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03 junho 2008

Nova tabuada

O assunto já foi discutido aqui, mas é interessante: o efeito do valor justo sobre o resultado, quando o passivo de uma empresa perde valor.

A nova tabuada americana
Bradley Keoun
Jornal do Commércio do Rio de Janeiro - 3/6/2008

A Merrill Lynch & Co., o Citigroup Inc. e quatro outras empresas financeiras empregaram uma norma contábil adotada no ano passado para contabilizar quase US$ 12 bilhões em receita depois da queda dos preços de seus próprios bônus. A norma, destinada a reforçar o método contábil de preços atualizados empregado pelos bancos para registrar os lucros ou prejuízos sobre ativos com transações, permite-lhes contabilizar lucros quando os preços de mercado de suas pendências financeiras caem.

A nova matemática, embora legal, desafia o senso comum. A Merrill, a terceira maior corretora dos Estados Unidos, incorporou US$ 4 bilhões em receita nos últimos três trimestres, quando o valor de mercado de seus bônus caiu. Isso resultou da alta dos retornos exigida pelos investidores, alarmados com os US$ 37 bilhões em baixas contábeis sobre os ativos prejudicados pelo colapso do mercado de crédito imobiliário de alto risco (subprime).

“Eles poderão computar ganhos significativos em decorrência da queda de sua própria capacidade de honrar suas dívidas”, disse James Cataldo, ex-diretor de administração de risco de tesouraria do Federal Home Loan Bank of Boston e atual professor-assistente de contabilidade da Universidade de Suffolk de Boston. “É totalmente legítimo, mas não faz sentido sob quaisquer critérios atuais para pensar em lucro líquido.”

Os lucros irreais ajudaram a neutralizar mais de US$ 160 bilhões em baixas contábeis registradas por empresas de serviços financeiros americanas no último período de 12 meses. Agora alguns investidores e analistas dizem que os ganhos são ilusórios e poderão ter de ser revertidos.

“O artifício terá de ser custeado algum dia”, disse Robert Willens, ex-analista de contabilidade do Lehman Brothers Holdings Inc. que deixou a empresa, sediada em Nova York, no começo deste ano para se tornar um consultor independente.

Instrução 159. O debate sobre o que é conhecido como Instrução 159 reforça o número de técnicas contábeis postas em questão com o desvendar da realidade do mercado de títulos. Os investidores criticaram os bancos por dar algumas baixas contábeis sob uma rubrica contábil chamada “outros lucros abrangentes” que contorna suas declarações de lucros. Os formuladores da legislação contábil estão propondo atualmente mudanças das normas que permitem que os bancos empreguem veículos não-formalmente registrados para tornar os lucros mais atraentes sem comprometer preciosos volumes de capital.

A Instrução 159, conhecida formalmente como “Opção do Valor Justo para Ativos Financeiros e Obrigações Financeiras”, foi emitida em fevereiro de 2007 pelo Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira, ou FASB, pelas iniciais em inglês, que fixa as normas contábeis dos Estados unidos. Ele foi adotado pela maioria das grandes empresas de Wall Street no primeiro trimestre do ano passado e se torna obrigatório para todas as empresas norte-americanas este ano, embora abarquem uma grande magnitude de interpretações sobre a maneira pela qual deve ser aplicado, se for.

A norma foi sancionada depois do lobby exercido por empresas sediadas em Nova York capitaneadas por Merrill Lynch, Morgan Stanley, Goldman Sachs Group Inc. e Citigroup, que escreveram cartas à FASB argumentando que não seria justo fazê-las contabilizar seus ativos pelo valor atualizado de mercado se também não pudessem contabilizar suas obrigações financeiras por esse mesmo critério.

“Não acreditamos que seria cabível” permitir que os investidores formassem uma idéia da capacidade de uma empresa de honrar suas dívidas para fins de avaliação de bônus se a empresa emitente não pudesse fazer o mesmo, escreveu Matthew Schroeder, diretor executivo de política contábil do Goldman, a maior corretora dos Estados Unidos por valor de mercado, em carta datada de abril de 2006.

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