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31 agosto 2013

Capital dos Bancos

O Financial Times publica uma opinião interessante sobre o capital dos bancos. Ao contrário dos artigos tradicionais, que defendem o aumento do capital exigido das instituições financeiras, o texto lembra da influencia sobre o volume de empréstimos:

Uma grande confusão marca a discussão pública sobre o sistema bancário, e, portanto, sobre a qualidade da própria política pública para o setor. Ela diz respeito à possibilidade de as exigências mais rígidas de capitalização dos bancos fazerem com que eles emprestem mais ou menos às empresas e consumidores.

A importância da resposta é evidente. Se for "menos", tornar os bancos mais seguros e impulsionar a economia por meio do crédito são mutuamente excludentes. Se for "mais", é sinal de que a boa política pública pode garantir tanto bancos mais seguros quanto um crescimento mais sólido.

A própria resposta deveria ser clara também. Mark Carney - que, como presidente do banco central britânico, ocupa o ápice da nova estrutura regulatória do Reino Unido, que determina o quanto os bancos tem de estar bem-capitalizados - abordou a questão em seu primeiro discurso público, esta semana. Num gráfico que merece mais atenção do que a que recebeu, ele mostrou que os bancos europeus que mais aumentaram a concessão de empréstimos (ou que menos a restringiram) em 2012 foram os percebidos pelos mercados como detentores do maior volume de capital. A maioria dos economistas não funcionários de bancos concorda que ter mais capital reduz os custos do dinheiro e, portanto, permite maior concessão de empréstimos.

O capital dos bancos não é uma reserva guardada para um dia de chuva. O capital é uma fonte de custeio para os bancos; ele não "concorre" com o crédito. O dinheiro custeado pelo capital pode ser emprestado exatamente como o dinheiro custeado por títulos.
Mesmo assim, a discussão política aborda essa questão como uma questão em aberto, o que leva a decisões políticas que visam equilibrar os dois pontos de vista. Daí a advertência de George Osborne, o ministro das Finanças do Reino Unido, contra "a estabilidade dos cemitérios" e a insistência do Tesouro britânico de que a regulação dos bancos a cargo do BC britânico leve em consideração o crescimento da economia. Daí, também, a forte resistência dos Estados Unidos a tentativas de elevar mais as exigências de capitalização.

Por que o nervosismo em torno da maior segurança dos bancos? Há três motivos pelos quais poder-se ia pensar que obrigar os bancos a aumentar seus colchões de capital resulte na redução da oferta de crédito para a economia. Mas um deles não é equivocado; o segundo é irrelevante; e o terceiro é inaceitável.

O motivo equivocado é a afirmação de que quanto maior for o nível de capital exigido, maior a parcela do capital do banco que ficará "engessada" e que não poderá ser emprestada a tomadores necessitados de recursos. Como destacou persistentemente Anat Admati, da Faculdade de Administração de Empresas de Stanford, o capital dos bancos não é uma reserva guardada para um dia de chuva. O capital é uma fonte de custeio para os bancos; ele não "concorre" com o crédito, que é parte de seus investimentos. O dinheiro custeado pelo capital pode ser emprestado exatamente como o dinheiro custeado por títulos.

O motivo irrelevante é o de que os coeficientes [de capitalização] podem ser alterados de duas maneiras diferentes. Quando os órgãos reguladores exigem relações mais elevadas de capital sobre ativos ponderados pelo risco (o coeficiente de capitalização) ou sobre o total de ativos não ponderados (o grau de alavancagem), essas exigências podem ser satisfeitas por meio do aumento do capital (o numerador) ou pela diminuição dos ativos (o denominador). Se os bancos acham pesado aumentar seu capital - e acham mesmo, porque isso dilui os acionistas existentes e diminui seu retorno sobre o patrimônio --, eles têm um incentivo para conseguir coeficientes mais elevados por meio da redução da quantia que emprestam (ou seja, seus ativos), em vez disso.

Mas nada obriga os reguladores a deixar os bancos saírem ilesos disso. Embora a regulação mundial e nacional de capital seja fixada em termos de coeficientes, os bancos podem cumprir níveis absolutos de capital também. O regulador competente - no Reino Unido, a Prudential Regulation Authority - pode, ao analisar a adequação de capital de uma instituição, traduzir o coeficiente num número em libras esterlinas, euros ou dólares de capital mínimo e exigir que esse nível seja alcançado independentemente da evolução do balanço patrimonial ao longo do período de análise.

Os órgãos reguladores sabem disso, mas não usam seu poder de maneira suficientemente sistemática; e, mesmo quando usam, os bancos ainda assim saem ilesos ao afirmar que isso os estimula a reduzir a concessão de crédito. Em sua comunicação com a opinião pública, os órgãos reguladores deveriam divulgar muito mais ruidosamente que eles exigem níveis absolutos de capital dos bancos. Isso pode ajudar a desacreditar pelo menos a percepção errônea de que as normas de capitalização fazem com que os bancos restrinjam a concessão de crédito.

Finalmente, o motivo inaceitável é o de que os bancos atuam no cenário político, tanto quanto no financeiro, e podem moldar seu comportamento de modo a atender finalidades políticas. Eles podem ameaçar um governo que impõe regulações mais rígidas com represálias dirigidas aos pontos mais sensíveis: na forma de aperto na concessão de crédito a uma economia cujo sucesso afete as chances de reeleição de políticos. Ameaças desse gênero nunca são feitas de modo explícito, mas com afirmações no seguinte sentido: "Compartilhamos de seu objetivo de garantir maior segurança na área financeira, mas será que vocês querem mesmo prejudicar mutuários e proprietários de pequenas empresas?" Reduzir a concessão de empréstimos é, no entanto, uma opção, não uma consequência automática. Uma discussão pública que entenda melhor isso porá a ameaça em seu devido lugar e procurará políticas públicas que a neutralizem. (Tradução de Rachel Warszawski)


Ignore o barulho dos bancos - Martin Sandbu - Valor Econômico - 30/08/2013 (grifo do blog)

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