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11 março 2013

Originalidade, plágio e criptomnésia



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Eis a tese do neurocientista Oliver Sacks em ensaio magistral para o "The New York Review of Books". Sacks não se ocupa de Nabokov, claro, embora o título do seu texto seja, ironicamente, um evocação do escritor ("Speak, Memory"). Sacks está interessado em analisar o fenômeno da "criptomnésia", que por vezes se confunde com o rasteiro "plágio".

Um erro, avisa Sacks. "Plagiar" é roubar de forma intencional e consciente o trabalho intelectual de terceiros. Mas "criptomnésia" é outra coisa: esquecermos as fontes do que lemos, deixando que a memória construa a sua própria "originalidade" sobre elas.

Isso é recorrente no trabalho intelectual e não existe autor -de Shakespeare a Coleridge, de Milton a T.S. Eliot- que não tenha apresentado como seus os conceitos, as ideias e até as frases que nasceram de outras penas esquecidas.

Mas a "criptomnésia" não precisa do trabalho literário para tiranizar a nossa memória. O próprio Sacks relata uma experiência da sua juventude na Inglaterra, durante a Segunda Guerra, que nunca foi uma experiência real. Sim, ele julgava ter escapado a dois bombardeamentos nazistas. Até escreveu sobre eles com impressionante vivacidade.

Mas foi preciso o testemunho de um irmão mais velho para que a "verdadeira verdade" substituísse a "subjetiva verdade": ele, Oliver, experienciou o primeiro bombardeamento, não o segundo. Do segundo, lera apenas a respeito -e o impacto dessa leitura fez com que a memória diluísse a fronteira entre a "verdade histórica" e a "verdade narrativa". Ou, melhor dizendo, a "verdade narrativa" transformou-se em "verdade histórica".

A nossa memória é ambígua porque toma como verdade o que por vezes não foi verdade. Incorpora experiências, ou ideias, ou conceitos que não são radicalmente nossos. Mas que se oferecem como nossos quando as pegadas da originalidade já desapareceram do nosso areal interior.

Será isso uma fraqueza, que no limite impede qualquer criação ou recordação "autênticas"?
Longe disso, escreve Oliver Sacks: a "criptomnésia" é fundamental para qualquer atividade criativa. Se o nosso cérebro fosse um arquivo rigoroso, catalogando cada experiência ou referência com precisão mecânica, nós seríamos incapazes de funcionar ou criar. Não pela consciência insuportável de que nada é nosso.

Mas pelo motivo mais básico de que todas as informações, mesmo as mais desprezíveis, ocupariam todo o "espaço" mental.

Paradoxalmente, criamos porque esquecemos. E esquecemos, de forma ainda mais paradoxal, o que a nossa memória registrou como significativo para nós: um reservatório de conhecimentos ou encantamentos onde iremos voltar um dia -anos depois, décadas depois- para construir as nossas "originalidades".

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