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17 janeiro 2010

Vale no Canadá

Vale sofre desgaste em divisão canadense
Folha de São Paulo - 17/1/2010

Após adquirir a Inco em 2006, mineradora brasileira recebe críticas de sindicalistas e enfrenta greve no país
IAN AUSTEN - DO "NEW YORK TIMES", EM SUDBURY, ONTÁRIO (CANADÁ)

Em julho de 2009, os 3.300 trabalhadores sindicalizados que trabalham nas profundezas das minas de níquel de Sudbury, controladas pela Vale Inco, fizeram algo de incomum: entraram em greve, mesmo cumprindo licença temporária.

Mesmo pelos padrões de uma cidade mineira com um longo histórico de disputas trabalhistas, os seis meses de paralisação pela ala canadense do United Steelworkers of America são excepcionais, e não apenas por sua duração. Para muitos observadores no Canadá, a greve se tornou um símbolo dos percalços surgidos quando o governo permite que grandes empresas do país caiam sob controle estrangeiro.

Mesmo antes que a brasileira Vale concluísse a aquisição da Inco, em 2006, já havia debate generalizado no Canadá sobre o "esvaziamento" do setor empresarial do país.

A Inco havia tentado criar uma gigante nacional da mineração ao fazer uma oferta pela Falconbridge, empresa rival. Mas o esforço frustrado resultou na tomada do controle da Inco, uma das mais conhecidas empresas do Canadá, por uma companhia brasileira que poucos conheciam e da qual muitos desconfiavam.

"Por mais que brigássemos com a Inco, as pessoas sempre tiveram orgulho de trabalhar na mineração. Agora, esse orgulho parece não existir mais", diz John Fera, presidente da divisão local do sindicato e cuja família trabalha na empresa há três gerações.

Mudança

Depois de uma série especialmente amarga de greves, a partir de 1985 a Inco adotou uma nova abordagem e abriu sua contabilidade interna ao sindicato, uma decisão que serviu para evitar ao menos uma greve. Também abriu suas contas aos fornecedores.

Porém, não muito tempo da aquisição pela Vale, houve uma mudança, segundo o professor de administração de empresas Jean-Charles Chacon, da Universidade Laurentian, em Sudbury. "Eles retornaram ao que eu chamaria o estilo antiquado. O que significa não contar coisa alguma a pessoa alguma."

Fera disse que o sindicato não só perdeu o diálogo com a empresa como percebeu um recrudescimento das medidas disciplinares contra seus integrantes. Os dois fatores, diz o dirigente, combinaram-se para criar um ambiente tenso quando começaram as negociações do segundo trimestre de 2009.

No começo do ano passado, a Vale Inco anunciou que prolongaria por dois meses adicionais o fechamento de um mês de suas operações de níquel no Canadá, uma decisão que colocou até 5.000 funcionários em licença involuntária.

A empresa alegou estoques excessivos e preços baixos para o níquel no mercado. Na quarta-feira, o sindicato apresentou queixa formal contra a Vale Inco, acusando a empresa de má-fé nas negociações. Os trabalhadores apelaram ao Conselho de Relações Trabalhistas da província de Ontário para pedir a retomada das negociações contratuais, conduzidas por um mediador, e também solicitaram que a empresa reembolse os grevistas.

"A alegação de negociações conduzidas de má-fé é infundada", afirmou Cory McPhee, porta-voz da Vale Inco em Toronto, em mensagem encaminhada por e-mail. Ele acrescentou que a empresa havia procurado o sindicato "em diversas ocasiões para convidá-los a conversar conosco e estudar uma solução. Eles rejeitaram a ideia todas as vezes".

Na opinião do sindicato, as exigências da Vale Inco são responsáveis pelo colapso das negociações. Como alguns outros empregadores canadenses, a companhia deseja mudar seu plano de pensões: em lugar de benefícios garantidos, o modelo dominante em muitas das grandes empresas do país, as contribuições seriam definidas com benefícios variáveis.

Outra proposta é modificar o plano de divisão de lucros vinculado ao preço do níquel. A Vale Inco deseja elevar o valor mínimo de deflagração das bonificações, ideia que o sindicato aceita -ainda que as duas partes discordem quanto à cotação-base-, e também limitar o pagamento máximo, o que o sindicato recusa.

De acordo com o professor Cachon, a greve é muito mais o resultado de um choque de culturas de mineração do que de um confronto de valores entre brasileiros e canadenses.

A atividade com minério de ferro da Vale se baseia em minas a céu aberto operadas por grande número de funcionários de capacitação relativamente baixa. Em minas profundas escavadas na rocha, como a de Sudbury, os mineiros, bem pagos, são em sua maioria técnicos com anos de treinamento e aprendizado.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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