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17 junho 2008

Maldição dos Recursos Naturais

Esse assunto já foi objeto de blogs anteriores (aqui e aqui): ter recursos naturais pode não ser bom.

‘Maldição dos recursos naturais’ aflige exportadores de commodities
John Lyons, The Wall Street Journal
The Wall Street Journal Americas - 16/06/2008

Com a alta dos preços, seria de se esperar que os países que importam alimentos e petróleo estejam sofrendo. É só lembrar dos protestos no Haiti contra a inflação dos alimentos. Mas a alta também criou desafios complexos para os exportadores — países que deveriam estar comemorando.

Dos Emirados Árabes Unidos com seu petróleo à África do Sul, rica em minerais, os países exportadores lutam para conter a tensão social e resolver espinhosos dilemas políticos. A América Latina é um bom exemplo. Na Bolívia e na Argentina surgiram conflitos entre políticos e produtores sobre quem fica com o lucro das exportações. A inflação foi às alturas na Venezuela, rica em petróleo. A alta do real está prejudicando a indústria do Brasil, que também enfrenta a aceleração do desflorestamento na Amazônia, à medida que fazendeiros cortam a floresta para dar mais espaço à soja e ao gado.

Todas essas complicações revelam um fenômeno econômico curioso: períodos de boom das exportações também têm conseqüências negativas. Os economistas usam o termo “maldição dos recursos naturais” para identificar problemas que geralmente atormentam os exportadores de commodities, como moeda supervalorizada, má administração dos recursos e disputas pela receita obtida. A inflação está alimentando esses problemas e criando outros novos, com resultados imprevisíveis para essas sociedades.

“É muito difícil para um governo administrar um boom das exportações”, diz a cientista política Terry Lynn Karl, da Universidade de Stanford, que analisou o problema num livro de 1997 chamado “The Paradox of Plenty: Oil Booms and Petro-States” (“O Paradoxo da Fartura: Booms do Petróleo e Estados Petrolíferos”).

Períodos de alta são férteis para a geração de tensões sociais, por exemplo. A disparidade de renda aumenta porque raramente a riqueza é distribuída igualmente. Enquanto isso, os pobres são prejudicados pela alta do petróleo e dos alimentos.

No pior estágio, essa situação pode criar uma receita para violência. A desigualdade econômica é uma das maiores fontes de descontentamento que motivaram a onda de assassinatos de imigrantes em favelas da África do Sul, país que vem se beneficiando da exportação de seus minérios. Protestos violentos por aumentos de salários nos Emirados Árabes Unidos, ricos em petróleo e com a economia em crescimento, mostram como o fenômeno está atingindo o Oriente Médio.

Alguns governos sentem-se tentados a distribuir a riqueza através de maiores gastos. Mas até esse tiro pode sair pela culatra. A Venezuela aumentou os gastos sociais num ritmo acelerado, mas a maior parte dos benefícios foi anulada pela inflação de 31,4%. Enquanto isso, o orçamento inchado levou a ineficiência e corrupção.

Há também o exemplo da Argentina, o terceiro maior exportador mundial de soja. A presidente Cristina Kirchner aumentou os impostos sobre as exportações de soja para poder financiar um aumento dos gastos públicos. Os produtores reagiram com meses de protestos contra a elevação dos impostos.

As greves, que causaram desabastecimento de alimentos no início do ano, erodiram a confiança no governo Kirchner. Em maio, os argentinos de classe média sacaram quase US$ 2 bilhões da poupança para comprar dólares, num indício clássico de que já temem o pior.

Algo parecido está acontecendo na Bolívia. A alta dos preços inflamou uma rivalidade cultural entre a capital La Paz, nos Andes, e as baixas planícies aluviais do leste do país, que contam com terras férteis e as segundas maiores reservas de gás natural da América do Sul.

O presidente Evo Morales quer uma nova constituição para centralizar os royalties do gás natural em La Paz e obter o poder para redistribuir as terras entre seus partidiários, de maioria indígena e pobre. Uma por uma as províncias vêm declarando autonomia, numa sucessão de acontecimentos que alguns temem que levará a um violento conflito civil.

Mesmo assim, a alta das commodities alimentou o crescimento e permitiu que países como Rússia e Brasil pagassem dívidas e juntassem um bom colchão nas suas reservas.

Mas até mesmo os países mais estáveis enfrentam problemas políticos causados pelo boom. Um bom exemplo é o Brasil, o segundo maior exportador de soja do mundo e o primeiro na exportação de ferro, açúcar, café, carne e frango.

O Banco Central tentou conter a pressão inflacionária gerada pelo crescimento econômico acelerado com um aumento dos juros. Mas, ao fazer isso, o BC está fortalecendo ainda mais uma moeda que já se valorizou 45% perante o dólar desde 2004, em meio a um boom das exportações. A moeda forte está começando a danificar outros setores importantes da economia, como o industrial. A Empresa Brasileira de Aeronáutica SA, a quarta maior fabricante de aviões do mundo, anunciou que a margem bruta de lucro foi de 13% no primeiro trimestre, ante 19% no mesmo período um ano antes, por causa da valorização do real, que aumentou seus custos de produção em dólares.

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