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31 outubro 2008

A crise e a contabilidade

Um texto da Gazeta Mercantil de hoje mostra como a não contabilização de certos itens foi importante para a crise financeira (Reproduzi o texto integralmente, apesar de alguns problemas de tradução):

Bônus não-contabilizado escapa à supervisão
Gazeta Mercantil – 31/10/2008

Washington, 31 de Outubro de 2008 - Quando George Miller recebeu 60 banqueiros no Charlotte City Club, numa noite de setembro, o foco era mais na recente quebra do Lehman Brothers Holdings. Os membros do Fórum Norte-Americano de Securitização, dirigido por Miller, estavam aflitos com o futuro do seu setor, de US$ 10,7 trilhões.
Os banqueiros, reunidos em Charlotte, Estado da Carolina do Norte, haviam sido alertados de que havia um plano do Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira (Fasb, pelas iniciais em inglês) de forçar o retorno de trilhões de dólares aos balanços, o que exigiria uma disparada nas reservas em dinheiro. O negócio deles, de reunir e revender ativos, havia registrado uma queda de 47% nos primeiros seis meses do ano e o setor não tinha condições de agüentar mais um revés.

No dia seguinte Miller, diretor-executivo do fórum, levou essa mensagem a uma audiência no Senado em Washington, que examinava a escalada dos ativos não-contabilizados. "``Ir em frente com más regras representa grandes riscos para os mercados financeiros e para a economia"'', disse ele, ao explicar a proposta do Fasb.
Miller tentava preservar uma regra de contabilidade para os ativos omitidos, que ajudavam os bancos dos EUA a exportarem bônus podres para o resto do mundo. Trata-se de uma brecha que, segundo Jack Reed, democrata que preside a subcomissão de valores mobiliários do Senado, contribuiu "``para a gravidade da crise atual''". O estrago até agora: mais de US$ 680 bilhões em prejuízos e baixas contábeis, cerca de um terço disso por parte de bancos europeus.

Falta de regulamentação

A ação dos lobistas adiou as decisões do Fasb e manteve partes importantes do sistema financeiro fora do alcance dos órgãos reguladores. Entre as vitórias deles, conta- se o fato de que os derivativos de balcão continuaram sem regulamentação e de terem persuadido a Securities and Exchange Commission (SEC, o órgão regulador das bolsas norte-americanas) a permitir que os bancos de investimento reduzissem as exigências de capital. Isso permitiu que aumentassem os empréstimos tomados e elevassem os lucros. Hoje, a estrada passa pelos imóveis residenciais executados por falta de pagamento na Califórnia e em Ohio e até pelas capitais da Europa. Essa estrada foi calçada por decisões como a tomada pelo Fasb, que permitiu aos bancos ficarem mudando ativos de um lado para o outro, de forma a que não fosse detectados pelos acionistas nem pelos supervisores do setor.

''Truque de mágica''

"``Sempre achei que isso tinha algo de um truque de mágica''", disse Pauline Wallace, parceira da PriceWaterhouseCoopers, referindo-se ao registro de ativos não-contabilizados. "``Agora, não me surpreenderia se o Fed acabar se tornando oficialmente o nosso regulador de risco sistêmico"'', disse Robert Litan, economista da Brookings Institution em Washington. Isso parece irônico para Donald Young, um defensor dos investidores e membro do conselho do Fasb de 2005 até o último dia 30 de junho. Ele testemunhou na mesma audiência no Senado, em 18 de setembro, que tanto o Fed quanto a SEC resistiam, junto com os bancos que monitoravam, a um aumento na divulgação dos ativos não-contabilizados.

"``Existe uma atividade infinita de lobby sobre o Fasb"'' por parte das empresas e dos órgãos reguladores, disse Young ao Senado. Ele apresentou um ponto de vista semelhante em uma carta datada de 26 de junho ao senador Reed. "``Não tínhamos a capacidade de superar os esforços dos lobbies, que argumentavam que estaríamos obstruindo os mercados de crédito e prejudicando os negócios se fizéssemos mudanças de peso"'', dizia a carta de Young. ` "A nossa inação não obstruiu os mercados de crédito, mas contribuiu para destruí-los.''" A questão, disse Young em uma entrevista, foi a ``falta de transparência'''' que vem junto com as práticas que permitem a existência de ativos não-contabilizados.

Os reguladores de outros países também não policiaram melhor os investimentos em ativos subprime. O UBS AG, sediado em Zurique, com baixas contábeis e prejuízos no total de US$ 44 bilhões, disse à Comissão Federal de Bancos da Suíça, no começo do ano passado, que tudo estava " totalmente protegido, sim, até superprotegido"'', segundo informou o diretor Daniel Zuberbuehler em uma entrevista coletiva em abril. "``Esta resposta depois se revelou errada porque o UBS não captou corretamente a sua exposição real a risco e superestimou os seus mecanismos de proteção"'', disse Zuberbuehler.

A securitização se acelerou em meados da década de 1990. A quantia total de papéis referenciados em financiamentos de imóveis residenciais emitidos quase triplicou entre 1996 e 2007, para US$ 7,27 trilhões, segundo a Associação de Valores Mobiliários e Mercados Financeiros (Sifma, pelas iniciais em inglês).

Alan Greenspan

Há dez anos, Wall Street tinha um mercado altista alimentado pela explosão das pontocom. O então presidente do Fed, Alan Greenspan, confiava em que o mercado corrigiria seus próprios males, e o Congresso norte-americano era receptivo à idéia de abrandar o toque dos órgãos reguladores. Em 1998, a iminente quebra do fundo de hedge Long-Term Capital Management forçou o Fed a organizar uma operação de socorro para Wall Street. Os fundos de investimentos tinham emprestado bilhões ao fundo e eram contrapartes em contratos de derivativos de mais de US$ 1 trilhão.

Naquele mesmo ano, Greenspan, o então secretário do Tesouro, Robert Rubin, e o presidente da SEC, Arthur Levitt, foram contra uma tentativa do Comitê de Comercialização de Contratos Futuros de Commodities de estudar a regulamentação dos derivativos de balcão. Em 2000, o Congresso aprovou uma lei que manteve esses instrumentos sem regulamentação. Em 23 de outubro passado, Greenspan disse, em uma audiência na Câmara dos Deputados, que é favorável a novas regras que exijam que as emitentes de ativos securitizados "``retenham uma parte significativa dos valores que emitem''". "``Nós exportamos os nossos financiamentos imobiliários podres para o exterior"'', disse Joseph Stiglitz, professor da Universidade Columbia e ganhador do Prêmio Nobel de Economia, em uma audiência na Câmara em 21 de outubro. ` "Se não tivéssemos (feito isso), os problemas aqui nos EUA teriam sido ainda piores."''
(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 4)(Bloomberg News)

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