a consequência dessa política, será que a gente não vai chegar ao pré-sal. Pergunta ao Carlos Ghosn, da Renault, por que ele não produz carro de boa qualidade no Brasil. Tendo que comprar tudo aqui dentro não dá. Protegem a indústria de componentes para criar o que chamam de "densificação da estrutura produtiva". O que é preciso é se integrar às cadeias produtivas internacionais.

Como?

Não tem que fazer todas as partes do produto aqui. O comércio internacional é crescentemente intrafirmas -multinacionais exportando para elas mesmas-, intrassetorial -exporta-se seda e importa-se algodão- e intraproduto -cada componente é feito num local e a montagem é feita noutro.É assim que a Ásia está se estruturando e é assim que o México está crescendo.

Qual o efeito para o Brasil?
Aqui, esse suposto nacionalismo fez com o Brasil se tornasse o país mais colonizado do mundo. A participação de multinacionais no PIB é extraordinariamente elevada. E por que elas não exportam? Porque é caro produzir aqui. E por que é caro? Porque têm que comprar tudo aqui dentro, não podem se integrar mundialmente, não podem fazer o que fazem na China. A gente não deixa.

Mas a China também paga salários mais baixos.
A indústria concorre com a natureza, e ela é pródiga. Portanto, nosso ponto de partida é mais alto. Somos como nos EUA. Eles sempre foram um país de salários elevados, têm agricultura e mineração pujante e conseguiram desenvolver sua indústria.

Mas eles também estão buscando retomar as indústrias que perderam.
A desindustrialização não é só brasileira. O mundo inteiro, exceto a China, está se desindustrializando. É como se de repente descobrissem a existência de Marte. A China é como se fosse Marte. Estava fechada, com um terço da população mundial, e agora se abriu. Temos que arrumar um lugar para ela.

Mas, se é um fenômeno mundial, por que o Brasil deveria atuar? E como teria êxito?
Não estamos dizendo para deixar a indústria cair. No Brasil, há um problema específico, a participação da indústria no PIB está caindo mais do que em outros países. Não é que não tenhamos que nos mexer. Ao contrário. Isso é um problema, mas o que está sendo feito é errado.
Temos sugestões, e uma delas é mudar a estrutura de importação, diminuindo os impostos para a compra de bens de capital e componentes. Tornar as indústrias mais produtivas para que se integrem à cadeia mundial, em vez de olharem apenas para o mercado interno. As avaliações sobre o problema são muito chã, é o câmbio, é não sei mais o quê...

Então não é câmbio valorizado e juros altos?
As pessoas acham que mexendo nisso vão resolver o problema. Isso é um equívoco. É preciso entender como isso ocorreu. Não é um monte de gente malévola que apreciou o câmbio e botou os juros na lua. Mas, ao focar juros e câmbio, perde-se a dimensão dos problemas reais e substantivos, que provocam a perda de competitividade.

Quais são esses problemas?
Quando houve a bonança, não teve jeito, houve muito ingresso de capital e o câmbio apreciou. O que fazer? Pôr uma barreira e não deixar entrar nenhum tostão? Fazer igual a Cristina Kirchner? Vai dizer isso para as empresas que precisam de capital e estão lançando ações.
Se existe uma bonança, vamos saber administrá-la. Frequentemente ela é tão boa que as pessoas deixam de fazer o dever de casa. E, quando acabam, só tem um buraco lá.

Economistas do governo afirmam que a bonança permitiu a emergência da classe C.

Poderia ter sido melhor. Mas eu não sou contra isso e não acho que o modelo foi apenas consumista. O investimento cresceu neste período. Mas também é fato que a reação à crise a partir de 2008 só aumentou o consumo.


A reação à crise agravou a desindustrialização?
A desindustrialização não veio porque as pessoas consumiram. Se, em vez de consumir, tivéssemos investido, importaríamos mais ainda. Não acho que veio daí.
As pessoas dizem que o investimento está fraco porque a indústria está fraca. Mas foi justamente quando a indústria enfraqueceu que o investimento aumentou, entre 2005 e em 2011, quando passou de 15% para 20% do PIB.

Qual é a sua explicação?
A indústria é só 15% do PIB. E os outros 85%, que vão muito bem? O Eike Batista deve ter investido.

Então, quais são os problemas reais da indústria?
A indústria é excessivamente tributada no Brasil, comparada com as indústrias estrangeiras. Isso é um problema. Outro é que a indústria tem pouca flexibilidade de comprar insumos de fora por causa dessa política de requisito nacional e das altas tarifas cobradas na entrada de bens de capital e insumos.

O governo está tentando manter um modelo de indústria que não funciona mais?
Eles têm uma mentalidade que talvez coubesse em 1950 e que já foi exagerado em 1970. Hoje é um absurdo. Querem pensar em indústria no país em função desse mercadinho interno que a gente tem, que é só 3% do PIB mundial. É também pensar pequeno a estratégia de curto prazo. Ficar tentando resolver o problema de cada setor, um a um. Está com problema o setor de componentes da indústria automobilística? Azar.


O governo não deveria salvar certos setores, como têxteis e calçados?

Existem muitas indústrias de tecidos no Brasil que vão bem. Muitos dizem: a indústria de calçados vai acabar. Mas nesse grupo tem uma empresa chamada Alpargatas [fabricante das Havaianas]. Há muitas empresas que dão a volta por cima. O processo de criação destrutiva é a maneira pela qual o capitalismo se desenvolve e permite a incorporação de novas formas de fazer as coisas. Essa política protecionista, de escolha de vencedores, constrange a capacidade produtiva a ficar aqui dentro, nesse rame-rame. É preciso olhar além da avenida Paulista [em alusão à Fiesp].