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30 junho 2011

Fato Relevante


(...) A categoria de informações úteis pode ser classificada como comunicado ao mercado ou aviso aos acionistas. São informações como calendários de eventos e esclarecimentos prestados pelas companhias sobre consultas formuladas pela CVM.


A informação relevante deve ter tratamento diferenciado e destaque na divulgação, no site da CVM e publicação em jornal de grande circulação, com o título Fato Relevante.


Esse tipo de informação está submetido a uma formalidade específica. Suas regras seguem a Instrução 358, publicada pela CVM em 2002.


Segundo a norma, considera-se como fato relevante qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral, dos órgãos de administração ou qualquer outro ato ou fato político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro que possam influenciar na cotação das ações e na decisão do investidor de comprar, vender, manter ou exercer quaisquer direitos inerentes à sua condição de titular dos papéis.


A não divulgação e a publicação de informações incompletas em fato relevante pelas companhias com ações em bolsa respondem por um índice relativamente alto de processos julgados pela CVM nos últimos anos.


A pedido da reportagem do Valor, a autarquia fez um levantamento e constatou que 19 casos que envolvem esses tipos de problemas foram julgados pelo colegiado no período entre 2006 e 2010. O volume responde por aproximadamente 6% do total de 295 processos julgados pela CVM. Além disso, no mesmo período, 82 acusados, em 34 processos, celebraram termos de compromisso por causa da infração.


Falhas na comunicação sempre foram algo recorrente no mercado de capitais. No começo de junho, por exemplo, a Suzano divulgou um comunicado revisando as projeções de investimentos, feitas em 2008, e adiando a data de início da operação de duas fábricas de celulose.


A unidade de Piauí deve entrar em operação no primeiro semestre de 2016. A data prevista era o fim de 2014. A fábrica do Maranhão voltou ao cronograma original, que prevê a partida em novembro de 2013. O prazo previsto era o início de 2013.


É a típica situação que merece fato relevante, diz o especialista Ricardo Rochman, coordenador do mestrado profissional de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo. A revisão de orçamento e o atraso na entrega das fábricas têm o poder de impactar o preço das ações, porque os analistas e investidores consideraram essas informações na hora de estimar projeções e os resultados futuros da empresa.
Por meio da assessoria de imprensa, a Suzano informa que preferiu divulgar comunicado porque a empresa já tinha feito publicação em fato relevante, em 2008, no anúncio do plano de investimentos. Ainda segundo a assessoria, a revisão de investimentos e a postergação do início da operação das fábricas seriam uma atualização do andamento do processo.


A empresa não considerou relevante; o mercado, sim. As ações da Suzano encerraram o pregão no dia da divulgação do comunicado com queda de 2,96%. Até quarta-feira, acumulavam uma retração de quase 20% no mês.


No caso da Lojas Americanas, a informação sobre o empréstimo de R$ 200 milhões foi divulgada em ata da reunião do conselho de administração da B2W, no dia 7 de dezembro. A ata informa que a B2W faria uma emissão de debêntures não conversíveis em ações, dia 22 de dezembro de 2010, com prazo de vencimento em seis anos. O documento não diz, porém, que a Lojas Americanas faria a subscrição integralmente.


A implicância dos investidores com a Lojas Americanas foi ainda maior por causa das condições do empréstimo à B2W.


O custo da operação foi equivalente à taxa de 111,5% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), o juro interbancário que serve de referencial para as aplicações mais conservadoras. Na ocasião, a Lojas Americanas tinha empréstimo de capital de giro a taxas que chegavam a 145% do CDI.


Se a Lojas Americanas tinha dinheiro em caixa, devia tê-lo usado para pagar as linhas de financiamentos mais caras do capital de giro, diz um investidor que não quis ser identificado.


Procurado para comentar a forma de divulgação, o executivo Murilo Corrêa, diretor de relações com investidores da Lojas Americanas, diz que a empresa agiu conforme a lei. Foi uma operação privada, que não exigiu esforço de venda, diz Corrêa. Fizemos o que está previsto na lei. A informação está na ata do conselho e no formulário de referência.


Sobre a finalidade dos recursos do caixa, Corrêa explicou que a taxa cobrada da B2W foi mais interessante que aquelas propostas pelos bancos para a Lojas Americanas antecipar o pagamento de empréstimos.


Consultada para justificar por que preferiu divulgar as informações sobre a operação em ata do conselho, a B2W informou que a operação de emissão de debêntures privadas da empresa se revestiu de todas as formalidades legais pertinentes, além de ter sido divulgada como exige a lei.


Procurada para comentar se investidores abriram reclamações contra o aporte dos R$ 200 milhões, por não divulgação de fato relevante, a CVM informa que não comenta casos específicos envolvendo companhias com ações em bolsa.


No emaranhado de anúncios que chegam à CVM, há casos de companhias que adotam a política de publicar quase tudo como fato relevante. A OGX, empresa de petróleo e gás do empresário Eike Batista, é o exemplo mais simbólico disso. Desde que abriu o capital, em 2008, a companhia divulga fato relevante sobre todas as etapas de exploração.


É uma estratégia de marketing. A OGX é pré-operacional e quer dar publicidade sobre o seu progresso. Mas uma enxurrada de fatos relevantes pode fazer com que o investidor despreze as informações mais importantes, diz Rochman, da FGV. A OGX não quis se pronunciar.


A rival Petrobras, por outro lado, divulga fato relevante apenas das reservas comprovadas. Encontrar indícios de petróleo não significa descoberta, diz o executivo Almir Barbassa, diretor financeiro e de relações com investidores da estatal. A base do fato relevante é a materialidade. A empresa não pode fazer expectativas a partir de indícios. Apesar dos cuidados, as informações da Petrobras são públicas no site da Agência Nacional do Petróleo.


O texto da reportagem (É relevante?, Denise Carvalho, Valor Econômico, 24 jun 2011, p. D1) está interessante. Aqui uma pesquisa sobre a legibilidade dos fatos relevantes no Brasil. Recentemente, o autor desta postagem concluiu uma pesquisa, juntamente com uma aluna de graduação, Ana Paula Ribeiro Lopes, sobre o número de divulgações de fatos relevantes. Neste estudo mostrou-se que empresas que tem uma "tradição" em divulgar fatos relevantes são mais propensas a fazer a publicação dos fatos relevantes.

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