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29 junho 2009

Esta Estranha justiça brasileira

Os dois textos a seguir foram publicados há alguns meses no Estado de São Paulo. Entretanto, é revelador sobre a qualidade (ou a confiabilidade) da nossa justiça. A seguir o primeiro texto:

Bancos travam uma estranha disputa por R$ 1,1 bilhão na selva
David Friedlander
1 Março 2009
O Estado de São Paulo - p. b10

Processo envolve o grupo Arantes e grandes bancos do País, com trocas de acusações e um vaivém de decisões

Para chegar a Nova Monte Verde (MT), saindo de São Paulo, é preciso percorrer 1,6 mil quilômetros até Cuiabá, embarcar num bimotor e voar mais 750 quilômetros rumo a Alta Floresta, e ainda fazer os últimos 186 quilômetros em estrada de terra. Quando chove forte, muitos motoristas preferem voltar. Situada na entrada da Floresta Amazônica, com cerca de 8 mil habitantes, a cidade é tão carente que nem juiz próprio tem. Pois foi para esse lugar que um enorme grupo empresarial do interior de São Paulo, o Arantes, conseguiu arrastar a discussão de uma dívida bancária de R$ 1,1 bilhão.

Tão logo o processo chegou à cidade, um juiz itinerante mandou um grupo de bancos credores devolver cerca de R$ 120 milhões que o Arantes tinha perdido com derivativos de câmbio. Para o magistrado, seria a restituição de um pagamento indevido. O problema é que, segundo a versão dos bancos, o grupo Arantes nunca desembolsou o dinheiro que o juiz mandou devolver. Armada a confusão, a distante Nova Monte Verde transformou-se num endereço de suspeitas, manobras judiciais e conflitos que envolve um batalhão de advogados, juízes, desembargadores e os maiores bancos privados do país.

Dono das marcas Frigo Hans, Frigo Eder e Frango Sertanejo, o grupo Arantes é um dos maiores exportadores de carne do Brasil. Com sede em São José do Rio Preto (SP), tem fábricas e frigoríficos espalhados por cinco Estados e o faturamento chegava a R$ 1,6 bilhão por ano. No boom econômico dos últimos anos, os bancos competiam para fazer negócio com ele. Com a crise, o faturamento caiu, o crédito desapareceu e as dívidas deram um salto - puxadas principalmente por operações malsucedidas com derivativos de câmbio.

O Arantes entrou com pedido de recuperação judicial no início do ano. Procurou a Justiça em Nova Monte Verde, onde tem um dos frigoríficos, com a alegação de que lá ficava “o principal estabelecimento e administração central” do grupo. O pedido foi aceito, mas a própria promotora de Justiça encarregada de acompanhar o caso discorda da decisão. “O cérebro da empresa fica em São José do Rio Preto, claramente não é aqui. Esse processo deveria correr por lá, para não prejudicar os credores”, afirma Fernanda Pawelec Vieira, do Ministério Público de Mato Grosso.

Para os advogados dos bancos, a escolha da cidade seria uma manobra para tumultuar o processo. “Eles querem nitidamente é dificultar a defesa”, afirma Ociel Tavares, advogado de um dos bancos. “Estão aproveitando a distância e a precariedade do lugar”, diz o advogado Julierme Romero, contratado por outra instituição. Entre os principais credores do Arantes estão Bradesco, Itaú, Unibanco, Santander, HSBC e Deutsche. Procurados, a direção do grupo Arantes e seus advogados não quiseram falar.

CORRE-CORRE
Nova Monte Verde não tem juiz titular. Para aplicar a lei na cidade, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso improvisa magistrados de outras comarcas, que fazem um trabalho itinerante. Eles não têm data certa para aparecer e normalmente tratam de conflitos de terra, brigas entre vizinhos e processos criminais. Quando o processo da Arantes deu entrada, o juiz responsável era Wendell Karielli Simplício, titular de Cotriguaçu, a uma hora de balsa e outro tanto de estrada de terra. Por causa da distância, ele costumava aparecer na cidade de uma a duas vezes por mês.

No dia 30 de janeiro, Karielli Simplício manifestou-se sobre a dívida contraída pelo Arantes ao operar com derivativos cambiais, estimada em cerca de R$ 250 milhões. Ele determinou que o HSBC, o Real, o Deutsche e o BBM, entre outros, depositassem cerca de R$ 120 milhões na conta da Arantes Alimentos Ltda. Na interpretação do juiz, o Arantes teria pago essa quantia a mais quando liquidou suas aplicações em derivativos.

“Isso eu nunca vi: devolver algo que nunca foi pago?”, comenta o advogado Tavares. “Essa sentença criou uma situação descabida. A empresa entra em recuperação judicial e, em vez de pagar os credores, recebe dinheiro deles.” Segundo a versão dos bancos, o Arantes não teria desembolsado um tostão para cobrir seus prejuízos com derivativos. As próprias instituições teriam emprestado dinheiro para o grupo liquidar suas posições - trocando uma dívida imediata por outra de prazo mais longo. Procurado, o juiz Karielli Simplício disse que saiu do caso e preferia não se manifestar.

Com a decisão do juiz Karielli Simplício, os bancos se queixaram ao corregedor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, o desembargador Orlando de Almeida Perri. A corregedoria já investigava o juiz havia alguns anos, por acusações de venda de sentenças, de acordo com a imprensa local. “Estamos investigando, sim. Mas não posso dizer o motivo”, afirmou o corregedor ao Estado. Karielli também afirma estar impedido de comentar. “Posso dizer apenas que é um caso de 2004, não tem nada a ver com esse processo (do Arantes)”, disse o juiz.

A decisão de Karielli Simplício deu início a uma cascata de recursos. Primeiro, ele foi substituído por outro juiz, Roger Augusto Bim Donega. Este anulou a sentença do colega: dispensou os bancos da devolução do dinheiro e mandou o processo de recuperação judicial para São José do Rio Preto. Para reforçar sua decisão, o novo juiz anexou uma cópia do site do Arantes na internet - onde São José do Rio Preto aparece como sede administrativa do grupo. No dia seguinte, o Arantes tirou seu site do ar.
Dias depois, uma terceira mudança e a decisão do novo juiz foi derrubada. O desembargador Donato Fortuna Ojeda trouxe o processo de volta para Nova Monte Verde e, mais uma vez, os bancos receberam ordem para depositar dinheiro na conta do grupo Arantes. Três dias depois, a situação mudou pela quarta vez. Outro desembargador, José Silvério, deu liminar cancelando a decisão anterior e livrou os bancos dos depósitos para o grupo Arantes.

Todo esse corre-corre ocorreu em pouco mais de uma semana. Nesse período, o processo do grupo Arantes movimentou a região. Em Alta Floresta, advogados de São Paulo e de Cuiabá alugaram táxis ou aviões para ir a Nova Monte Verde. A ironia é que a única pista de pouso fica no abatedouro do grupo Arantes. “Nosso escritório tem avião, mas eu mandei nosso advogado de táxi”, diz o advogado Romero, que trabalha para um dos bancos. “Não ia pousar em território inimigo.”

Justiça brasileira

Não é preciso muito esforço para perceber que neste drama tem muito malandro. Sem entrar em detalhes sobre o assunto, um processo com este montante não pode ser discutido num local onde a justiça é tão precária.
O texto a seguir esclarece mais sobre o assunto.

Fax desaparece e bancos têm R$ 300 milhões bloqueados
David Friedlander
4 Março 2009
O Estado de São Paulo

Decisão que impedia o bloqueio em favor do grupo Arantes sumiu em cartório em MT
Os bancos credores do grupo Arantes, um dos maiores exportadores de carne do Brasil, acordaram ontem com cerca de R$ 300 milhões bloqueados pelo Banco Central. A medida é consequência do sumiço de um fax no cartório de Nova Monte Verde (MT), onde corre o processo de recuperação judicial do Arantes. O fax, enviado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, comunicava a suspensão de uma sentença anterior - que determinara o bloqueio do dinheiro para ser depositado na conta do grupo Arantes. Como o documento sumiu, o juiz do caso não ficou sabendo da suspensão e cumpriu a ordem de bloqueio, que já estava derrubada.

O TJ já confirmou que seu fax chegou ao cartório de Nova Monte Verde, mas ninguém soube dizer onde ele foi parar. A confusão chegou a tal ponto que o corregedor-geral da Justiça de Mato Grosso, Manoel Ornellas de Almeida, enviou um ofício ao BC avisando para desconsiderar qualquer pedido de transferência de valores em favor do grupo Arantes. No final da noite, advogados dos bancos diziam que a Justiça já tinha garantido que iria rever a decisão.

O vaivém do bloqueio representa o último capítulo da complicada disputa entre o Arantes e onze bancos em torno de uma dívida total estimada em R$ 1,1 bilhão. Entre os credores estão Itaú-Unibanco, Bradesco, Santander, HSBC e Deutsche.
No começo do ano, o Arantes conseguiu levar a recuperação judicial para Nova Monte Verde, cidade de 8 mil habitantes na entrada da floresta Amazônica, que nem juiz tinha. O caso tem muitos pontos polêmicos. Um deles é a própria escolha da cidade. Os advogados do Arantes afirmam que a sede do grupo fica em Nova Monte Verde e por isso escolheram a cidade.

Na realidade, o grupo Arantes é sediado em São José do Rio Preto (SP) e a unidade de Nova Monte Verde é uma entre os cerca de dez frigoríficos, abatedouros e fábricas do grupo no País. Segundo os bancos, a escolha da cidade não passa de uma manobra para atrapalhar a defesa dos credores.

Os bancos também reclamam da sentença que os mandou devolver mais de R$ 120 milhões que o Arantes tinha perdido com derivativos de câmbio. A ordem partiu do juiz Wendell Karielli Simplício, que respondia temporariamente pela comarca de Nova Monte Verde. Para ele, seria a restituição de um pagamento indevido. Pela versão dos bancos, porém, o grupo Arantes não havia desembolsado esse dinheiro.
Karielli Simplício foi substituído por outro juiz, Roger Donega, que entendeu que o processo deveria correr em São José do Rio Preto e suspendeu a ordem de devolução de dinheiro. Depois dele, houve mais duas decisões: um desembargador ordenou novamente a liberação do dinheiro, medida anulada em seguida por um outro desembargador.
De acordo com os advogados dos bancos, ontem à noite Donega teria determinado o desbloqueio do dinheiro e a remessa do processo para a Justiça de São José do Rio Preto.