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07 março 2013

Protecionismo

"Protecionismo isolará indústria nacional" / Entrevista / Rubens Barbosa
Diplomata afirma que país está perdendo o bonde dos acordos de comércio globais

PATRÍCIA CAMPOS MELLO DE SÃO PAULO
Folha de S. Paulo, 1/03/2013

As medidas protecionistas do governo deixam a indústria brasileira cada vez mais isolada. Esse é o alerta de Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp. "Daqui a 10 ou 15 anos, a indústria vai estar produzindo só para o mercado interno."
Segundo Barbosa, que foi embaixador brasileiro em Washington (1999-2004), o Brasil não se inseriu nas cadeias produtivas globais, que integram indústrias de vários países, e perdeu o bonde dos acordos de comércio.
Os EUA acabam de anunciar o início das negociações de um acordo comercial com a União Europeia, e já estão negociando com vários países latino-americanos a adesão à Parceria TransPacífico.
 
Folha - O sr. afirma que o Brasil está excluído das cadeias produtivas globais. Por quê?

Rubens Barbosa - Nos últimos 20 anos, o comércio internacional têm incorporado cadeias produtivas globais. A Embraer é a única empresa brasileira que participa dessas cadeias -no avião produzido aqui, a asa pode vir do Chile, os componentes eletrônicos dos EUA, o trem de pouso de outro país. O país precisa estar integrado em acordos regionais ou bilaterais, que têm regras não previstas pela OMC.
Há regras de investimentos, serviços e compras governamentais, que garantem o investimento, a propriedade intelectual, serviços, que esses países vão absorver.
Quando o Brasil, a China e a Rússia acordarem, as regras estarão todas formuladas e incorporadas nos acordos comerciais. E não haverá negociação, o Brasil vai se ver obrigado a aceitar.
 
Como isso afeta países como China, Brasil, Índia e Rússia?

Pode ser que o mercado interno garanta uma sobrevida para a indústria, mas nós podemos perder exportações destinadas à Europa e aos Estados Unidos se eles formarem esse acordo.
 
Mas os EUA e União Europeia já têm tarifas muito baixas. Então o que muda com esse acordo?
 
Vão dizer que nossos produtos não se encaixam nos "standards" deles; os padrões podem ser usados como barreiras não tarifárias.

A lógica seria o Brasil pelo menos se inserir na cadeia produtiva no Mercosul e na América Latina, não?
Se inserir não, montar uma cadeia produtiva. A gente não tem cadeia produtiva nem com a Argentina.
O alto protecionismo atrapalha porque o investimento não é feito para produção e exportação.

Você é da Fiesp; criticar as medidas de proteção à indústria não é contraditório?
Não estou criticando, são corretas, mas de curto prazo, não são suficientes.
Daqui a 10 ou 15 anos, a indústria brasileira vai estar produzindo só para o mercado interno.

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Proteção improdutiva
Editorial Folha de S. Paulo, 1/03/2013

Após elevar tarifas para ajudar a indústria nacional, Fazenda ameaça baixá-las para tentar coibir previsíveis aumentos de preços

"Cuidado com o que você deseja." O dito célebre não deve ter ocorrido ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, quando decidiu elevar tarifas de importação para uma centena de produtos, em 2011, e engendrar uma desvalorização do real de cerca de 30%, em 2012.
O desiderato ministerial era proteger produtos nacionais, ao diminuir a concorrência de importados no mercado interno e baratear bens brasileiros no exterior. Mas o resultado tem sido mais inflação -como não poderia deixar de ser.
Quase nada mudou no país em matéria de custos e competitividade. Em várias frentes, como a despesa salarial e a logística, houve até uma piora. Nessas condições, a manipulação de tarifas e câmbio -algo que se pode justificar em situações especiais e transitórias- serviu mais para dar aos setores selecionados um privilégio: a oportunidade de cobrar mais.
Portanto, não é de surpreender que tarifas maiores para importados resultem em alta de preços. Não se trata de efeito colateral, mas de uma consequência direta do protecionismo, prevista em qualquer manual de economia.
Para o consumidor, obrigado a pagar mais pelo produto antes importado, o prejuízo é evidente. A proteção à indústria só pode trazer ganho para o país se for capaz de induzir, no médio prazo, ganhos de escala e produtividade.
Eis que o ministro se mostra, agora, agastado com a consequência previsível de suas próprias ações. Em entrevista ao jornal "Valor Econômico", ameaçou baixar tarifas de setores que estiverem "abusando" nos preços.
A ameaça parece orientar-se pela presunção de que o comportamento empresarial seria visceralmente incompatível com o bem do país. Não é algo novo no Brasil, que já teve congelamento de preços e os inesquecíveis "fiscais do Sarney". Prevalece o instinto intervencionista do governo federal, que deveria ocupar-se mais com a estabilidade das regras e menos com ações discricionárias.
O nível de proteção no país sempre foi alto, maior que a média de países comparáveis, e os preços internos são o dobro do que se pratica no mercado internacional. Mas a produção não deslancha.
Entre 2006 e 2012, a produtividade da indústria cresceu apenas 10%. Em contraste, os custos salariais quase dobraram (em dólares).
A única forma de reduzir preços domésticos e, ao mesmo tempo, melhorar o desempenho da indústria é incrementar a competitividade. Não com tarifas arbitrárias e câmbio aos solavancos, mas com mais produtividade e menores custos internos. Os gargalos são conhecidos: energia, infraestrutura, educação e inovação

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