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09 fevereiro 2010

A Crise na Toyota

Crise da Toyota ressalta limites do sistema japonês
Jeff Kingston, Especial para, The Wall Street Journal - 8/2/2010

Há um provérbio no Japão que diz: “Se algo está fedendo, bote uma tampa”. Pelo jeito, parece que essa foi a abordagem da Toyota para sua crise de segurança. Primeiro ela negou e minimizou os problemas com freios que não freiam e aceleradores que fazem o que bem entendem. O presidente Akio Toyoda, neto do fundador, passou duas semanas sem dar as caras e a empresa não pareceu muito transparente em relação a problemas de segurança importantes, arriscando-se a perder a confiança de clientes no mundo inteiro.

A crise tem sido um pesadelo de relações públicas para a Toyota, cuja marca era sinônimo de qualidade e confiabilidade. Gestões de crise não podem ser piores que esta e o custo do problema até agora — os US$ 2 bilhões iniciais do recall e a perda de 17% do valor de mercado desde 21 de janeiro, quando foi anunciado o recall do pedal do acelerador — é só a primeira prestação do custo final. O recall provavelmente vai se expandir para os carros produzidos no Japão. Vários processos têm surgido e cresce a expectativa de indenizações custosas. E ainda por cima há as fábricas ociosas e as concessionárias vazias.

Não surpreende que a reação da Toyota tenha sido inepta e procrastinada, porque administração de crises é algo extremamente subdesenvolvido no Japão. Nas últimas duas décadas, não consigo lembrar de nenhum momento em que uma empresa japonesa tenha conseguido administrar bem uma crise. O padrão já é conhecido demais e geralmente envolve resposta inicial lenta, minimização do problema, lentidão para retirar o produto do mercado, falta de comunicação com o público e pouquíssima compaixão pelos consumidores afetados por seus produtos. Seja com televisões que explodem, eletrodomésticos incendiários, leite contaminado ou rótulos falsos, as empresas prejudicam as pessoas quando se esquivam da responsabilidade até as provas se acumularem e as forçarem a revelar o problema e reconhecer tardiamente a responsabilidade. Os custos de tanta negligência são baixos no Japão, onde as indenizações por produtos defeituosos são ridículas ou inexistentes.

Uma exceção que chama a atenção em meio a esse histórico de parcimônia com os clientes envolve farmacêuticas que continuaram vendendo sangue contaminado a hemofílicos, infectando muitos deles com o vírus da aids na década de 1980. O governo sabia do problema e não preveniu uma crise de saúde pública que era evitável. Depois de o governo passar anos negando o problema, o atual ministro da Fazenda, Naoto Kan, que era ministro da Saúde em 1994, finalmente revelou documentos provando que o governo deixou que as farmacêuticas continuassem vendendo sangue contaminado, para que não perdessem mercado para empresas estrangeiras cujos produtos eram seguros. Ao fazer isso, ele abriu o caminho para indenizações relativamente generosas e um humilde pedido de desculpas dos executivos das farmacêuticas, que se curvaram coletivamente numa demonstração de arrependimento pelas vítimas.

Mas o que acontece normalmente é que os interesses dos produtores pesam mais que a segurança do consumidor.

As empresas japonesas normalmente tentam encobrir ou distorcer os fatos, e as pessoas a cargo de se comunicar com a mídia e o público muitas vezes não têm as informações necessárias para cumprir a tarefa. A falta de uma estrutura que encaminhe rapidamente informações confiáveis para a diretoria prejudica uma resposta adequada ao problema. Isso deixa a diretoria despreparada para lidar com questionamentos da imprensa e transmite uma imagem de indiferença e má vontade em solucionar o problema.

Existe um fator cultural nessa tendência de não conseguir administrar as crises. A vergonha de admitir um recall num país obcecado com qualidade e habilidade técnica dificulta a transparência e o reconhecimento da responsabilidade. E uma empresa respeitada como a Toyota tem muito a perder, pois sua imagem empresarial é que está em jogo. O vexame de fabricar carros defeituosos deveria ser problema de outras montadoras, não da Toyota, e o atual desastre de relações públicas revela como a empresa está despreparada para administrar crises, e também como está envergonhada. A identidade dos empregados está ligada à imagem da empresa e lealdade à empresa é mais importante que as preocupações com os clientes.

Também há uma cultura de deferência nas empresas que dificulta que os que estão embaixo na hierarquia questionem os superiores ou informem os problemas a eles. O foco no consenso e no coletivo facilita o trabalho em equipe, mas também dificulta desafiar o que já foi decidido. Motivações culturais como essas não existem só no Japão, mas têm muita força na cultura empresarial japonesa e representam impedimentos significativos para prevenir e reagir a uma crise.

A crise é uma oportunidade para a Toyota reformar sua cultura empresarial e melhorar o controle de qualidade. Ela pode conseguir isso se concentrando mais no cliente e num fluxo de informações e de comentários de mão dupla; melhorando a governança com a indicação de conselheiros externos e independentes; e tornando a gestão de risco mais que uma ação tardia. A situação ainda pode ser revertida, mas isso significa eliminar as restrições de uma cultura empresarial antiquada e impressionar as pessoas com um recall perfeito e um esforço excepcional de revisão e atendimento após a venda. Mas já surgem os primeiros indícios de que a Toyota não é mais a empresa ágil que conquistou o mundo nos últimos cinquenta anos.

Quando Toyoda assumiu o comando da empresa, em meados de 2009, não conseguiu transmitir a impressão de que conseguiria resolver os problemas de excesso de capacidade e da necessidade de depender menos do mercado americano e aumentar a presença na China, na Índia e no Brasil. Uma série de sucessos, principalmente com o Prius, pode ter tornado a montadora um pouco complacente e eliminado fatores que a ajudaram a crescer desde a década de 1970, como o pioneirismo na redução do consumo de combustível e a excelência em qualidade. Recuperar essa vantagem para conquistar mercados em crescimento promete ser uma transição difícil para a Toyota.

O modelo japonês de cooperação entre as empresas e o governo criou um milagre econômico, mas perdeu o gás. A Década Perdida de 1990 está entrando na terceira década e já desacredita os detentores do poder.

Os eleitores derrotaram no ano passado o conservador Partido Liberal Democrata, no governo durante muito tempo, e passaram a apoiar os ataques do Partido Democrático aos poderosos e sua enorme influência no país. O público quer ideias novas para enfrentar os problemas enormes do Japão, como a desigualdade crescente, o grande índice de pobreza (acima de 15%), desemprego dos jovens, o subemprego e o baixo índice de natalidade atribuído a uma sociedade que não favorece a formação de famílias. Mas o Partido Democrático perdeu impulso devido a escândalos de financiamento de campanha que lembram toda a corrupção da era do PLD. O primeiro-ministro, Yukio Hatoyama, tem sido pressionado a demonstrar mais transparência e a punir os culpados, uma vontade que se estende ao mundo empresarial.

Com a recuperação judicial da Japan Airlines, dívida pública equivalente a 200% do PIB, problemas na aliança militar com os Estados Unidos e desânimo até mesmo no mundo do sumô, com a polêmica aposentadoria de um grande lutador da Mongólia, os problemas da Toyota pioram ainda mais um 2010 já marcado pelas dificuldades. A autoconfiança nacional está em baixa há algum tempo, mas, em meio à crise prolongada, as pessoas ainda podiam se orgulhar do sucesso de multinacionais respeitadas como a Toyota. Nenhuma outra empresa representava melhor do que ela a habilidade industrial do país, e seus problemas são uma surpresa desagradável.

A imprensa japonesa adotou uma abordagem um pouco minimalista para a notícia. Aqui em sua terra natal, a Toyota parece que tem conseguido administrar o noticiário muito melhor do que nos EUA, e tanto a imprensa quanto o governo têm se mantido circunspectos sobre o assunto. Mas na sexta-feira o ministro dos Transportes, Seiji Maehara, que não tem papas na língua, declarou abertamente que a Toyota negou a existência do problema e que, na sua visão, não foi suficientemente sensível à situação dos consumidores. Mas ele não autorizou uma investigação sobre os defeitos na segurança dos veículos, diferentemente dos políticos americanos.

Também na sexta-feira, Toyoda finalmente realizou uma entrevista coletiva, duas longas semanas depois de anunciar um recall nos EUA devido a problemas de segurança com o acelerador. Toyoda tentou salvar a situação pedindo desculpas aos clientes em todo o mundo pelo incômodo.

A entrevista coletiva foi uma tentativa malsucedida de tranquilizar os clientes e diminuir o impacto de depoimentos marcados para quarta-feira nos EUA.

Os defeitos foram apresentados inicialmente como um problema criado nos EUA, mas agora os defeitos no projeto atingiram a terra natal e motivam novos questionamentos sobre os famosos círculos de controle de qualidade da Toyota.

Para o país e a empresa, muita coisa depende de restaurar a reputação da Toyota. Tem surgido nos últimos anos um número alarmante de casos em que os produtos japoneses não atingem o alto padrão que o mundo e o próprio povo japonês esperam deles. Em alguns cantos isso é visto como um indicador do declínio do país, que estaria sem rumo e em decadência.

O Japão não pode ser complacente com a qualidade de seus produtos e a estagnação na produtividade, especialmente diante da bomba demográfica em gestação no país. Uma população que envelhece e encolhe ao mesmo tempo precisa fazer mais com menos recursos. O país precisa aumentar o valor e a produção per capita para sustentar uma população crescente de idosos. E isso significa manter o passo com concorrentes como a Coreia do Sul, que está pronta para substituir o Japão no que ele tropeçar.

A revitalização da Toyota seria um cenário positivo que pode significar muito para a combalida identidade nacional, ajudando a recuperar a reputação do Japão como um gigante do setor industrial, onde a atenção aos detalhes é o padrão e não uma dúvida.

Um comentário:

  1. Por anos e anos o "zero erro" vem sendo ambicionado pelas empresas mais conceituadas do mundo, por onde analisado pela razão é altamente improvavel, toda produção passa pela mão humana e inquanto isso ocorrer...
    zero "zero erro"

    Tecnico em mecanica, americana - sp

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