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23 setembro 2012

Cruzeiro do Sul

Há alguns dias,depois de três meses atuando como interventores do Banco Central no Cruzeiro do Sul, [Antonio Carlos] Bueno [diretor do FGC] e o diretor Celso Antunes jogaram a toalha: era impossível vender a instituição, que tinha um buraco patrimonial de R$ 2,3 bilhões. Só restava liquidá-la. Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, eles revelam por que ninguém quis o banco da família Índio da Costa.

Além da fraude de R$ 1,6 bilhão na carteira de crédito, o banco tem um “passivo oculto” impossível de quantificar. São multas da Receita Federal, que hoje totalizam R$ 1,2 bilhão, mas que podem aumentar, por sonegação em empresas prestadoras de serviços ao banco. Cinco interessados entraram no processo: Itaú, Bradesco, BTG Pactual, Alfa e Santander — só o último negociou com o fundo depois de analisar os números. Todos queriam garantias contra novos passivos fiscais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Por que o Cruzeiro do Sul nao foi vendido?
ANTONIO CARLOS BUENO - O tempo foi curto demais para ajustar o balanço e vender. Os bancos tiveram menos de 20 dias para examinar e decidir. Não era uma venda fácil, porque o Cruzeiro já vinha de uma fraude de R$ 1,3 bilhão, superior ao patrimônio, é muita coisa. O interessado fica pensando, será que não tem mais R$ 1 bilhão de operações inconsistentes? E se eu abrir o armário e sair uma girafa de lá?

CELSO ANTUNES - O banco tinha passivos ocultos imensuráveis [1]. Há dois processos da Receita Federal, notificações de valores muito altos, questionando o não recolhimento de impostos de uma empresa que prestava serviços ao banco. A responsabilidade é imputada ao banco porque ele foi indiretamente beneficiado. Tem uma notificação de R$ 900 milhões, para a qual provisionamos R$ 455 milhões [2a]. Há mais investigações da Receita relativas a outras empresas para as quais não há notificação.

É um passivo fiscal de bilhões de reais?
ANTUNES - Pode chegar a bilhões. Claro, você pode fazer uma boa defesa contra a Receita, ganhar e não dever nada. Provisionamos o que se tem registro, de maneira conservadora [2b]. Os bancos queriam garantia de que não haveria nada que não estivesse ali. Como dar uma garantia de algo que é desconhecido?

Quando vocês entraram já se sabia disso?
ANTUNES - Não. Apareceu quando a gente estava lá.

No PanAmericano não havia essa insegurança?
ANTUNES - Os bancos são incomparáveis. O modo de agir do Cruzeiro é diferente, não só na fraude. No estilo de contabilização, o dono do Cruzeiro era mais agressivo, ia no limite da interpretação da regra.

Quando começou a fraude no Cruzeiro do Sul?
ANTUNES - A data exata não se sabe, mas é pelo menos em 2005. Nós checamos todos os ativos registrados contra as entradas de dinheiro na tesouraria. Chegamos a centenas de milhares de empréstimos sem entrada financeira correspondente ao pagamento de parcelas. Era tudo propositalmente abaixo de R$ 5 mil para evitar a fiscalização. Os créditos estavam lá até 2005, que é até quando o sistema tem informação. Agora o Ministério Público está apurando desde quando. Para nós, é suficiente: se o cara matou com uma ou 25 facadas, o crime é o mesmo.

A fraude foi feita no Rio?
BUENO - Isso era feito no ‘backoffice’, que fica no Rio de Janeiro. Três pessoas tinham conhecimento da fraude, o dono, Luis Felippe [Índio da Costa] e dois diretores. Falaram para um cara da tecnologia, inclui esses contratos aqui, não me pergunta o que é, você é obrigado a fazer. Ele ia lá e fazia. A gente conversou com todos esses caras, perguntamos o que tinham feito de estranho. Um deles contou que recebeu um arquivo para colocar os dados no sistema. Ele ficou com medo e guardou. Quando abrimos o arquivo, estavam ali as operações fraudulentas.

O Luis Octavio [Índio da Costa, presidente do Cruzeiro e filho de Luis Felippe] sabia?
ANTUNES - O Luis Octavio gaguejou, ele olhou para mim chorando numa sala de reunião e disse: Celso, eu sei que você não acredita, mas eu não sabia disso tudo. Duvido que ele não soubesse de nada, talvez imaginasse um valor menor.

Havia anos que os investidores [3] não perdiam dinheiro numa quebra de banco. O que mudou?
BUENO - Banco quebra, no mundo todo, toda vida. Tentamos evitar, mas nem sempre é possível. Nosso limite é o risco do Fundo, neste caso era de R$ 2,5 bilhões. É quanto vamos pagar.

ANTUNES - O investidor não pode ficar relaxado, achando que banco não quebra nunca. O investidor estrangeiro reclama, mas quanto ele estava recebendo nos bônus em dólar? O banco pagava 8,5%, 8,75%, isso é risco. Ele não ganharia isso se comprasse um papel do Banco do Brasil. O FGC não vai salvar todo mundo, ele tem um limite. Se acharmos que esse banco vai quebrar outros cinco, a gente gasta o que for necessário. Não era o caso do Cruzeiro.

No PanAmericano, o risco sistêmico era tão maior?
BUENO - Sim. O momento da economia no mundo era complicado, a gente não queria aqui um Lehman Brothers. A fase mais aguda da crise que começou em 2009 não tinha acabado. Além disso, tinha um ponto jurídico complicado. Havia um sócio, que era a Caixa, que ainda não tinha autorização do Banco Central. O depositante poderia dizer, eu entrei aí porque a Caixa anunciou que era sócia, se o BC não autorizou, não é problema meu. O segundo ponto era, não dava para liquidar o banco e fazer só uma ‘perna’ da liquidação. Você liquidaria o acionista privado, mas não pode liquidar o governo. A lei não permite fazer isso, você não pode penhorar bens de governo.

Muito se especulou com as ações do Cruzeiro durante a intervenção...
BUENO - No mercado só tem bandido, quero dizer, não tem vestal no mercado. E tem o bandido vendido e o comprado. Muitas vezes não havia negociação e tinha gente que plantava, dizia ao jornalista que tinha uma informação segura de que o banco estava vendido. O cara faz isso e dá a ordem de venda das ações ou do bônus. [4]

ANTUNES - Quem compra a ação tem de entender a operação que está sendo feita. Se o Santander tivesse comprado, quanto o cara ia ganhar com a ação? Zero. Essa ação já era pó. O cara tinha uma ação de banco com patrimônio negativo de R$ 2,3 bilhões.

Todo mundo que comprou foi otário?
ANTUNES - Fez um péssimo negócio. Antes da intervenção as ações custavam R$ 13 e pouco, era um número que ele [Índio da Costa] manipulava, comprava e vendia para manter o preço lá em cima. Aí teve a intervenção e ela caiu para R$ 1,80.

Seis bancos quebraram nos últimos dois anos. O modelo de negócios especializado em consignado tornou-se inviável?
BUENO - Poucos bancos quebraram aqui [5]. Nos Estados Unidos foram 1,2 mil entre 2008 e 2009. O problema não é o consignado, que tem inadimplência desprezível e a carteira é líquida, fácil de vender. O problema do Cruzeiro era de credibilidade. Ele já tinha problema para conseguir dinheiro no interbancário. O mercado, embora feito por bandidos, é sábio. Se você vende uma carteira e apropria o resultado imediatamente, e paga dividendos, o mercado vê. Se você pega a mesma carteira, antecipa o resultado e coloca no capital do banco, o mercado também vê.

ANTUNES - O problema é a gestão. Se houver ganância, não dá certo [6].

Há risco sistêmico hoje?
BUENO - Não existe [7]. Temos 165 instituições no Brasil, para dizer que há risco sistêmico teria que acontecer algo que repercutisse em pelo menos 30 ou 40.

A fiscalização é falha? Por que há tantas fraudes?
ANTUNES - A fraude é feita para não ser detectada. No Cruzeiro, o sistema tinha filtros. Se o BC ou o auditor pediam uma posição, só mostrava o que podiam ver.

BUENO - O problema é que a fraude gera um lucro sobre o qual se pagam dividendos, impostos, bônus para os executivos, mas não gera caixa. O banco precisa tomar dinheiro e pagar cada vez mais caro. Por isso vira uma bola de neve, ele faz um resultado, paga imposto sobre um negócio que é falso, ele precisa de um resultado de 100, vai fazer 150 porque 40 vai para o imposto. O Índio da Costa vai dizer que não é isso, vai pegar o balanço que a gente fez e vai detonar, mas é isso. [8]

Houve tratamento diferenciado de credores durante a intervenção?
BUENO - De jeito nenhum, nós só seguimos a lei. Se você deu sorte de o seu CDB vencer durante a intervenção ou se você tinha liquidez diária, recebeu tudo. Os credores externos não receberam porque não tinham garantias e não havia nenhum vencimento naquele período. Eu fico incomodado com isso, gente que se deu mal e quer que todos se deem mal também. Desgraça de todos é alegria de bobo. Ficam querendo dizer que houve benefício como se fosse o crime da mala. Aqui não tem esperto, não estamos aqui para beneficiar A ou B. Se o cara tem garantias, o recebível é dele. Como é que você vai desagiar se a garantia é do cara? É da lei, é da natureza da operação. Enquanto estávamos lá, tinha muita gente que queria aplicar, mas a gente recusava.

ANTUNES - Muito investidor externo reclama sem razão. Eles receberam o mesmo tratamento do investidor local, a oferta foi igual. Mas, claro, quem tinha Depósito com Garantia Especial (DPGE) não foi penalizado, é verdade. Esse depósito tinha garantia de R$ 20 milhões do FGC, que a gente tinha que honrar, os bônus externos não tinham.

O resultado final frustrou?
ANTUNES - Acho que não. Eu fiquei triste, e não foi pouco, não. Passamos muitas noites em claro trabalhando, fizemos toda a limpeza, detectamos a fraude. Não se pode tentar convencer um comprador a assumir um risco maior do que ele está disposto. Não podíamos administrar o risco do Cruzeiro, a não ser que escondêssemos o que sabia, e isso a gente não faz. Não queremos levar problemas para outro banco.


O novo rombo bilionário do Cruzeiro do Sul - Tatiana BAUTZER - Isto é Dinheiro

Meus comentários
[1] Este termo não é bom. O passivo talvez não estivesse evidenciado, mas não era "não mensurável"
[2] Existe uma contradição aqui. Alega ter provisionado de forma conservadora, mas não o fez com o valor total.
[3] Aqui o texto se refere aos correntistas e aplicadores, não aos investidores acionistas.
[4] Achei estranho esta afirmação. Ele estaria lidando com bandido?
[5] Esta é uma comparação infeliz. No Brasil os bancos são nacionais, com atuação em vários estados. Nos EUA existem milhares de instituições financeiras, muitas delas com atuação local ou regional. São modelos diferentes. Além disto, no Brasil existe uma política clara de evitar a quebra dos bancos.
[6] Isto contradiz Max Weber !!! Weber ressalta a importância do que os entrevistados chamam de "ganância".
[7] "Parem as máquinas". Revolução na teoria de finanças!!! Não existe risco sistêmico no Brasil mais! Isto contradiz tudo que Markowitz disse. Para este financista, o risco sistêmico é inerente ao mercado e não será possível eliminá-lo.
[8] Não respondeu a questão.

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