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09 novembro 2012

Rossi

Embora esteja num setor em que investidores e analistas acabaram se acostumando com ajustes contábeis, tamanho o número de casos de estouros de orçamento e também de distratos, as mudanças feitas pela Rossi tiveram natureza diferente.

Ao todo, foram seis ajustes de práticas contábeis, que tiveram efeito líquido negativo de R$ 715 milhões no patrimônio líquido da empresa em junho.

A Rossi tentou explicar as mudanças em teleconferência com analistas no dia 4 de outubro. Mas diante da surpresa e da falta de detalhes, as perguntas foram poucas.

Os balanços oficiais auditados, que permitiriam um entendimento melhor do assunto pelo público externo, e também a elaboração de outros questionamentos, só foram divulgados dias depois no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na véspera do feriado do dia 12 de outubro — a publicação em jornais ocorreu em outro feriado, o de Finados.

Assim, persistem no mercado algumas dúvidas sobre o caso. Por que a Rossi seguia esse método diferente das demais? Por que isso foi aceito por vários anos, e agora não mais?

A empresa deu a entender que a mudança do critério teve como motivo a troca do auditor antigo, a Ernst & Young Terco, pela Deloitte, que assumiu depois do rodízio obrigatório. Mas, no primeiro trimestre deste ano, a Deloitte já era a auditora da Rossi e emitiu parecer sem fazer nenhuma menção sobre o tema.

Também não foi explicado por que a BDO RCS foi contratada para auditar os balanços republicados de 2009 a 2011, e não nenhuma das outras duas.

O Valor tem tentado desde então uma entrevista com a Rossi para obter esses e outros esclarecimentos. Mas dias depois de ela mesma marcar uma data para a entrevista, a empresa alegou que no dia agendado estaria em período de silêncio (limitação autoimposta pelas empresas, já que nenhuma regulamentação da CVM trata disso) e enviou uma nota por e-mail.

Na teleconferência, a empresa explicou que os ajustes se dividiam em dois grupos. Um deles, de R$ 610 milhões, estava ligado principalmente à mudança no critério de reconhecimento de receita e à venda de participações societárias com retenção de riscos, que causaria diferenças apenas temporais, com as contas se reequilibrando ao longo do tempo.

A outra parte do ajuste, que representou uma perda de R$ 105 milhões, não teria volta. Seria, portanto, um baixa efetiva.

Em sua apresentação, a empresa disse que essa segunda baixa estava relacionada à capitalização indevida de juros. O balanço oficial diz que esse ajuste na verdade foi de R$ 171 milhões, sendo parcialmente compensado por outras correções, resultando, de forma líquida, nos R$ 105 milhões citados acima.

A dúvida que ficou foi sobre essa segunda parte. No caso das incorporadoras, a capitalização de juros consiste em atrelar um financiamento ao custo de formação do estoque. Em vez de tratar os juros de um empréstimo como despesa financeira, a empresa considera esse valor como parte do custo do ativo. Assim, o gasto é diferido e só entra no balanço quando a receita de venda daquele estoque é registrada.

Segundo a empresa, “a capitalização de juros acima do previsto provém de uma maior classificação de passivos como dívida de projeto”. Em nota, a Rossi disse que, com uma revisão dos limites passíveis à essa classificação, “decidiu realocar dívida de projeto (cujos juros podem ser capitalizados e diferidos) para passivos corporativos (não passível de capitalização de juros)”. Ao mesmo tempo, a companhia destacou que toda a dívida estava consolidada, mesmo nos balanços antigos.

A dúvida que fica é por que a empresa tratou esse ajuste como definitivo, ou sem volta.

Isso porque uma despesa financeira reconhecida agora deixará de aparecer como custo dos produtos vendidos no futuro. Ou seja, o efeito deveria ser neutro ao longo do tempo.

Segundo uma fonte graduada na área de contabilidade que não quis se identificar, “está faltando uma perna” na explicação apresentada pela empresa. O Valor insistiu na questão, mas não obteve mais esclarecimentos.

Os valores que aparecem nos balanços reapresentados como ajuste na linha de despesas financeiras também não batem com a diferença de R$ 171 milhões no patrimônio que teria esse acerto como motivo.


Mudanças contábeis da Rossi ainda deixam dúvidas - 8 de Novembro de 2012 - Valor Online - Fernando Torres | Valor

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