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12 agosto 2006

Futebol e Direito de Imagem


Artigo sobre o assunto no Valor de 11/agosto:

Os clubes e o direito de imagem dos atletas

Por Fábio Gentile
Fim da Copa do Mundo da Alemanha e, por aqui, as atenções se voltam aos clubes nacionais. Comenta-se que a imagem dos jogadores brasileiros saiu bastante arranhada. Mais um motivo para falar desse tema, tão mal tratado fora dos gramados - a imagem dos jogadores. Para início de conversa, é preciso entender: Por que o tal direito de imagem dos atletas é, para os clubes, muito mais um problema jurídico do que uma fonte de receita? Há como equacionar a questão jurídica com a verdadeira utilidade da imagem esportiva?

Ao invés de aproveitar a imagem de seus jogadores como uma propriedade de marketing - que é -, há clubes que a utilizam apenas para reduzir encargos trabalhistas, em vão. Elaborando falsos contratos de cessão da imagem dos jogadores, o clube lhes paga parte da remuneração - por vezes, a maior parte - a título de direito de imagem, pretendendo com isso diminuir o valor do salário e das verbas que sobre ele incidem (férias, décimo-terceiro salário e FGTS, por exemplo).

Esse procedimento também alivia a carga tributária do atleta, que licencia sua imagem por meio de uma empresa que ele mesmo constitui, deixando, assim, de recolher, sobre a remuneração recebida como direito de imagem, a contribuição ao INSS (do empregado) e o imposto de renda de pessoa física (27,5%).

Acontece que, na prática, a imagem do jogador não é sequer utilizada pelo clube e, por isso mesmo, em uma reclamação trabalhista fica fácil provar que o valor mensal pago a título de direito de imagem nada mais é do que, propriamente, salário. Resultado: o clube desperdiça a licença de uso que detém e, pior, acaba se sujeitando a enormes condenações na Justiça do Trabalho. O que era direito de imagem passa a ser considerado salário e o clube acaba tendo que pagar ao jogador todas as verbas trabalhistas que queria economizar - com juros e correção monetária. Ou seja, no final da história, quem paga a conta é o clube.

Juridicamente, é possível que os clubes licenciem o uso da imagem de seus atletas, ajuste legítimo e que, em nossa opinião, não se confunde com a relação de emprego, mas desde que a remuneração paga pela licença não seja mera contrapartida do trabalho do atleta. Se não houver exploração da imagem e, ainda, se a remuneração for mensal, claro que se caracterizará como salário.

Há quem diga, entretanto, que a licença de uso da imagem está necessariamente inserida no contrato de trabalho, seja qual for a forma de estipulá-la ou utilizá-la. O juiz Sérgio Winnik, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, em São Paulo, considera que "a divulgação envolvendo o clube é inerente à atividade do atleta, jogador de futebol", concluindo que "qualquer contraprestação daí decorrente tem, pois, nítida conotação salarial" (Acórdão nº 20040338830).

Duas são as opções viáveis para os clubes. A primeira é comprar a briga jurídica, mas com credibilidade: inserir os atletas no planejamento de marketing do clube, atribuindo valor à imagem de cada um deles, conforme critérios esportivos e de mercado. Em um contrato autônomo de licença do uso de imagem, a remuneração não seria habitual, e sim atrelada a cada utilização da imagem dos jogadores, mostrando que não se trata de uma simulação. Além de reduzir o risco de alguma condenação trabalhista, o importante é que, dessa forma, o clube passaria a planejar o uso da imagem dos atletas.

A segunda opção é considerar salário tudo aquilo que se paga ao atleta, inclusive o direito de imagem. Por mais pesado que seja, o impacto econômico pode e deve ser objeto do planejamento financeiro e trabalhista do começo de temporada. E, com uma cláusula de licença, o próprio contrato de trabalho exigiria que o clube planejasse o uso da imagem de seus atletas, transformando um risco jurídico em uma fonte alternativa de receitas, bem capaz de compensar o acúmulo de encargos trabalhistas.

Não faltam jogadores, anunciantes, nem mídia. Faltam planejamentos profissionais que calculem riscos, recomendem provisões, desenvolvam o marketing dos clubes e façam da imagem dos jogadores uma das mais interessantes propriedades de marketing do clube, e não um foco de problemas.

Realmente, como bem disse o publicitário Eduardo Fischer (Valor, 6 de julho de 2006), com o fiasco dos brasileiros na Alemanha, é "muito difícil que algum anunciante faça um contrato novo com esses jogadores hoje". Porém, "depois de umas cinco partidas atuando bem e marcando gols, Ronaldinho Gaúcho recupera a imagem". Prova de que é mesmo uma excelente propriedade de marketing. Mas que não depende só do trabalho dentro de campo, depende de uma gestão profissional fora dele.

Fábio Gentile é advogado e sócio do escritório BGR Advogados

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