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11 março 2009

Crise

De volta a 2004
11/3/2009 - Valor Econômico - Nelson Niero

A crise financeira global que encerrou um longo ciclo de alta das empresas listadas na bolsa e desacelerou o nível de atividade da economia fez com que o valor total de mercado das empresas em relação ao produto interno bruto (PIB) caísse praticamente à metade em 2008.

O indicador, que no fim de 2007 era de 95,4%, levando em conta os preços em reais, caiu para 47,6%, bem próximo aos níveis do fim de 2004. A forte desvalorização das ações das companhias é o principal componente da deterioração do indicador. Em 2007, as empresas valiam quase R$ 2,5 bilhões na Bovespa e, ao fim de 2008, esse montante somava apenas R$ 1,38 bilhão, uma diferença de mais de R$ 1 bilhão.

A relação entre o PIB e o valor de mercado vem sendo usada como um parâmetro para se determinar se o mercado está "caro" ou "barato". Sua eficiência tem sido motivo de debates, mas figuras proeminentes como o investidor americano Warren Buffett costumam consultar o indicador antes de tomar decisões.

Grosso modo, um resultado acima de 100% indicaria que o mercado está supervalorizado, enquanto algo abaixo de 50% seria a luz verde para as compras.

O índice de capitalização em relação ao PIB costuma ser um termômetro do desenvolvimento do mercado de capitais e também da dinâmica dos investimentos, já que o mercado funciona como uma das fontes de financiamento de projetos para as empresas.

Os investidores, porém, também observam esse indicador como termômetro de momentos que podem ser oportunos para investir e consideram que quando fica muito alto, o índice pode sinalizar que os ativos estão caros demais.

Nos Estados Unidos, a relação está próxima de 70%, comparado a um pico de 154,7% em 2000, no auge da bolha da internet. Em artigo recente, a revista americana "Fortune" arrisca que, pela "métrica de Buffett", seria a hora de entrar no mercado.

No entanto, todo cuidado é pouco, lembram os especialistas. O momento ainda é de instabilidade e incerteza no mercado, o que significa um risco ainda muito alto. Passada essa fase, a relação poderia ser, entre várias outras, usada para orientar para os investidores.

"É um indicador polêmico, mas confiável no médio e longo prazo, levando em conta o grau de desenvolvimento do país", diz César Tibúrcio, professor de contabilidade da Universidade de Brasília (UnB). "É especialmente interessante como tendência histórica e como alerta para situações de valorização excessiva do mercado."

Para ele, o indicador deve continuar nesse patamar por mais algum tempo, como reflexo da crise.

Reginaldo Alexandre, presidente da Apimec-SP, a associação dos analistas de investimentos, lembra que há múltiplos mais precisos - como preço da ação sobre lucro (P/L) ou valor do negócio sobre o lucro operacional (EV/Ebitda, na sigla em inglês) -, que ajudam a compor um quadro da situação. Ainda assim, é preciso esperar um "contexto de recuperação" para evitar surpresas.

Alexandre acredita que, quando vier esse momento, o Brasil poderá se valer de bons fundamentos macroeconômico e também microeconômico. "O setor bancário é sólido e as empresas não foram, de modo geral, pegas no contrapé, não se endividaram demais", afirma.

O sócio da gestora Leblon Equities, Pedro Rudge, observa que os preços dos ativos no mercado de ações respondem muito mais rápido em momentos de crise do que os indicadores da economia real, por isso, no fim de 2008 a relação entre a capitalização de mercado e o PIB estava provavelmente num ponto bastante crítico.

"No PIB, a correção é mais gradual, na bolsa, é imediata", diz Rudge, lembrando que os investidores da bolsa antecipam nos preços as expectativas para o futuro.

Para o economista e presidente do Banco Ribeirão Preto, Nelson Rocha Augusto, os investidores colocam rapidamente o tamanho da crise global no preço das ações, conforme suas expectativas. Ele não vê, porém, nenhum problema estrutural no mercado de capitais brasileiro e nos fundamentos macroeconômicos do país. O economista lembra que a queda na capitalização da bolsa ocorreu em quase todos os mercados, em muitos inclusive de forma mais acentuada do que no Brasil.

"Este vai ser um ano difícil, em que o sistema financeiro americano precisa criar bases para se refundar e isso vai afetar a todos. Mas o mercado de capitais brasileiro não tem problemas estruturais, ao contrário, temos um sistema financeiro forte, que nos favorece", diz Rocha Augusto. Outro fator que costuma ser apontado por especialistas como favorável ao Brasil é que o mercado tem uma regulação já forte.

No Brasil, até o Ibovespa retomar a trajetória positiva e o mercado de emissões primárias renascer, em 2004, o índice valor de mercado das empresas em relação ao PIB ficava na casa dos 30%. Entre 2004 e 2007, porém, os empreendedores locais passaram a captar recursos com a venda de ações para novos sócios - os investidores da bolsa. Assim, cem novas companhias chegaram e melhoraram um pouco a representatividade dos setores da economia no mercado de ações. Além disso, os preços das companhias já existentes tinham se valorizado.

Um dos problemas do passado era que a bolsa brasileira era muito concentrada na Telebrás. Mais recentemente, o setor de commodities, representado por Vale e Petrobras passou a predominar e ainda não há uma representação tão balanceada, mas o perfil melhorou um pouco, na visão dos especialistas. "Há três anos não tínhamos empresas de construção civil e agronegócio no pregão, por exemplo, o que já existe hoje. Mas ainda falta diversificação para ficar representativo", diz Rudge.

Para ele, o importante agora é tentar vislumbrar quando será o ponto de virada da situação, ou seja, quando o valor das companhias deve voltar a crescer como proporção da economia como um todo. "É difícil prever, o mercado ainda tem oscilado ao sabor de humores."

Rudge diz que do ponto de vista das captações no mercado de capitais - que andam praticamente paralisadas - pode ser que se comece, timidamente, a ver sinais de alguma atividade, embora com muita seletividade e para as companhias já estabelecidas. Há, porém, quem acredite, que até pelo menos o terceiro trimestre, tudo vá continuar bastante parado nesse terreno.

O analista da Investidor Profissional, Gustavo Ballvé, diz que do ponto de vista do investidor ele não avalia a capitalização de mercado como um indicador tão relevante, ao menos num mercado como o brasileiro, ainda em fase de consolidação. "Pode ser mais um dado a se observar, mas preferimos analisar histórias individuais", diz.


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