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23 julho 2007

Restos a Pagar e Lei de Responsabilidade Fiscal

Estados e municípios usam restos a pagar para contornar rigidez da LRF
Valor Econômico - 23/07/2007

As finanças de Estados e municípios mostram evolução razoável desde o começo da década, considerando indicadores como a relação entre a dívida consolidada líquida e a receita corrente líquida e a proporção com pessoal do Executivo e a receita. Entre os cinco maiores Estados, apenas o Rio Grande do Sul mostra uma relação dívida/receita acima do teto de 200% definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) - em 2006, o percentual ficou em 253,6%, mas ele está em queda. Entre os cinco maiores municípios, apenas São Paulo tem o indicador superior ao máximo de 120% - 196,6% no ano passado, mas também em declínio.Uma análise restrita a esses números indica uma situação fiscal positiva. Mas, se depois da entrada em vigor da LRF houve de fato maior austeridade na condução das contas públicas por governadores e prefeitos, também é verdade que esses indicadores não captam plenamente a situação fiscal dos governos, avaliam economistas como José Roberto Afonso e Beatriz Meirelles.

Há um uso cada vez mais freqüente, segundo eles, de um expediente que consiste em assumir dívidas diretamente com fornecedores, empreiteiros ou mesmo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). "No fim do ano, muitas das despesas restam a pagar para o ano seguinte, mas em valores que superam a casa dos bilhões", escrevem eles, em estudo que conta também com a colaboração de Kleber Castro. Nos restos a pagar se concentram despesas referentes a exercícios fiscais de anos anteriores. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o total de restos a pagar cresceu de R$ 1,940 bilhão em 2002 para R$ 3,477 bilhões em 2006, uma alta de 79%, já descontada a inflação. Em São Paulo, o aumento foi de 33,3%, para R$ 7,049 bilhões, e em Minas Gerais, de 29%, para R$ 4,829 bilhões.Para eles, um dos sinais de que a chamada "contabilidade criativa" encobre muitas vezes a verdadeira situação fiscal dos Estados é que, ao tomarem posse no começo do ano, vários governadores "logo adotaram medidas severas para o controle das contas públicas". Os economistas chamam a atenção para a situação do Estado do Rio de Janeiro: em 2006, os gastos com pessoal do Executivo equivaliam a apenas 27,5% da receita, bem abaixo do limite de 49% definido pela LRF. Esse número, isoladamente, indica um quadro que não explica o que fez o governador Sérgio Cabral (PMDB) ao assumir o cargo no começo do ano. Ele promoveu a contenção de despesas com viagens e celulares, cortes de 30% de cargos comissionados e auditoria na folha de pagamento.Segundo eles, no paraíso da contabilidade criativa, "ora somem dos gastos com pessoal os inativos, de um poder ou de todo o governo, ora são contados como se fossem serviços, ora desaparece a parcela do Imposto de Renda retido dos servidores, ora a dívida ativa vira crédito líquido e certo".Beatriz considera, porém, que a situação de Estados e municípios ficou de fato mais saudável depois da LRF. Questões como a do aumento dos restos a pagar acabam por maquiar um pouco a situação real, mas não a ponto de se dizer que não houve melhoras, diz ela. O analista Alex Agostini, da Austin Rating, também avalia que a LRF tem sido fundamental para a evolução positiva dos indicadores fiscais de Estados e municípios. "Ela diminui muito o espaço para governos populistas." A Austin faz a classificação de risco dos quatro principais Estados (SP, MG, RJ e RS) e das respectivas capitais, conferindo o grau de investimento (ou seja, com baixa probabilidade de dar calote) a todos eles, com exceção do Rio Grande do Sul, que possui uma relação dívida/receita muito elevada, além de ter uma economia que sofreu bastante nos últimos anos, em função de problemas como a valorização do câmbio.O especialista em contas públicas Amir Khair vê uma situação fiscal razoável de Estados e municípios, mas faz algumas observações. Ele lembra que, para desinflar gastos com pessoal, alguns Estados e prefeituras elevaram as despesas com terceirização. Isso facilita a obtenção de bons indicadores em relação aos gastos com funcionalismo. Khair lembra que a arrecadação cresceu com força nos últimos anos, também no âmbito estadual e no municipal. Para ajudar, o Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), que corrige as dívidas de Estados e municípios com a União, tem registrado variações muito modestas. A combinação de arrecadação em alta e o IGP-DI baixo contribuíram para o tombo de relações dívida/receita como a do município de São Paulo, que caiu de 246,5% em 2004 para 196,6% em 2006. Em Curitiba, a relação atingiu 2,42% no fim de 2006.Khair chama a atenção ainda para o que considera o "escândalo dos precatórios", as dívidas judiciais que os governos têm de pagar, mas o fazem a um ritmo muito lento. Graças a uma proposta de emenda constitucional - a PEC 12 -, o calote desses débitos poderá ser consagrado, acusa ele, porque ela possibilitará o parcelamento dos débitos por prazos muito longos. Para os credores, uma péssima notícia. Para Estados e municípios, porém, um alívio fiscal.

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