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03 fevereiro 2011

Panamericano

O texto abaixo é muito claro: o grande ganhador da operação do Panamericano foi Silvio Santos. O texto explora bem a questão da matemática financeira da operação:

Imagine que você tem uma dívida de R$ 2.000 no cartão de crédito que ficará congelada por 17 anos, pois a operadora abre mão dos juros. Isso não existe. Em qualquer financiamento de carro ou imóvel, o consumidor sempre acaba pagando pelo menos o dobro do valor inicial. Mas, segundo as primeiras informações, a venda do banco PanAmericano, de Silvio Santos, para o BTG Pactual contou com uma matemática financeira incomum. A dívida estimada em R$ 3,8 bilhões ficou congelada, com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) - criado pelos bancos com um percentual das aplicações dos poupadores, para cobrir perdas de correntistas em caso de quebra de instituições financeiras - abrindo mão de juros ou da simples correção pela inflação.

Na operação, o BTG pagará R$ 450 milhões, corrigidos anualmente a 110% do CDI, o que em 17 anos cobriria os R$ 3,8 bilhões, de acordo com o que se divulgou. Só faltou dizer que, em 17 anos, em nenhum outro lugar os R$ 3,8 bilhões serão R$ 3,8 bilhões. Nos cálculos menos conservadores, o valor atualizado seria de quase R$ 25 bilhões.

Na opinião do economista Miguel de Oliveira, da Anefac (associação de executivos de finanças), a explicação para esse tipo de operação atípica é que os bancos calcularam que perderiam ainda mais caso o PanAmericano quebrasse e preferiram abrir mão da receita.

- Os grandes contribuintes são os grandes bancos e eles provavelmente tinham dinheiro investido em carteiras no PanAmericano. Se o PanAmericano quebrasse, eles perderiam esse dinheiro - afirma.

Outra hipótese, afirma o próprio Oliveira, é que os grandes bancos tenham ficado com medo dos efeitos que uma quebra de confiança poderia gerar entre os pequenos e médios bancos.

- Eles podem ter pensado no prejuízo que teriam com a quebra do PanAmericano, as dificuldades dos pequenos e médios bancos para captar caso houvesse uma desconfiança em relação a eles - considera.

Em uma simulação de matemática financeira, se o valor de R$ 3,8 bilhões fosse apenas corrigido pelo IPCA, índice oficial de inflação, no centro da meta de 4,5% ao ano, em 2028 a atual dívida mais que dobraria.

- Se atualizássemos o valor da dívida pelo centro da meta oficial, para manter o mesmo poder aquisitivo, seriam necessários cerca de R$ 8 bilhões - afirma José Dutra Vieira Sobrinho, professor de Matemática Financeira. - É claro que é preciso saber quais são as condições dadas de pagamento, mas alguém está assumindo o prejuízo e esse alguém é a sociedade.

Se considerarmos uma inflação mais robusta, dois pontos percentuais acima, mas ainda dentro da meta (6,5% ao ano), o valor da dívida saltaria para R$ 11,08 bilhões, praticamente três vezes o valor da dívida atual. Mesmo em um exercício em que o governo doma com folga a inflação, com um IPCA médio em 2,5% ao ano, o valor da dívida também seria elevado para ao menos R$ 5,8 bilhões.

Supondo que os R$ 3,8 bilhões fossem não apenas corrigidos, mas também aplicados em um investimento conservador, como renda fixa ou um título do Tesouro Nacional, com rendimento médio mensal de 0,8% com juros sacados apenas ao fim dos 17 anos, a dívida resultaria em um rendimento de quase R$ 20 bilhões, pelos cálculos de Oliveira, já descontado o valor do Imposto de Renda.

- A operação ainda está muito nebulosa, mas, mesmo por um investimento conservador, está claro que a dívida renderia mais - diz Oliveira.

Se o valor da dívida do PanAmericano fosse aplicado na poupança, o professor de finanças do Ibmec Gilberto Braga calcula que somaria R$ 15,768 bilhões em 17 anos. Já um investimento pouco mais agressivo, com rendimento de 1% ao mês, traria aos cofres do FGC um valor líquido de R$ 24,589 bilhões. (A matemática financeira peculiar que congelou a dívida do PanAmericano
Clarice Spitz - O Globo)

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